Política Titulo Entrevista
Dilma foi a pior em reforma agrária, diz Stédile

Líder do MST afirma que governo da presidente afastada, no setor, foi pior do que gestões de FHC e Figueiredo, na ditadura

Leandro Baldini
Do Diário do Grande ABC
04/07/2016 | 07:00
Compartilhar notícia
Valter Campanato/Agência Brasil


Líder nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e aliado histórico do PT, o economista João Pedro Stédile, 62 anos, classificou a gestão da presidente Dilma Rousseff (PT), afastada para a continuidade do processo de impeachment, como a pior da história do País no que diz respeito a ações para reforma agrária. Colocou a petista abaixo de seus próprios rivais, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), entre 1995 e 2002, e João Baptista Figueiredo, entre 1979 e 1985. Para o ativista, Dilma valorizou apenas o agronegócio, permitindo concentração de terras e propriedades, algo reprovado pelo MST. Embora crítico da petista, ele condenou o processo de impeachment, atacando o presidente interino Michel Temer (PMDB), a quem intitula como “golpista”. Os ataques se estendem a outros personagens, como o juíz Sérgio Moro, o Congresso Nacional e a Polícia Federal.

Confira a entrevista completa:

O sr. se posicionou como crítico do governo Dilma Rousseff. No entanto, condenou o processo de impeachment. Como o sr. vê o atual cenário do País?
Após os acontecimentos recentes que envolveram o cenário no País acentuaram ainda mais as crises para a sociedade brasileira, econômica, política, social e ambiental. E é crise de longo prazo. Faz três anos que a economia não cresce. Pelas perspectivas devemos passar por isso ainda mais dois anos. Na política, se produziu dicotomia entre eleitorado e os eleitos, que se elegeram somente por conta do poder econômico. Nós só tínhamos vivido problemas semelhantes nas décadas de 1930, 1960 e 1980. Cada vez que surgem crises assim, estruturais, somente há uma saída. Contudo, de forma demorada, que é a apresentação de novo projeto em que se tire a economia do afogadilho, construindo maioria política no entorno dessa proposta, a fim de resolver os problemas dos trabalhadores. Durante 2015, ficou aquela disputa. Nós criticando as metas econômicas e o governo Dilma puxando o saco da burguesia. Colocou o (Joaquim) Levy (ex-ministro da Fazenda) para aplica política neoliberal, com finalidade ao ajuste fiscal. No início deste ano, se produziu conjuntura em que se aliaram o poder econômico, os partidos políticos conservadores e o núcleo mais ideológico da burguesia, que é a Rede Globo, o poder Judiciário e a Polícia Federal. Essa conjugação representou as forças que apelaram para o golpe (abertura do processo de impeachment) e tiraram a Dilma do cargo para o qual foi eleita pelo voto popular. Esses setores acham que a saída para a crise é reaplicar plano neoliberal.

Como o sr. prevê a sequência do governo de Michel Temer?
A nossa sorte, como classe trabalhadora e movimentos populares, é que o plano deles não tira o País da crise. Ao contrário, aprofunda. Por isso vem aumentando o desemprego. Ou seja, não resolve nenhum problema daqueles que a Dilma enfrentava, nem na política, na economia e na área social. A segunda contradição benéfica para nós é que governo golpista do Temer não representa pacto nacional como chegou a dizer. Não conseguiu nem unificar a direta no Brasil. Há também um outro grupo, que eu chamo de lúmpens (pessoas sem compromisso ou improdutivo) políticos, que é o Legislativo (Congresso Nacional). Representado pelos Jucás (Romero Jucá, deputado federal e ex-ministro do governo Temer) e Cunhas (Eduardo Cunha, presidente afastado do Congresso). São conhecidos por se apoderar do dinheiro público. Há também a outra ala mais ideológica. Nela estão a Rede Globo, o (juiz Sérgio) Moro. Esses grupos não se entendem. Por isso, às vezes o Moro prende gente do poder econômico e do Parlamento. Por isso, o Jucá fala que “dará golpe para calar o Moro”. Existe disputa permanente entre eles. Ninguém sabe qual será o desfecho disso. Nós, como movimento popular, defendemos que ocorra a volta da Dilma em 9 de agosto, uma vez que ela não cometeu nenhum crime. Mas ela precisa urgentemente se comprometer com novo programa.

Caso a Dilma não retorne, como o sr. acha que o País vai se comportar?
Se aquele poder dos políticos mantiver unidade com o Temer, nós entraremos neste segundo semestre em um aprofundamento da crise. Com mais denúncias. Certamente, o Moro vai prender os demais ministro deste governo, que estão envolvidos nas investigações de corrupção. Será uma gestão desmoralizada. Na melhor das hipóteses, o Temer prossegue somente até dezembro e em janeiro, o poder econômico, que é de fato o mais interessado, derrubaria esse presidente interino para viabilizar um novo governo, de total confiança deles, que pode ser o próprio (Henrique) Meirelles (ministro da Fazenda), o FHC (Fernando Henrique Cardoso, PSDB), ou o (José) Serra (PSDB, ministro das Relações Exteriores). Mas eles precisariam empurrar até janeiro, porque as novas eleições seriam pela via indireta, pelo Congresso. Assim qualquer um poderá ser eleito por eles.

Quais foram os problemas da gestão Dilma?
Foram muitos erros a partir do segundo mandato da Dilma. O principal foi querer agradar demais a burguesia, com o ajuste fiscal. Perdeu o apoio popular. Todos os movimentos populares organizados, passaram ir para as ruas denunciar o golpe, mas a massa (popular) não foi. Nem para a direita e nem para a esquerda porque ficou atônita. Como vai defender um governo que não está fazendo a sua política? No máximo, esse grupo de pessoas acredita no Lula. Da Dilma deixaram de gostar. Ela precisa ir à rua e se comprometer com aquilo que prometeu para ser reeleita em 2014. Pedir para que esqueçam de 2015 e 2016.

Nas questões sociais, o que o sr. apontaria como mais grave?
Esse governo Dilma não fez nada de reforma agrária, por exemplo. Não deixei de criticar nenhuma vez por conta disso. Para a reforma agrária os seis anos da Dilma no poder foram desastre, porque com a amizade dela com a Kátia Abreu (ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) só foi priorizado o agronegócio. Nos últimos anos ocorreu processo violento de concentração da terra. Os movimentos populares sempre foram muito críticos a Dilma por essa falta de política clara. Dos últimos governos no País, esse foi o pior. Mesmo se comparar com a época do FHC, embora ele tenha o registro do massacre de Carajás (morte de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996). A Dilma acabou como a pior, ficando atrás do governo Figueiredo (João Baptista Figueiredo, último presidente do País no regime militar, entre 1979 e 1985).

O sr. acha que esses erros do governo Dilma atingiram a imagem do PT?
O PT, como partido, não sofreu tanto pelos erros da Dilma. O que ela errou afetou a base social da classe trabalhadora. Eu acho que o PT foi mais atingido por aquele bloco, que tem a Globo e o Moro. Como a única motivação deles é ideológica, eles trabalharam para desmoralizar a esquerda. A esquerda no senso comum é o petismo, então, faz dois anos que começaram a bater na legenda e no Lula. Não só fizeram isso ideologicamente, mas prendendo petistas, como Zé Dirceu, (João) Vaccari e o Paulo Bernardo. Se olharmos as denúncias da Lava Jato, constatamos a sigla que mais se apropriou das propinas foi o PP. E em segundo lugar, o PMDB. Quem desses partidos está preso? O terceiro a mais pegar propinas foi o PSDB e depois o PT. Quem usou dinheiro para corrupção precisa ser preso, de acordo com a lei, e quem utilizou para campanha eleitoral não é um mal em si. Está previsto por legislação. Por isso, é necessária a reforma política, que impeça a continuidade deste modelo.

Como o sr. classifica a Operação Lava Jato?
É trabalho necessário, principalmente para que se denuncie os métodos da política. Porém, foi feita manipulação e só criminalizaram os nomes do PT. Não penalizaram, até agora, os outros partidos e parlamentares que se contemplaram do mesmo esquema. Um deles é o Aécio (Neves, senador do PSDB).

Como o sr. analisa o PT politicamente para o futuro?
É partido forte, assim como o PMDB. Para o pleito de outubro, a disputa será nas mesmas condições. Acho que o PT, independentemente do governo Dilma e da Lava Jato, precisa fazer profunda autocrítica da estratégia para deixar de ser agremiação somente eleitoral e ser partido a propor projeto à sociedade. Depende do próprio Lula ser esse protagonista. Ele precisa embasar proposta, fazer diferente do que o partido fez. 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;