Cultura & Lazer Titulo
Histórias apavorantes de Paranapiacaba
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
29/05/2005 | 08:22
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Histórias de fantasmas se manifestam no clima turístico de Paranapiacaba. São tão atraentes quanto a própria história da construção da Vila Ferroviária andreense, no século XIX. Eram os engenheiros ingleses, tão acostumados a ouvir histórias de castelos mal-assombrados em seu país, que parecem ter legado também esse dado cultural de sua presença, além da bela arquitetura típica.

"Diz a lenda..." é o "era uma vez" local. É como monitores turísticos começam a narrar as histórias para os visitantes. Sob a neblina que invariavelmente se impõe sobre a Vila, lendas de assombrações acentuam os mistérios da Vila. Não é raro encontrar um morador que narre casos de arrepiar turistas. E são essas histórias, que se acumulam com o tempo, que começam a incentivar uma ainda incipiente produção cultural.

Antigos relatos sobrevivem na voz de veteranos moradores e se encontram com lendas recém-nascidas, como a da presença de Jack, o Estripador, assassino serial que teria sido um médico inglês exilado voluntariamente em Paranapiacaba para escapar da perseguição da polícia londrina. Esse caso não tem comprovação factual e histórica, mas as coincidências são instigantes.

Tanto quanto os relatos de espectros que se manifestam no Castelinho, atual museu. Entre outros, o da senhora que dança à noite no Clube União Lira Serrano, do trem-fantasma que sobe o 13º túnel na serra, do motivo que faz com que os moradores da Vila tratem a chegada da neblina como "a noiva está chegando!", do que acontece quando batem três vezes na madeira do Pau da Missa à meia-noite, do vagão fúnebre no Museu da Funicular, do homem da capa preta...

Casos como estes foram narrados para o Diário num dia frio, molhado e enevoado da Vila, entre o fim da tarde e o início da noite, quando poucos se arriscavam no lusco-fusco para enfrentar a torrencial chuva pelas ruas, preferindo secar a umidade do corpo molhando a garganta nos bares. Éramos quatro – repórter, fotojornalista e dois moradores – a ouvir relatos. Após mais um de arrepiar, um gutural ruído metálico rasgou a densa névoa, vindo não se sabia de onde. O mistério durou um instante que pareceu longo, e sua forma revelou-se quando o silêncio foi cortado pela última vez naquele dia...

Quem é quem do Além

Uma composição ferroviária estava em processo de engate e o som provocado por essa operação atravessou um dos arrepiantes relatos narrados ao Diário em Paranapiacaba. Diante dessas histórias – algumas descritas nesta página –, a Vila e seus mistérios inspira arte, livro e filmes.

Neste domingo é o último dia para visitar English Memories, intervenção artística de Antonio Valentim e Paula Caetano instalada no sótão do Museu do Castelinho. Seis figuras pouco iluminadas, de aparência humana, surgem como espectros na antiga residência do engenheiro-chefe da São Paulo Railway, Daniel Fox.

A casa foi construída no alto da Vila, de onde Fox podia observar o trabalho na ferrovia dentro do conceito de controle de espaço, desenvolvido na obra Vigiar e Punir do sociólogo francês Michel Foucault (1926-1984) como panopticon – que dá a quem nele se instala o poder de controle constante e a quem sob ele se encontra a sensação de ser observado. Mas é para lá que são dirigidos os olhares quando o relato é sobre o fantasma do Castelinho. Mas de assustar mesmo é a notícia de que o Museu deixará de ter entrada franca em junho.

Dona Francisca Cavalcanti de Araújo, 73 anos, moradora e artesã da Vila, também é escritora. Seus poemas compõem o livro Minha Querida Paranapiacaba, ainda a ser editado pelo escritor e historiador Maurício Cunha. Dona Francisca é autora de algumas lendas.

O cineasta Emerson Muzeli, que morou em Ribeirão Pires, recorre à Paranapiacaba por questões estéticas. Fez, em 2000, o curta Café Amargo, uma história de espiritualidade à flor da pele, e deve concluir até o fim do ano a série de 12 documentários Lendas e Fantasmas do Brasil. Na Vila, ele rodou o primeiro episódio, no qual aborda alguns dos relatos abaixo.

Pau da Missa

Quando os ingleses viviam na Vila, eram de maioria religiosa protestante e anglicana. Na parte alta ficava (ainda fica) a igreja católica Bom Jesus de Paranapiacaba. Para anunciar cerimônias, procissões, missas de sétimo dia e cortejos fúnebres aos moradores católicos da parte baixa, o padre usava uma árvore conhecida como Pau da Missa. O costume continua, na mesma árvore, embora boa parte dos moradores tenha adotado a religião evangélica. Diz a lenda que se alguém bater três vezes à meia-noite nesta árvore verá o espectro da pessoa que morreu cujo nome está anunciado no Pau da Missa.

Caminho do Mens

A rota mais curta que liga a vila Martin Smith (parte nova) à parte velha passa atrás do Castelinho. É o caminho do Mens (homenagem ao engenheiro Frederic Mens). Moradores recomendam não usá-la. Mas se tiver de fazê-lo, convém subir cantando, para que um espectro assustador não o assombre.

Jack, de Paranapiacaba

O assassino inglês apelidado Jack The Ripper, ou Jack, o Estripador, cometeu seus crimes – no mínimo cinco prostitutas mortas com o mesmo modus operandi: garganta cortada da esquerda para a direita e órgãos internos jogados por cima do ombro – entre agosto e novembro de 1888 em Whitechapel, leste de Londres. Nunca houve uma prisão oficial, embora os crimes tenham cessado quando um dos suspeitos – a lista não era pequena –, chamado David Cohen, foi detido por ser anti-social violento e internado num hospício. Porém, a precisão cirúrgica com que o Estripador assassinou suas vítimas gerou especulações de que o criminoso poderia seria um médico.

Um dos suspeitos era o maçom sir William Whitey Gull (1816-1890), médico que cuidou da sífilis do príncipe Albert Victor, assíduo freqüentador de prostíbulos que ganhou a confiança da rainha Victória. O próprio príncipe era suspeito, mas especula-se que, com as mortes, Gull tenha ajudado a acobertar um escândalo (fato explorado em filmes e documentários). Albert Victor teria tido um caso com uma prostituta do qual nasceu uma menina. A criança teria sido entregue aos cuidados de uma família, a mãe internada num asilo de doentes mentais e a babá e suas amigas – e testemunhas –, eliminadas pelo doutor.

Diz a lenda em Paranapiacaba que outro médico teria cometido os crimes do Estripador e fugido para uma vila ferroviária construída pelos ingleses na América do Sul. Na época, Paranapiacaba era a única opção. Neste domingo, na antiga casa do médico residente da ferrovia, funciona a pousada milenar, na estrada do Hospital Velho. Seu apelido é pousada do Jack.

Capa preta

O caminho do hospital velho deve ser evitado pelas crianças no período noturno. É lá que age o bicho-papão da Vila. Um homem – ou espírito – de capa preta aterroriza por ali e carrega os pequenos para fazer maldades. É uma história contada pelos moradores mais velhos.

Homem de chapéu

O Lira Serrano é palco de mais histórias extraordinárias. Há pouco tempo, funcionários da secretaria do clube haviam encerrado seu trabalho administrativo e fechado as portas, parando do lado de fora para conversar antes de ir embora. Já era tarde da noite quando um deles avistou um homem alto, usando chapelão e todo vestido de preto parado na janela do clube. Os outros também viram e abriram a porta para ver quem estava lá...mas não havia ninguém.

Espectro

Som de passos, madeira rangendo e ruídos de louça precedem a aparição de um espectro, alto, no Castelinho, hoje museu e antiga residência do engenheiro-chefe, Daniel Fox, um homem que media mais de 2 m de altura. Ele costumava descer as escadarias para tomar café na cozinha da casa. Ao que parece, o espectro manteria o mesmo hábito – inclusive o – para lá de britânico – de assombrar castelos.

Trem-fantasma

Na serra, entre o quarto e o quinto patamar da ferrovia, seria possível ouvir à noite ruídos de locomotivas e gritos das pessoas que morreram em acidentes durante a construção do sistema funicular. Diz a lenda que à noite também é possível ouvir o som de uma locomotiva cuja caldeira explodiu, além da sensação de deslocamento do ar por causa da passagem da composição no 13º túnel do trajeto.

Dama no Lira

No passado, o Clube União Lira Serrano foi palco de bailes e recepções a barões do café que paravam em Paranapiacaba quando viajavam do interior de São Paulo para Santos. Com o fim dos grandes bailes, vigias noturnos teriam visto uma mulher (a tal dama) dançando sozinha no salão vazio – com as portas do clube trancadas – enquanto a pintura de uma distinta senhora pendurada na parede do clube desaparecia. Ao fim da dança, quando a dama sumia, o quadro voltava ao normal.

Trilha do Curupira

Numa terça-feira quatro jovens da Vila pensaram ter descoberto uma cachoeira na mata. No dia seguinte, voltaram equipados para explorar o local. Andaram muito, mas nada. Ouviram batuques de tambor e um deles percebeu algo no mato atrás deles. Correram, caíram e se esconderam: podia ser uma onça. Ao chegar na Vila, durante a Semana do Folclore, descobriram que o dia seguinte, quarta-feira, era do Curupira, ser mitológico que judia dos que invadem a mata com más intenções.




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