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Tradição da pescaria
é mantida
na Billings

Profissão passa de pai para filho ao redor do manancial, de onde 380 famílias retiram o sustento

Por Natália Fernandjes
do Diário do Grande ABC
20/07/2014 | 07:08
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Denis Maciel/DGABC


Um dos mais antigos ofícios do mundo sobrevive, em pleno século 21, às margens da Represa Billings. A pesca artesanal é a realidade, ainda hoje, de cerca de 380 famílias, que retiram do manancial, responsável pelo abastecimento de 1,8 milhão de pessoas da Região Metropolitana, seu sustento diariamente.
Morador do bairro Tatetos, em São Bernardo, Adilson Soares Fernandes, 37 anos, é um dos diversos casos de pescador que herdou do pai a profissão de maneira natural. “Nasci às margens da represa. Minha vida está aqui e não me enxergo em outro lugar”, destaca.

O amor pelo ofício começou cedo, aos 7 anos. Fernandes ainda se recorda daquela época em que só podia acompanhar o pai na pescaria depois da escola. Segundo ele, as dificuldades enfrentadas eram maiores. “Era tudo mais complicado, a gente tinha de produzir a rede, remar de três a quatro quilômetros para chegar no ponto ideal para a pesca, os barcos eram de madeira, com risco de furar, e, às vezes, a gente saia cedinho de casa e só voltava no dia seguinte”, relembra.

Três décadas mais tarde, os barcos ganharam motores e ficaram mais resistentes, pois passaram a ser de alumínio. Os pescadores se profissionalizaram e começaram a se preocupar com itens como botas e capas para evitar problemas de saúde. Além disso, já não é mais necessário produzir as redes para a pesca. Elas podem ser adquiridas prontas. “Hoje temos que suar mesmo é para conseguir pegar peixe. Antes a gente pescava até 200 quilos por dia e agora não passa dos 50 quilos”, afirma o pescador.

Apesar das facilidades conquistadas com o tempo, a atividade não é trabalho fácil, como sugere o ditado popular que indica a pescaria para quem está nervoso e precisando relaxar. O tipo de pesca praticado pelos profissionais das margens da Billings é o de espera. Geralmente, as redes são armadas no fim do dia e a retirada dos peixes acontece na manhã seguinte. “São cerca de seis horas de trabalho, desde a remoção dos cardumes da água até a limpeza do produto para que seja embalado e armazenado para a venda”, comenta Fernandes. O quilo é vendido, em média, por R$ 10. Entre os peixes mais comuns estão tilápia, traíra, carpa e bagre.

Desde 2008, os pescadores que residem às margens da Billings passaram a se organizar em forma de colônia. O grupo é denominado Capatazia São Bernardo e corresponde a um braço da colônia Z-1, localizada no Litoral e que conta com 10 mil associados. A sede de São Bernardo tem atualmente 380 membros.

A líder do grupo, chamada de capataz, é uma das sete mulheres pescadoras habilitadas pela Marinha da colônia, Vanderléia Rochumback Dias, 46, conhecida como Léa. A ideia de organizar e profissionalizar os pescadores da Billings começou como trabalho voluntário, num quartinho improvisado, e aos poucos foi crescendo, orgulha-se Léa. “A gente faz todo o trabalho burocrático para os pescadores, desde orientação sobre os direitos e deveres em reuniões mensais até acompanhamento de processos para retirada e manuntenção dos documentos exigidos”, comenta.

A moradora do bairro Riacho Grande, em São Bernardo, também herdou a profissão da família, no seu caso dos avós. “Até os 4 anos morei num barco com meus pais e avós. A água faz parte da minha vida”, diz. E se depender da sua vontade e da filha, a também pescadora Gisele Gava, 27, a tradição familiar será mantida por mais gerações. “A gente costuma pescar juntas e ela me ajuda aqui na colônia”, diz Léa.

Para os pescadores, a profissionalização também representa a chegada de direitos que até então não eram possíveis. “Hoje a gente já consegue abrir conta em banco e crediário, ou ainda financiar um barco”, revela Fernandes. Outro benefício garantido por lei é o recebimento de um salário mínimo (R$ 724) de seguro desemprego durante os meses de desova (de novembro a fevereiro), quando os profissionais não podem pescar.

Continuidade da profissão preocupa

A incerteza sobre a manutenção dos peixes na represa já é fonte de preocupação dos pescadores da colônia localizada às margens da Billings. “Não sabemos por quanto tempo mais vamos conseguir nos manter nessa profissão, por isso, a necessidade de pensar em outras alternativas”, observa o pescador Adilson Soares Fernandes.

Um dos projetos idealizados pelos pescadores, mas barrado pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), é a instalação de 40 tanques-rede para a criação de peixes na represa. “Seria uma maneira de garantir a reprodução dos peixes e a continuidade da pesca”, destaca a capataz da Colônia capatazia Z-1, Vanderléia Rochumback Dias.

A pescadora salienta ainda que o trabalho dos pescadores da colônia poderia ser melhorado com a criação de unidade de processamento no Riacho Grande. Segundo Léa, trata-se de espaço adequado para que os pescadores deixem o resultado da pesca para que outra pessoa faça a limpeza do pescado. “Esse processo traria mais qualidade ao nosso produto, além de padronizar a atividade”, explica.

Outra dificuldade observada está no processo de venda do material. Isso porque cada trabalhador é responsável pelo repasse de seu material de forma individualizada. “Temos nossos compradores espalhados pelo próprio Riacho Grande, pela região e também interior do Estado”, afirma Léa.
Para lucrar, o pescador precisa migrar em busca do peixe. “O salário depende da vontade do pescador em trabalhar, das condições climáticas, da fase da lua. Tem época em que a gente sente mais dificuldade, mas nunca desiste”, completa Fernandes.

Com as dificuldades apresentadas, muitos pescadores já começam a buscar atividades paralelas, como o comércio, trabalho de caseiro de sítios e chácaras, entre outros. “Tem filhos que já não cogitam mais seguir os passos dos pais. Está cada vez mais difícil manter a tradição”, considera Léa.

Colônia de pescadores organiza 6ª festa temática

O que começou com o intuito de reunir a família dos 380 pescadores da Colônia Capatazia Z-1, há seis anos, tornou-se evento integrante do calendário de festejos da Prefeitura de São Bernardo. Hoje, são esperadas cerca de 1.500 pessoas para a tradicional Festa dos Pescadores, na altura do 5.930 da Estrada do Rio Acima, a partir das 13h.

Entre as atrações previstas estão a dupla pernambucana de embolada Caju & Castanha, além das duplas Pedro Paulo e Dito Costa, Rener e Robson e os grupos Sorriso Negro, Irmão do Samba e Violeiros da Paróquia São João Batista do Riacho Grande.

“Começamos com 150 pescadores para promover a aproximação das famílias que estão tão distantes, tendo em vista a extensão territorial da represa”, observa a capataz Vanderléia Rochumback Dias. Segundo ela, atualmente o evento tem a característica de atrair também a população de fora da cidade.

Toda infraestrutura da festa é de responsabilidade da Prefeitura, como iluminação, palco, tendas, som, segurança, atendimento médico e contratação das atrações. Já o cardápio ficou por conta dos moradores da colônia, observa Léa. “Teremos nosso tradicional espetinho de filé de tilápia com pimentão e cebola empanado feito por mim”, destaca. 




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