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‘Penso em pegar quem me pôs aqui’
Por Gabriel Batista
Do Diário do Grande ABC
02/01/2006 | 08:01
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Condenado em primeira instância a 28 anos de prisão como mentor do seqüestro seguido de morte de Emile Perez de Souza, 10 anos – crime ocorrido em outubro de 2004 em Rio Grande da Serra –, Fernando Salviano de Oliveira, 27 anos, o Ratinho, nega participação no seqüestro e quer vingança. “Penso em sair da cadeia e pegar quem me colocou aqui.” Ele se refere a Júlio César Santos Silva, 20, réu confesso no mesmo crime – preso em outra cadeia – e que entregou o restante do grupo. Salviano, apontado como mentor, está detido no CDP (Centro de Detenção Provisória) Belém 1, no bairro Belenzinho, na zona Leste da capital. Foi o único dos sete condenados pelo crime que aceitou falar ao Diário. Recebeu a reportagem na terça-feira, dia 20 de dezembro, sob autorização judicial. Não aceitou ser fotografado. Em sua defesa, Salviano acusa o pai de Emile, o candidato derrotado a vice-prefeito pelo PT, Nilson Gonçalves de Souza, 41, a ter lhe proposto uma simulação de seqüestro com a filha para tirar dinheiro do partido.

O pai de Emile disse não ter palavras para comentar a acusação feita pelo condenado. “O que eu posso falar a essas pessoas? O que faço é orar para que elas possam se reabilitar. Se eles realmente cometeram o crime, espero que se arrependam e não fiquem falando abobrinha”, disse Nilson, que é evangélico.

Emile foi seqüestrada no dia da eleição municipal, em Rio Grande da Serra, em 2004. Levada a um cativeiro em região de mata, passou fome, frio e apanhou. Foi morta a facadas. Os criminosos tinham a intenção de pedir dinheiro e achavam que o partido do pai, o PT, ajudaria no pagamento. Salviano, que não gosta de ser chamado de Ratinho, “o apelido que a polícia colocou em mim”, alega ter sido torturado pela polícia durante o inquérito policial. Leia os principais trechos da entrevista.

DIÁRIO – Você está na cela do seguro, protegido dos outros presos. Que ponto da acusação pesou mais contra você?

Fernando Salviano de Oliveira – Tenho de ficar no seguro porque foi um crime bárbaro e acusaram a gente. Então não há como conviver com os outros presos da cadeia. Até que se prove o contrário, a gente é culpado.

DIÁRIO – Você se considera culpado pelo seqüestro seguido de morte da menina Emile?

Salviano – Jamais. Não tenho culpa. Tenho dois filhos (um nasceu quando ele já estava preso). Jamais teria coragem de fazer uma coisa dessas, com tanta maldade e brutalidade.

DIÁRIO – Qual era a sua relação com os pais e a família de Emile?

Salviano – Conhecia o pai dela há mais de três anos, acho. Meu pai já trabalhou na casa do pai dela como pedreiro. Fez uma reforma na casa dele. Ele é muito conhecido em Rio Grande. Mas era assim: eu passava na rua e dizia oi e tudo. Não freqüentava a casa deles. Conheci a menina só por fotos. Era a única da família que não cheguei a conhecer muito porque quase não a via. Conhecia melhor o filho mais velho, o Anderson, que trabalha com o pai no mercado da família.

DIÁRIO – Você diz que não participou do seqüestro. Por que, então, está preso?

Salviano – Até agora não entendo porque fui preso. Mas, um tempo atrás, antes de a menina ter sumido, o próprio pai dela me chamou para participar de uma simulação de seqüestro. Disse que era para tirar um dinheiro do partido, do PT, porque o partido estava gastando muito dinheiro na cidade, com a campanha. Falei para ele que ia pensar. Pensei e falei que ‘não, não vou mais‘. Nunca tinha me envolvido em crimes. Isso foi uma semana antes do seqüestro.

DIÁRIO – Você trabalhou na campanha do pai dela?

Salviano – Trabalhei na campanha, mas só no dia da eleição. Como não podia entregar panfletos, usava a forma verbal para puxar um voto. Sei que também é crime, mas eu queria ganhar um dinheirinho extra para ajudar minha família. Recebi pelo trabalho no final da eleição. Uma coordenadora me pagou com dinheiro vivo.

DIÁRIO – Quem, então, são os culpados pelo crime?

Salviano – Os culpados estão lá fora. Provavelmente é o Valter. É um negrinho escuro que está foragido. Ele tem o apelido de Mosca. E o Mosca que está preso aqui (Luciano Cardoso, também condenado) não é esse rapaz. O Valter morava perto de casa. É barra pesada. Mexe com drogas e com algumas coisas mais. É muito violento também.

DIÁRIO – E o Júlio César (condenado confesso pelo mesmo crime)? Ele coloca vocês na história, não é mesmo?

Salviano – Esse Júlio César não sei onde está (tom de voz exaltado). A polícia pegou ele primeiro, e na delegacia ele viu nossas fotos. Falou que estávamos todos envolvidos. Arrastou até a minha mãe (Maria Aparecida Salviano, também condenada).

DIÁRIO – Você conhecia os outros condenados pelo mesmo crime?

SALVIANO – O Claudiomar é meu vizinho há dois anos. Mora no mesmo quintal que eu. O Luciano não conheço. O Rodrigo havia mudado para lá dois meses e meio antes. Fez um barraquinho atrás da minha casa. Não conhecia ele muito bem, conheci quando já estávamos presos. Acho que ele é concunhado do Claudiomar. O terreno onde morávamos é da Cohab.

DIÁRIO – Você teve alguma demonstração de como o pessoal de Rio Grande os vê hoje?

Salviano – Estão revoltados e loucos para matar a gente. Quando saímos da delegacia em Rio Grande, havia um monte de gente lá. Falam que era a população que queria nos linchar. Para lá, não volto mais.

DIÁRIO – Como tem sido esse um ano e dois meses de prisão?

Salviano – Já sofri muito. Apanhei muito de outros presos, mas não aqui (no CDP Belém 1, na capital). Fui transferido do CDP de Mauá porque a cadeia ia virar para poder arrancar a cabeça de cada um de nós. Teve duas rebeliões e (os outros presos) não mexeram com ninguém lá do seguro. Mas diziam que, na terceira, iam matar. Tivemos de sair de lá sem nada, só de calça e sem camisa, na friagem. Saímos de Mauá há uns três meses.

DIÁRIO – Hoje, você divide cela com quantos presos?

Salviano – Estou morando com sete. Tem três camas. Dormem quatro na praia da cela, no chão, e os outros três, nas camas.

DIÁRIO – O que você faz para passar o tempo?

Salviano – É difícil distrair a minha mente, esquecer um pouco dessa situação. Sinto falta da família, dos meus filhos. O Felipe tem 3 anos, e o Gabriel, que não conheço, tem nove meses e vai fazer dez. Aqui eu tenho de ficar de um lado para o outro. Antes mesmo de o senhor chegar, a minha cabeça estava voando de um lado para o outro. Hoje eu tinha de cortar cabelo dos meninos (dos presos), mas pedi para fazer isso amanhã, porque estava com minha cabeça a mil.

DIÁRIO – O que você pensa, hoje, com essa condenação de 28 anos em primeira instância. Que planos de vida você tem?

Salviano – Se eu chegar até o futuro, se acaso eu sair desta unidade e ir para outra e não morrer, eu quero ter um futuro muito bom. Não só para mim, mas para a minha família. Os amigos se afastaram de mim, porque a mídia destruiu nossas vidas. Esculachou de tudo quanto é forma, chamou-nos de demônio. Mas alguns companheiros aqui da cadeia falam que, por eu ser réu primário, minha pena pode ser reduzida depois que eu for para uma penitenciária. Tenho bom comportamento. A única coisa que eu faço aqui é cortar cabelo e fazer uns desenhos. Eles (os outros presos) me pagam os cortes de cabelo com maço de cigarro, sabonete, uma peça, uma lâmina de barbear ou uma folha de caderno. Estou sofrendo, comendo o pão que o diabo amassou. E tudo por causa dos outros. Muitas vezes, passa pela minha cabeça sair da cadeia e pegar quem me colocou aqui.

DIÁRIO – Você teve contato com o pai de Emile, quando ele prestou depoimento em juízo. Como foi o encontro?

Salviano – Nós, os acusados, ficamos de lado para a promotora e para a juíza. E, quando ele deu depoimento, ficou de costas para nós. Depois, olhou para a cara de cada um de nós, e só balançou a cabeça. Falou que a Justiça tinha de ser feita. Não chegou a acusar ninguém. Pelo pouco tempo em que ele me conhece e também minha mãe, pensei que ia defender a gente. Mas não, ele não defendeu.




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