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Os olhos da pureza

Artista plástica de São Bernardo com Down, Tatiane Egual ganha mais um prêmio internacional

Por Miriam Gimenes
07/01/2018 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


 A artista plástica de São Bernardo Tatiane Egual, 27 anos, teve uma de suas primeiras obras expostas na Europa na Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Florença, na Itália. O ano era 2011. Como toda artista que participa de eventos como este, portava seu crachá de identificação. Sem notá-lo, o guarda local exigiu, de forma ríspida, que sua mãe, Iraci Egual, colocasse o crachá, por acreditar que ela fosse a artista, não a filha. “Disse que eu era apenas a acompanhante, a pintora era ela.”

No outro dia o fato se repetiu. A mãe, sem titubear, gritou mais do que o guarda, que prontamente lembrou do mal- entendido do dia anterior e se desculpou. “Ah, a artista ‘brasiliana’.” Esse tipo de situação, diz Iraci, é frequente na vida de Tatiane, que é portadora de síndrome de Down. “As pessoas ficam boquiabertas quando descobrem que o quadro exposto é dela.”

Não só são dela como já renderam oito prêmios nacionais e outros oito internacionais – já teve tela exposta até na Coreia do Sul. O mais recente, Prêmio Leonardo da Vinci, será entregue no dia 20, na mesma Florença que viu talento da são-bernardense ganhar o mundo há sete anos. Só que desta vez Tatiane não poderá ir. “Estamos sem patrocínio desde o ano passado. A inscrição mesmo só consegui fazer porque rifei uma tela dela”, lamenta Iraci. O custo foi de 550 euros (cerca de R$ 2.150). Mas nem por isso o sonho vai terminar.

Desde criança, Tatiane disse para mãe que queria ser artista plástica. Começou a criar os primeiros quadros quando era adolescente, em aulas com finalidade terapêutica. Neles gostava de pintar a personagem Hello Kitty. De tanto a mãe estimulá-la, passou a criar artes abstratas, feitas antes com tinta a óleo, que tiveram de ser substituídas por acrílica, por conta do cheiro. “Gosto de assistir a DVDs e, depois, passo isso para os quadros”, diz. De lá para cá foram inúmeras obras em que utiliza também colagens, miçangas e gesso, algumas vendidas na Europa com valores a partir de 800 euros.

Como nem sempre o dinheiro entra, ela não tem como custear a viagem e a estadia nos prêmios. Este ano, além da Itália, recebeu convite para expor na Índia. “Nem nos meus melhores sonhos imaginaria que a Tati chegaria tão longe. Recebi os piores diagnósticos quando ela nasceu. Mas um médico me disse: ‘A sua filha vai ser o que você quiser que ela seja. Arregacei as mangas e me doei”, lembra Iraci, com lágrimas nos olhos.

Por isso, lamenta a falta de patrocínio. “É uma judiação, porque o talento que ela tem é algo divino. Sem a possibilidade de ir, chegou a ficar depressiva, mas não deixa de manter o sorriso no rosto e essa pureza no olhar.” Para Tatiane, que sonha estudar fora, é a mãe quem lhe dá força para seguir, ainda que o caminho seja tortuoso. “É minha companheira. Duas forças (aponta para ela e Iraci) ninguém consegue derrubar.”




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