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Falando sobre a Portaria 31

Não que eu queira ser chato, muito menos ingrato...

Por Carlos Ferrari
15/02/2012 | 00:00
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Não que eu queira ser chato, muito menos ingrato, até porque o tema que trago para este espaço não é passível de gratidão, mas sim de políticas públicas afirmativas, republicanas e civilizatórias. Cabe, antes de iniciar as críticas, cumprimentar a presidente Dilma por capitanear tal iniciativa, trazendo para o debate a necessidade de aquisição de recursos de tecnologias assistivas, e para além disso, sinalizando para a sociedade civil a condição efetiva das pessoas com deficiência enquanto público consumidor.

A referida portaria trata da regulamentação de microcrédito para aquisição de bens e serviços de tecnologias assistivas, ou seja, recursos que permitam às pessoas com qualquer tipo de deficiência alternativas para vencer suas limitações e assim poderem ter melhor desempenho nos mais diversos espaços de convívio social. Alguns exemplos do que podem ser essas tecnologias são cadeiras de rodas, softwares, leitores de telas, lupas, dentre outros. 

A portaria traz logo em seu primeiro artigo o reforço a uma lógica perversa que vincula direitos conquistados pelas pessoas com deficiência a um recorte de renda. Sabe-se lá com qual fundamentação algum gênio da lâmpada definiu por dizer no texto que só poderão ter acesso ao crédito aqueles com renda até dez salários-mínimos. O tal burocrata deve imaginar que, a partir daí, a pessoa pode voltar a andar, ver, falar e escutar.

Essa confusão, mais do que promover uma injustiça por não contemplar todas as demandas do segmento, promove um falso entendimento social de que direitos estão vinculados a determinada condição econômica. A deficiência deve ser compreendida como uma condição humana, e as políticas para tal público devem ser pensadas a partir das vulnerabilidades oriundas das limitações físicas, sensoriais, múltiplas e/ou intelectuais.

A portaria também desconsidera o dinamismo necessário quando o assunto são recursos de tecnologias assistivas. Assim, traz uma lista de bens e serviços passíveis de compra pelo tal microcrédito, pensada sem qualquer debate anterior com os movimentos de luta ou com o Conade (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência).

Vejam no que isso resulta: a lista engessada, renovável só daqui há 12 meses, e preparada em algum gabinete permite ao usuário comprar um leitor de tela, mas não fala diretamente da possibilidade de se comprar um computador onde ele seria instalado. O telefone celular, ferramenta essencial para autonomia da pessoa cega, pois permite o uso de tecnologias como GPS, identificadores de cores, scaneamento de textos e código de barras, dentre outras possibilidades, também não aparece na tal lista do pode e não pode. 

Quero mais uma vez reforçar minha alegria por termos uma presidente com sensibilidade para pôr em curso uma ação como essa. Não podemos, porém, deixar de manifestar indignação diante da perda de oportunidade de se fazer de fato uma portaria coerente com as necessidades de quem dela necessita.




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