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“O Caps salvou minha vida'
Por Natália Fernandjes
do Diário do Grande ABC
23/07/2017 | 07:07
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Nario Barbosa/DGABC


“Cheguei aqui lesionado por causa de uma briga de rua, em estado lastimável. O Caps (Centro de Atenção Psicossocial) salvou a minha vida”, considera um dos pacientes da unidade destinada ao tratamento de dependentes de álcool e drogas no bairro Santo Antônio, em São Caetano. Devido ao preconceito latente em relação a ex-usuários, tanto na sociedade quanto entre os parentes, o morador do município prefere não se identificar. “Mantenho o anonimato (em relação à doença) até dentro da família, porque as pessoas julgam. Até os amigos vão embora”, revela.

A percepção de que a dependência do álcool, principalmente, e de drogas como a cocaína e até mesmo o crack, estava prejudicando a vida dele somente veio há pouco mais de três anos, quando, no ápice da perda de controle, ele passou 14 dias na região da Cracolândia, no Centro da Capital.

“Foram 14 dias acordado. O crack tem efeito parecido ao da cocaína, mas passa muito rapidamente e traz fissura muito forte. Fiquei naquele estado de The Walking Dead (série norte-americana pós-apocalíptica em que sobreviventes lutam contra zumbis). Até que minha família me resgatou e fui internado. Demorei para recuperar a consciência. Tinha de ficar sozinho em um quarto com grades, porque eu era muito agressivo”, destaca.

A decisão pelo tratamento partiu do próprio morador de São Caetano, em 2015. E, segundo ele, apenas assim deu certo. “Na primeira internação, tive de ser convencido pela minha família e por minha noiva, à época. Eu não queria, porque ainda trabalhava. Achava que estava sob controle”, lembra o ex-usuário, que conheceu a cocaína aos 15 anos, na escola.

A substância química, no entanto, não é o grande problema dele. “A minha principal dependência é o álcool. Com 13 anos de idade eu já bebia, até porque é cultural no Brasil. Até os 22 anos conseguia manter uma vida social, com emprego e faculdade. O lazer se restringia aos fins de semana. Mas, depois percebi que a periodicidade foi aumentando. Passei a faltar na faculdade para beber, até que chegou ao ponto de abandonar tudo. No fim, já acordava tendo de beber. Sentia a abstinência física”, detalha.

Depois de dois anos de tratamento multidisciplinar no Caps, aos 33 anos, ele se sente retomando projetos abandonados por conta do vício em drogas. Um dele é o curso superior na área de Análise de Desenvolvimento de Sistemas. “É um misto de carga de ressentimento e culpa. Perdi muita coisa: noiva, patrimônio. Quando adolescente, achava que com essa idade eu já estaria casado e com dois filhos. Além de não ter construído isso, perdi o que tinha”, lamenta.

A nova fase, acompanhada pelo “tratamento eterno”, não permite a manutenção de velhos hábitos nem de amizades antigas. “Minha vida girava em torno da bebida. Hoje, é preciso ter foco. Se vou a um show de rock, é pela música. Os valores mudam. Passei a frequentar o Narcóticos Anônimos e a seguir uma religião. Sobrou apenas um amigo e ele também está tentando permanecer limpo”, diz ele, que mantém também tratamento psicológico uma vez por semana no Caps e ainda faz uso de antidepressivos. “Já tive alta psiquiátrica e retornei ao emprego. Foi aqui que descobri que minha depressão é preexistente à minha dependência. Já tive diversas recaídas, sejam em momentos de dificuldade ou em situações de euforia. O que torna mais fácil, no meu caso, é que eu quero parar. Tem de ter humildade para reconhecer as suas limitações”, considera.

SERVIÇO
O Caps AD é um serviço especializado em saúde mental que atende pessoas com problemas decorrentes do uso ou abuso de álcool e de outras drogas. O local é a porta de entrada no SUS (Sistema Único de Saúde) para o tratamento interdisciplinar e gratuito. Todas as cidades do Grande ABC contam com o equipamento público.




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