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A cada uma hora, um aluno abandona o Ensino Médio

Na região, 5.856 estudantes desistiram da escola antes de concluir os 200 dias letivos em 2016

Daniel Macário
Natália Fernandjes
30/10/2017 | 07:00
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Celso Luiz/DGABC


 “A sala era uma bagunça. Na época trabalhava e nem sempre chegava no horário. Acabei optando por largar”. Marcela Carvalho, 18 anos, integra o grupo de 5.856 estudantes que desistiram da escola e abandonaram o Ensino Médio no ano passado. O número representa 5,6% do total de matrículas da última etapa da Educação Básica em 2016 (que concentrava 103,7 mil alunos) e corresponde a um caso de desistência por hora entre as sete cidades.

O índice alarmante – parte do Censo Escolar do MEC (Ministério da Educação) de 2016 – leva em conta que a rede de ensino pública tem, conforme a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação – 9.394/96 – 200 dias letivos em um ano. Conforme a Lei 12.796/14, é obrigatória a frequência mínima de 320 do total de 800 horas/aula por ano.

O abandono escolar acontece quando o estudante deixa de frequentar as aulas durante o ano letivo, mas não perde o vínculo com o sistema educacional no próximo período, como acontece na evasão. Entre os principais motivos para que o fenômeno ocorra, destaque para a falta de estímulo, repetência, necessidade de trabalhar e problemas familiares.

“É uma situação que está associada ao insucesso do aluno. Temos uma escola que não se aproxima da cultura do jovem”, observa o professor do curso de Pedagogia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) e coordenador do Observatório da Educação do Grande ABC, Paulo Sérgio Garcia.

Embora os índices de abandono do Grande ABC sejam menores que os observados no País, a taxa já é pior do que a registrada no Estado de São Paulo (veja tabela acima). Em âmbito regional, o cenário ficou praticamente estagnado entre 2010 e 2016, quando houve queda de apenas 2,85% nos casos de desistência no Ensino Médio. Em 2010, 6.023 estudantes deixaram de frequentar uma das três etapas do conhecimento antes de concluí-las.<EM>

“Os professores têm dificuldade de lidar com os alunos, é preciso uma formação mais eficaz, bem como um olhar para as questões socioemocionais do jovem, trabalhar com as famílias”, ressalta Garcia.

Conforme o especialista, há relação direta entre os índices de reprovação e de abandono. Entre as sete cidades, em 2016, foram contabilizadas 22 mil repetências no Ensino Médio, o equivalente a 21% do total de matrículas. A decisão de Marcela, inclusive, foi motivada pelo desânimo causado após ter reprovado o 1º ano duas vezes consecutivas. “Acho que volto no ano que vem”, avalia a jovem.

PREOCUPAÇÃO
Em todo o País, a cada ano, quase 3 milhões de jovens abandonam a escola, aponta o estudo Políticas Públicas para Redução do Abandono e Evasão Escolar de Jovens, elaborado pelo Insper (Ensino Superior em Negócios, Direito e Engenharia). Embora não haja ‘receita de bolo’ capaz de resolver o problema, há caminhos para se mudar a situação, acredita o professor do programa de pós-graduação da Universidade Metodista Roger Marchesini. Além de considerar necessária a criação de políticas públicas capazes de ampliar a expectativa de empregabilidade entre os jovens, o especialista destaca a obrigação de se estabelecer o diálogo dentro da unidade de ensino. “É algo simples, mas complexo. A escola é uma instituição social e deve exercer essa função”, diz. Caso contrário, a tendência é de que o fenômeno se acentue, tendo em vista o “agravamento da crise econômica somado ao acesso à informação”.

Primeiro emprego motivou desistência
A conquista do tão desejado primeiro emprego tinha tudo para mudar para melhor a vida do adolescente Gustavo Oliveira, 17 anos. Mas não mudou. Com dificuldades para conciliar a carga horária de trabalho de oito horas em uma oficina mecânica com os estudos, ele se viu obrigado a abandonar o Ensino Médio antes de completar o 2º ano.

“Demorava duas horas para chegar na escola quando saia do trabalho. Perdia praticamente todos os dias a primeira aula, até que um dia a diretora chegou em mim e disse que nem adiantava ir mais, pois repetiria”, desabafa o morador da Vila Carminha, em São Bernardo.

Segundo ele, a decisão de abandonar os estudos foi motivada também pelo baixo rendimento em algumas matérias. “Em Matemática mesmo as notas estavam muito baixas. Como perdia as aulas, estava difícil de acompanhar.”

Embora a decisão não tenha sido bem recebida pela família, Oliveira diz não ter enxergado outras alternativas. “Não chegava atrasado por má vontade, mas ninguém quis entender minha situação. Senti falta de a direção flexibilizar essa questão do horário.”

Motivado pelo sonho de cursar faculdade de Biologia Molecular, o jovem se vê decidido a retomar o Ensino Médio. “Vou abandonar o emprego para voltar a estudar. No fundo, meu sonho falou mais alto.”

DESÂNIMO
Conflitos familiares e as notas baixas foram determinantes para que Nicole Souza, 19, deixasse de frequentar o 2º ano do Ensino Médio. “Estava desanimada com tudo. As coisas em casa não estavam legais e a sala de aula era uma bagunça. Ninguém da escola quis saber o motivo pelo qual parei. Sou só mais um número. Vou voltar a estudar, mas só se for supletivo”, afirma a também moradora de São Bernardo.

Especialista alerta para a possibilidade de adolescente estar em situação de risco
“São números impactantes e indicam a precariedade da Educação pública, que tem gerado exclusão de parcela significativa das crianças e adolescentes. Devemos ressaltar que o abandono escolar é o primeiro sinal de que o aluno pode estar, na verdade, em situação de risco”, destaca o coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves.

Para o especialista, as unidades de ensino deveriam ter equipes técnicas multidisciplinares, com psicólogos e assistentes sociais, com a finalidade de diagnosticar os abandonos e atuarem pelo retorno desses jovens para as escolas em parceria com os serviços de assistência social, conselhos tutelares e famílias.

DESAFIO
A tarefa de valorizar o Ensino Médio para que não seja enxergado pelos adolescentes como ‘ponte para o nada’ é o principal desafio da Secretaria Estadual da Educação, ressalta a gerente regional de ensino de Santo André, Ariane Butrico. “Temos várias políticas públicas neste sentido, mas é um processo lento e que fica mais complicado a cada ano”, diz.

Uma das ações é a campanha Quem Falta Faz Falta, destinada a identificar os motivos da ausência do aluno e também comunicar os responsáveis e outros órgãos, entre eles Conselho Tutelar e Vara da Infância sobre o problema. “É feita ainda uma busca ativa contínua para localizar esse jovem e convencê-lo a retomar os estudos, mesmo que seja em outro local”, ressalta Ariane.




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