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Olívio Jekupé: "Pela primeira vez na história, os índios estão na frente dos brancos"

Líder da aldeia Krukutu diz que nativos estão sob proteção da natureza, coisa que falta nas cidades

Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
19/04/2020 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


“Protegidos do mal”. Foi assim que Olívio Jekupé, 55 anos, nativo da aldeia Krukutu, na divisa do Riacho Grande, em São Bernardo, com Parelheiros, na Capital, explicou como a tribo se sente diante do avanço do novo coronavírus no País. Escritor e palestrante, ele garante que, na mata, onde tem o “pulmão” da terra, eles estão mais seguros do que aqueles que moram onde acreditam ser a civilização, mas, que para os indígenas – cujo dia nacional é celebrado hoje –, a cidade é que está “atrasada”.

“Temos até dó do povo. Nunca ganhamos dos brancos, em nada na nossa história, mas agora é diferente. Não tem árvores nas cidades. As pessoas não conseguem ficar distantes, porque falta espaço, nem respiram ar de qualidade. As favelas, então, pior ainda porque são um aglomerado de casas coladas. Aqui na aldeia, com árvores, insetos e toda a natureza presente, estamos mais seguros do que em qualquer outro lugar”, pontuou Jekupé.

Para a tribo, o vírus não é o verdadeiro vilão – embora seja temido, já que, com poucos recursos, boa parte dos 300 habitantes poderia morrer caso o micro-organismo chegue à aldeia. “A cultura indígena sempre preservou o habitat natural. Os brancos devastaram tudo por ganância, porque querem sempre ter mais e mais. E por isso, neste momento, os que vivem na cidade é que estão morrendo. A doença não é o mal, o mal é não preservar o que protege”, explicou.

Jekupé salientou que as pessoas colhem agora a falta de respeito com a natureza, que vem ocorrendo há décadas. “Quem vive no meio da floresta respira bem. A natureza vinga. Sempre digo que Deus perdoa, os homens às vezes, mas a natureza jamais. Com a ganância ocidental, os brancos destroem a mata e não têm preocupação com o que pode vir a ocorrer, pelo contrário, criticam nosso povo, que dedica a vida cuidando da terra. As consequências disso (destruição) sempre vão vir, ou seja, se destroem a natureza, destruíram a proteção e, consequentemente, abrem portas para crises como esta (Covid-19) chegarem nas nações.”

O krukutu lembra que, como os índios são povos que vivem de maneira mais simples, a chegada de epidemias sempre é mais perigosa, resultando em mortes em massa. Jekupé afirma que, por viverem na mata, comem melhor e se cuidam com o que sai da terra, ou seja, tudo é natural. “Se chegar (o novo coronavírus) na aldeia, usaremos os recursos que utilizamos com qualquer doença. Primeiro, o Pajé (curandeiro indígena) cuidará de nós, nos benzerá e usaremos os remédios naturais. Em último caso, temos uma UBS (Unidade Básica de Saúde) na aldeia, onde podemos recorrer”, disse Jekupé.

Embora não tenham hospitais de referência por perto, tampouco fácil acesso a centros de saúde maiores, para eles “o pouco é sempre melhor”. Por ora, para proteger e fortalecer o corpo, os nativos estão tomando chá de gengibre, limão e alho, o que garantem ser o “melhor remédio para a imunidade”. “Nosso centro cultural, se preciso, servirá de hospital de campanha aos índios que forem contaminados, para que possam se tratar. Se for grave, ficarão isolados por 14 dias. Mas não vai chegar (o novo coronavírus) aqui”, afirmou.

Filho de Jekupé, Kunumin MC, 19, garante que a tribo não está com medo. “Não temos contato com os brancos e somos só amor e bondade. Aos que tiverem amor, fé e esperança, não há o que temer. Espero que depois dessa pandemia, quando as pessoas puderem sair de suas casas, que saiam melhor do que eram antes.”

INFORMAÇÃO
Na aldeia, a maior parte das famílias tem televisão e celular. Por esse motivo, estão informadas e acompanham diariamente os avanços da Covid-19. “A orientação que demos aos índios é que nenhum de nós saia da aldeia, que está bem distante da cidade. Assim como também não estamos recebendo visitas. Fechamos a escola e adiamos eventos. Dessa forma, não vamos ter problemas.”

A equipe do Diário foi recebida com exclusividade pelos krukutus. No entanto, a equipe de reportagem teve de se paramentar com luvas e máscaras. “Temos mais medo que tragam a doença para nós do que saiam contaminados daqui. Os índios que já foram confirmados com o novo coronavírus foram acometidos pela presença dos garimpeiros em suas terras, e não porque eles desenvolveram a enfermidade”, pontuou Jekupé, garantindo que se não permitirem acesso às suas matas, não terão a doença entre eles.

Segundo boletim divulgado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena Nacional, até quinta-feira eram 23 casos confirmados de Covid-19 em povos indígenas, com pelo menos cinco mortos, conforme a Funai (Fundação Nacional do Índio). Os casos confirmados concentram-se em cinco Dseis (Distritos Sanitários Especiais Indígenas), todos da região Norte. São eles: Alto Rio Solimões, Manaus, Médio Rio Purus, Parintins e Yanomami.

 

 

Krukutus questionam falta de assistência pública
Índios da aldeia Krukutu criticaram a falta de assistência pública na tribo desde que o isolamento físico foi determinado pelo governo do Estado como medida de contenção à Covid-19, assim como a falta de acesso aos equipamento de segurança pessoal, como máscaras. Uma das índias ouvidas pelo Diário explicou que as mães estão tendo dificuldades em realizar cadastros online para receber benefícios, como por exemplo o Merenda em Casa.

Seja por falta de sinal de internet na aldeia ou por dificuldade em lidar com a tecnologia, os índios receiam não ter assistência pública em período de quarentena. Olívio Jekupé explicou que, aos que recebem Bolsa Família – programa do governo federal – nada mudará, já que o valor será depositado nas contas, assim como o auxílio de R$ 600 disponibilizado durante a pandemia a famílias de baixa renda, entre outros grupos de vulnerabilidade econômica. “Outros benefícios estão sendo anunciados e muitos índios não sabem como fazer para receber”, comentou.

Os moradores da aldeia reforçam que sentem necessidade da visita de funcionários do Cras (Centro de Referência e Assistência Social), que costumam fazer atendimento ali. “Precisamos também da doação de máscaras. Se algum índio tiver de ir na cidade, não temos proteção. Alguns conseguiram (máscaras) no início da pandemia, mas são dois ou três”, disse.

Questionada, a prefeitura da Capital – já que a tribo pertence ao território – não se manifestou até o fechamento desta edição. A Funai (Fundação Nacional do Índio) garantiu que realiza trabalho de orientação, conscientização e difusão de informações junto aos povos indígenas, além de distribuição de cestas básicas, apoio no bloqueio de entradas das aldeias e acompanhamento das atividades dos Dseis (Distritos Sanitários Especiais Indígenas), observando os padrões de segurança e medidas sanitárias já estabelecidas.

Dia nacional reivindica respeito à natureza e demarcação de terras
Aquecimento global, desmatamento, queimadas, desastres naturais e agora uma pandemia em nível global. Não é à toa que os indígenas reivindicam mais respeito à natureza, assim como demarcação de terras para eles. No dia em que o Brasil celebra sua existência – data comemorada hoje – o apelo que deixam é para que o governo olhe para eles.

“Temos de falar dos problemas que enfrentamos. Não é importante comemorar, mas sim divulgar nossa cultura para a sociedade entender o que é a comunidade indígena”, explicou Olívio Jekupé, nativo da aldeia Krukutu. Ele afirmou que o escritor José de Alencar – renomado por obras da cultura indígena – falou sobre o índio criando figura a qual reforçou o preconceito, situação que tentam mudar há décadas. “O apelo indígena hoje no Brasil todo é que as terras sejam demarcadas. Mas as pessoas questionam o por que queremos terras, se não vamos fazer nada. Esse é o ponto. Quando não fazemos nada na mata, fazemos mais que o branco, porque quando não fazemos nada, estamos preservando aquilo que o branco destrói”, explicou.

Jekupé reforçou a tese de que os desastres têm chegado à população pela negligência com a mata. O krukutu criticou ainda a postura do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), diante dos direitos indígenas

“Hoje o mundo precisa de mais florestas. Sempre fico revoltado quando vejo os maiores países do mundo se reunindo e anunciando acordo de trilhões para diminuir o aquecimento global. É triste ouvir isso porque sabemos que esse dinheiro será jogado fora. O que resolve é preservar nossa natureza”, lamentou o índio.

“Agora será mais difícil termos a solução sem gastar um tostão com ele (Jair Bolsonaro) na Presidência. Quanto mais demarcar terras indígenas, mais florestas vamos ter. O mundo do branco é destruir, o do índio é crescer”, finalizou Jekupé.




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