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Grande ABC registra 11º feminicídio do ano

Homem matou ex-mulher e tentou se suicidar em São Caetano; no mesmo dia, Consórcio lançou programa de reeducação de agressores

Bia Moço
Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
10/12/2019 | 07:00
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 Naira Naomi Motoki Tanaka, 42 anos, morreu após ter sido baleada pelo ex-companheiro Elercione Almeida Nascimento, 42, na Rua Conselheiro Lafayette, altura do número 773, no bairro Barcelona, em São Caetano, ontem. O agressor tentou se suicidar após o crime. Trata-se do 11º caso de feminicídio registrado no Grande ABC neste ano ante cinco vítimas em 2018, de acordo com a SSP (Secretaria da Segurança Pública).

O crime aconteceu por volta das 7h40. A polícia verificou, por meio de câmeras de segurança, que o casal caminhava pela rua, sentido bairro-Centro, quando discussão foi iniciada. Naira ignorou o agressor e saiu andando em sua frente, quando ele sacou arma de fogo da cintura e atirou contra a mulher, na altura das pernas. Ao se certificar que a vítima ainda estava viva, Nascimento efetuou disparos no rosto da ex-companheira e, ao notar que ela não tinha sinais vitais, atirou em seu próprio peito.

O homem foi socorrido pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e levado para UPA (Unidade de Pronto Atendimento), no bairro Santa Paula. Nascimento teve perfuração do pulmão e seguia internado em estado grave até o fechamento desta edição.

Uma testemunha do crime acionou a PM (Polícia Militar) e relatou os fatos. Segundo a investigação policial, o casal ficou junto por um ano, entretanto, o relacionamento era conturbado. Há cerca de seis meses, a vítima terminou a relação, mas Nascimento não aceitou o fim e vinha a ameaçando. Naira já tinha, inclusive, feito boletim de ocorrência contra o agressor e obtido medida protetiva. No entanto, recentemente teria adquirido um imóvel na mesma rua do ex-companheiro.

A via onde ocorreu o crime ficou interditada pelo departamento de trânsito por pelo menos três horas. Cinco viaturas estiveram no local. O caso foi registrado na Delegacia Sede de São Caetano.

Conforme levantamento feito pelo Diário junto ao TJ (Tribunal de Justiça), nos últimos dois anos o aumento nos inquéritos a respeito de feminicídio foi de 33%, passando de 24, em 2016, para 32, em 2018.

Atlas da Violência publicado em junho aponta crescimento nos homicídios femininos no Brasil em 2017, com cerca de 13 assassinatos por dia. Segundo o índice, 4.936 mulheres foram mortas naquele ano, o maior número desde 2007.

Programa pioneiro pretende recuperar agressores do Grande ABC

O GT (Grupo Temático) Gênero e Masculinidades, braço do GT (Grupo de Trabalho) Gênero do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC lançou, na manhã de ontem, o programa SerH (Serviço Regional de Educação e Responsabilização para Homens Autores de Violência contra Mulheres do Grande ABC). A iniciativa, preconizada na Lei Maria da Penha, tem como objetivo conscientizar e reeducar homens condenados a penas menores de dois anos por agressão a mulheres. Esta é a primeira iniciativa em âmbito regional do País.

O programa estará sob supervisão do GT Gênero e será implementado no mesmo modelo do E Agora, José?, que desde 2014 já atendeu 300 homens condenados em Santo Andrés. O serviço vai funcionar na sede do Consórcio e a primeira turma está prevista para ter início em 4 de março. Serão 20 encontros semanais de participação obrigatória, mais quatro atividades trimestrais e duas semestrais, completando até dois anos de acompanhamento.

Coordenador do GT Gênero e Masculinidades, Eurico Jardim destacou que a ação possibilita que o homem se reconheça como machista e autor de violência contra a mulher, fazendo com que ele mude de pensamento e passe a agir de outra maneira. “Ao longo do trabalho, vamos fazendo questionamentos com esses homens. A mudança de comportamento e de ideias é perceptível”, comentou. “É uma metodologia que facilita o vínculo. Homens falando para homens”, explicou o psicólogo e sociólogo Flávio Urra, coordenador do programa andreense.

Coordenadora do GT Gênero e presidente do conselho gestor do Programa Regional Casa Abrigo, Maria Aparecida da Silva explicou que o SerH é uma consequência do acolhimento de mulheres em situação de risco. “É de suma importância termos essa iniciativa regional”, pontuou.

Em Santo André, ao menos 50 homens aguardam por vagas para fazer parte dos grupos. Nos outros municípios não há estimativa de quantos participantes poderão ser encaminhados.

Mortes são resultado de violência recorrente

Para a advogada especialista em direito familiar, integrante do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Santo André e da Comissão da Mulher Advogada da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André, Juliana Almeida, a violência contra mulher não é somente física e, por esse motivo, se agrava até terminar em assassinato. “Existe dificuldade da própria vítima em identificar que sofre violência e, quando identifica, por diversos motivos tem dificuldade também de procurar ajuda, seja pelo julgamento da família e de amigos, por vergonha, ou até mesmo por medo do futuro dos filhos. O resultado da violência recorrente é o feminicídio.”

A especialista explica como se dá o ciclo da violência doméstica. As agressões começam de forma psicológica, se tornam físicas, passam pelo processo de perdão, voltam a ser físicas e, na maioria das vezes, terminam em morte. “As mulheres acabam aceitando, perdoando e até se conformando com a situação. O aumento do número dos casos de feminicídio e dos crimes contra a vida das mulheres tende a se agravar, inclusive se combinado com outras mudanças relevantes, como a questão do armamento”, pontua Juliana. Ela se refere ao decreto presidencial que flexibiliza o porte de armas em todo o País.

A especialista observa ainda que os casos de feminicídio são motivados por ciúme, não aceitação de regras ou pela divisão patrimonial após separações. “Por mais que a gente fale em algum tipo de evolução, ainda não existe equilíbrio nem igualdade entre homens e mulheres”, considera Juliana.




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