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Literatura na África em nossa língua
Por Ricardo Lísias
Especial para o Diário
22/08/2007 | 07:01
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A relação entre a literatura brasileira e as literaturas praticadas nos países africanos de língua portuguesa será o tema do segundo encontro dos Seminários Avançados sobre as literaturas africanas de língua portuguesa, no próximo sábado (25). O evento, com entrada franca, é realizado na Casa da palavra (tel.: 4992-7218), em Santo André.

De fato, mesmo antes das lutas de independência, o Brasil sempre foi considerado uma espécie de nação amiga dos povos africanos, muito provavelmente por causa da enorme quantidade de descendentes de africanos que vivem aqui.

Além disso, não é preciso ir muito longe para observar que o sincretismo cultural é muito mais intenso entre nós do que em Portugal. No caso, também, o Brasil nunca viveu nenhum tipo de confronto com os países africanos, como é o caso de Portugal, que protagonizou, por exemplo em Angola, uma violentíssima guerra contra a libertação do território.

A poesia africana, em boa parte, é constituída pela forte presença do elemento oral, o que a aproxima do momento heróico do modernismo brasileiro. Sem a menor sombra de dúvida, Manuel Bandeira foi uma leitura fundamental para os poetas de Angola e Moçambique.

É preciso, no entanto, não exagerar na dose e observar que a lírica africana de língua portuguesa adota a mistura de idiomas, fazendo o português conviver com dialetos locais, fortalecendo assim a imagem de que a língua portuguesa não é a única forma de expressão legítima na África.

Ainda que o nosso modernismo, bem mais comedidamente, tenha lançado mão, por exemplo, de certo vocabulário de natureza indígena, a motivação era outra.

O choque com o elemento estrangeiro está muito presente tanto na poesia do modernismo brasileiro quanto na lírica africana. No entanto, as maneiras de tratar o atrito são muito diferentes: aqui, inclusive como programa estético, o estrangeiro servia para deglutição e rearranjo no meio local; para a poesia africana, ele é ameaçador e agente de deformação.

O ritmo ágil, no entanto, cheio de coloquialidade e versos brancos e livres que esteve tão presente nas diversas fases da poesia brasileira a partir do modernismo é muito visível também na África. Por sua vez, a reflexão política é uma constante na poesia africana, coisa que nem de longe ocorre no Brasil, acostumado que é a aceitar todo tipo de manifestação na literatura, menos a de raiz política.

Os Seminários Avançados sobre a Literatura Universal Contemporânea são uma iniciativa conjunta da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer de Santo André, da Escola Livre de Literatura, do Centro Universitário Fundação Santo André e da Casa da Palavra, com apoio do Diário.

Iniciados em agosto de 2005, já ultrapassam 4.000 participantes. Os textos de orientação, publicados no jornal impresso, permanecem disponíveis para consulta no site.

Ricardo Lísias, 31 anos, é mestre em Literatura e História pela Unicamp e doutor em Literatura Brasileira pela USP. É escritor, ensaísta e professor. Escreveu, entre outros títulos, Dos Nervos (Hedras, 2004), Duas Pracas (Globo, 2005) e Anna O. e suas Histórias (Globo, 2007).



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