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Grande ABC acumula 317 mandados de prisão em aberto

Especialistas da área da segurança pública citam que problema é resultado da precarização da Polícia Civil e falam em prejuízo social

Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
24/11/2019 | 07:00
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Divulgação


O Grande ABC tem 317 mandados de prisão em aberto. Os dados foram obtidos junto à SSP (Secretaria da Segurança Pública) do Estado de São Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação. Cada mandado representa uma prisão que deveria ter sido executada e não foi. O sucateamento da Polícia Civil – corporação que tem o dever de providenciar o cumprimento dos mandados – é apontado pelos especialistas como principal causa do acúmulo de processos. Como consequência, há prejuízo para a sociedade, obrigada a conviver com pessoas que podem apresentar perigo.

Coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), David Siena ponderou que esse é um problema histórico e que não deve ser atribuído apenas à Polícia Civil, mas ao sistema de Justiça criminal brasileiro como um todo, órgão “inoperante e pouco eficiente”. “As agência de controle trabalham de forma pouco articulada e, claro, isso se desdobra na situação de que não basta decidir, condenar. É preciso fazer cumprir as decisões e o sistema de Justiça criminal não está conseguindo fazer isso”, detalhou.

Siena destacou que muitas das decisões judiciais, seja de cumprimento de prisão, medidas protetivas da Lei Maria da Penha, são tomadas, publicadas, porém o Estado não tem apresentado condições para dar efetividade. “São motivos estruturais, institucionais. A Polícia Civil, que é um órgão de apoio ao Poder Judiciário, se encontra sucateada, com falta de funcionários, processo das últimas três décadas de completo abandono institucional da corporação. Não existem recursos para cumprir todos esses mandados.”

A avaliação do especialista é corroborada pelo presidente da ADPESP (Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), Gustavo Mesquita. Segundo ele, se a Polícia Civil não presta trabalho de excelência, isso se deve à falta de recursos pessoais e materiais. Em todo o Estado, faltam 14 mil profissionais – um terço do efetivo total da corporação. No Grande ABC, as delegacias seccionais de Santo André (que incluiu Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande) e São Bernardo (que engloba São Caetano) têm deficit de 200 agentes.

“Claro que o desejo da Polícia Civil é exercer suas funções em plenitude. Mandados cumpridos, crimes esclarecidos. Mas a corporação convive com o descaso do governo, que resultou no sucateamento da corporação, com baixos salários e deficit de profissionais”, acusou. “Fazemos muito com o pouco que recebemos do Estado”, concluiu.

Advogado criminalista, Luiz Mário Guerra ponderou que é preciso análise sobre quais são os tipos de mandados deixados de lado. “Há também que se falar nos mandados após condenações em segunda instância, estes, agora considerados inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal), não podem ser cumpridos”, explicou. “De qualquer forma, podemos falar em prejuízo social”, pontuou. “Especialmente os mandados de prisões cautelares não cumpridos, pelo perigo que a liberdade dos indivíduos pode representar à sociedade”, concluiu.

A SSP informou que tem intensificado as ações para o cumprimento de mandados de prisão em todo o Estado. Segundo a pasta, de janeiro a setembro deste ano, 67.310 criminosos foram presos por mandado ante 61.544 em 2018, aumento de 9,3%. O Estado destacou, ainda, que regularmente são realizadas operações como a Cronos II e a PC 27, que prenderam, juntas, 1.611 pessoas por cumprimentos de mandados. “Nas sete cidades, a Polícia Civil cumpriu 3.987 mandados de prisão desde o início do ano”, completou o comunicado.

Registro de ocorrência causa disputa
A dificuldade de a Polícia Civil cumprir em tempo hábil os mandados de prisão que são expedidos – no Grande ABC, 317 aguardam pelo cumprimento – poderia ser superada se o governo do Estado autorizasse a PM (Polícia Militar) a elaborar o TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), que substituiria o BO (Boletim de Ocorrência), feito nas delegacias.

Essa é a avaliação de entidades de classe dos policiais militares e reivindicação da categoria há dez anos. Entre 2001 e 2009, havia autorização para a atuação da PM na elaboração do TCO em São José dos Campos e Guarulhos, e, posteriormente, para as PMs Rodoviária e Ambiental.

A Lei 9.099/95 prevê que qualquer autoridade policial possa lavrar um TCO para crimes de menor potencial ofensivo, mas decisão de março da 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) considerou a prática inconstitucional em julgamento de uma lei estadual do Amazonas. Ainda cabe recurso.

Apesar disso, na visão dos PMs, a mudança permitiria que os policiais civis se dedicassem apenas às investigações, soluções de crimes e cumprimento de mandados. Doutor em segurança e coronel da PM, Marcel Soffner afirmou que a liberação para que a PM seja responsável pela confecção do TCO agiliza e desburocratiza o atendimento ao público ao reduzir o tempo necessário para que crimes de menor potencial ofensivo (aqueles que têm como pena até dois anos de prisão) sejam registrados.

Segundo Soffner, estudos conduzidos em Santa Catarina – Estado onde a PM realiza o TCO – apontaram que o tempo médio de atendimento e registro de ocorrências como acidente de trânsito sem vítimas, perturbação de sossego e ameaças caiu de 3h50 para 50 minutos.

Presidente da ADPESP (Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), Gustavo Mesquita se posicionou contrário à mudança. “São argumentos falaciosos que buscam atender interesses corporativistas e aumentar o poder da PM, sob o manto do interesse público”, afirmou. Segundo Mesquita, não há base legal ou técnica para o pleito. “Devemos buscar que as instituições cumpram seus papeis em plenitude e não avançar sobre as atribuições uma das outras”, completou. “Se existem mandados em aberto, cada crime é a falha do policiamento ostensivo, atribuição da PM”, finalizou.

Em nota, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo informou que o assunto está em análise.

Casos de notoriedade da região seguem sem desfecho
Entre os 317 mandados de prisão que ainda estão em aberto no Grande ABC existem casos que ganharam repercussão em toda a mídia, como o do empresário Marcelo Pereira de Aguiar, 36 anos, acusado de matar a tiros o morador em situação de rua Sebastião Lopes dos Santos, 40, no bairro Vila Assunção, em Santo André. O crime, que foi flagrado por câmeras de segurança, ocorreu na noite de 11 de maio.

Aguiar chegou a ser preso no mês de setembro, na cidade de Paso de Los Libres, na Argentina, mas foi liberado porque não havia mandado de prisão internacional expedido contra ele. Na sequência, a Justiça brasileira decretou a prisão preventiva do empresário em 22 de maio, mas ele segue foragido.

Também de Santo André está foragido o ex-assessor parlamentar Francisco Everardo Felex Quirino, 56, conhecido como Kapote e que trabalhava no gabinete do vereador Sargento Lobo (SD). Em outubro de 2018, ele atirou contra a companheira Nanci Aparecida Rosa, 55, e contra o chaveiro Francisco Pinheiro dos Santos, 56.

Kapote acreditava que as duas vítimas estavam tendo um caso, o que se comprovou mais tarde ser mentira. Nanci levou quatro tiros, mas sobreviveu à tentativa de feminicídio. Já Santos, atingido por três disparos, não sobreviveu. O crime ocorreu no bairro Parque das Nações.

Em outubro deste ano, a juíza Milena Dias, da Vara do Júri e Execuções de Santo André, decidiu suspender os prazos processuais, justamente para evitar a prescrição do crime.




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