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Por Daniel Gutierrez
Especial para o Diário
04/07/2006 | 08:55
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A platéia do Teatro Clara Nunes, em Diadema, com capacidade para 377 lugares, lotou na sexta-feira passada (dia 30), para a primeira apresentação de Zaratustra, sétima coreografia da Cia. de Dança Mão na Roda, formada por bailarinos portadores de deficiências físicas em diferentes níveis.

Foi uma noite experimental para o grupo que considera a performance uma pré-estréia. A estréia mesmo, segundo o diretor Luis Ferron, deve ocorrer – com novidades, se for obtida verba por meio de patrocinadores – dias 26 e 27 de agosto, no mesmo palco.

Inspirado na questão da falta de autonomia do homem moderno, um dos temas tratados na obra Assim Falou Zaratustra, do filósofo alemão Friedrich Wilhem Nietzsche (1844-1900), o balé se revelou exemplar ao abordar esse assunto por meio de uma notável capacidade dos bailarinos de expressar conceitos e sensibilidade.

Além do livro de Nietzsche, uma das chaves para o entendimento do homem universal, Zaratustra também tem como base uma tela do pintor expressionista Otto Dix – esta igualmente inspirada em Assim Falou Zaratustra. A fragilidade humana e a morte no sentido de transformação da vida são as linhas centrais da montagem.

Os privilegiados que puderam acompanhar a nova coreografia ao longo de 50 minutos viram, segundo Ferron, uma obra inacabada, algo que “ainda possui coisas ingênuas”. O diretor explica que, por falta de recursos financeiros, detalhes como composições de cenas e iluminação deixaram a desejar nesta versão do espetáculo. “Estamos discutindo bastante. Temos de reformular o roteiro”, afirma ele.

Assistindo ao espetáculo, este problema não é gritante. No entanto, dá para imaginar que, sem ele, a trupe alçaria vôos mais altos.

A Cia. Mão na Roda, e em especial este seu novo balé, é essencial para a contemporaneidade da dança. Diversas reflexões humanas estão presentes no espetáculo. Desde as mais mesquinhas, como a comiseração que as pessoas portadoras de deficiências físicas costumam despertar, até a mais nobre, caso da transformação do modo de enxergar o mundo justamente em função da constatação do potencial do corpo humano.

O indivíduo que entender Zaratustra como a morte de algo para o pronto nascimento de outra coisa, terá entendido as pretensões da companhia. Zaratustra, de Nietzsche e da Cia. Mão na Roda, dizem muito sobre a morte do homem e o nascimento do super-homem, uma transformação que tem ocorrido na vida dos bailarinos e muito provavelmente na de todos nós.

O espetáculo foi providencial para todos os integrantes da companhia de Diadema, segundo o diretor Luis Ferron: “Estavam todos num momento existencialista, buscando uma verdade.” Além de Ferrón, mais três profissionais atuam no processo de preparo dos bailarinos: Daniela Rocco e Larissa Miwako, assistentes de direção, e Mario Ferrari, filósofo e pedagogo.

Zaratustra brinca com os limites anatômicos. Movimentos que o público simplesmente não espera são executados pelos bailarinos que descem de suas cadeiras de rodas e tomam o centro do palco. Mais do que a superação dos artistas, que têm algo maior a transpor para se relacionarem com o mundo, fica evidente a superação do público. Para a companhia, o que interessa são os diálogos entre os corpos, e não os padrões corporais.

Zaratustra não pode ser considerado um espetáculo leve. Trata do humano como ser falível e incomoda o público tratando de temas corriqueiros das grandes cidades. Fala de acomodação.

A bailarina Nara Nikis incomoda os menos conscientes da condição precária da vida urbana. Durante um de seus textos na coreografia, sobre como nos esquecemos de viver, o elenco todo anda em sincronia, mas sem objetivo definido, de um lado para outro do palco.

Neta Pereira, 49 anos, uma das pioneiras da companhia, desce suavemente de sua cadeira e, nua, protagoniza um dos momentos mais belos do balé.

Outra cena de destaque do espetáculo é feita por Samara Andressa. Trazida ao centro do palco enrolada em papel-filme, ela interpreta o nascimento do super-homem de Nietzsche. O corpo da bailarina se desenrola e estica enquanto manchas de sangue simbolizam a dor humana na transformação profunda.

Esta é uma das cenas que o diretor pretende melhorar para a estréia. Segundo Ferron, Samara deverá ser trazida ao palco sobre um praticável, empurrada por um bailarino andante (há andantes e cadeirantes) que simbolizará o homem alienado. (Supervisão de Ricardo Ditchun)



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