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Saúde mental combate preconceito

Estigmas relacionados a quadros de loucura e depressão atrapalham tratamentos, alertam especialistas; pacientes buscam reinserção social

Por Aline Melo
do Diário do Grande ABC
19/05/2019 | 07:05
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André Henriques/DGABC


“Estou em tratamento há dez anos. No passado, eu já costurava, mas fui deixando de fazer aos poucos. Aqui, voltei a aprender. Foi difícil começar, mas temos um grupo de gerenciamento de autonomia que nos incentiva. Estar concentrada no artesanato, nas coisas que tenho que fazer, ajuda a gente a relaxar e seguir em frente.” O relato feito pela dona de casa Monica Aparecida Barroso, 56 anos, mostra um pouco da superação que ela busca vivenciar, dia a dia, na luta contra os transtornos mentais.

“Hoje, um dos focos é trabalhar na superação do estigma, do preconceito que essas pessoas enfrentam, e que, muitas vezes, retarda a procura por tratamento”, ponderou a coordenadora de saúde mental de São Caetano, Flávia Ismael.

Em São Caetano, Monica faz parte do grupo de 60 pessoas do Incluarte, projeto desenvolvido inicialmente pelo Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas) do município, que criou núcleo de economia solidária para os usuários do serviço. Panos de prato decorados, bolsas, bichos de pelúcia, assim como gêneros alimentícios, compõem a cartela de produtos que são feitos, vendidos, custeiam os materiais e garantem, mais do que lucro aos participantes, o resgate da autonomia e da reinserção social. Indiretamente, 250 pessoas são beneficiadas.

“São eles quem colocam o preço, definem o quanto vai ficar para quem produz, o quanto vai ficar para o capital do projeto. Tudo isso contribui para o tratamento”, explicou Flávia. Até 21 de maio, a cidade realiza a Semana da Saúde Mental, em referência ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial, celebrado ontem. “A Semana da Saúde Mental joga luz em assuntos estigmatizados pela sociedade. Hoje, os transtornos psiquiátricos são um problema sério de saúde pública. Por isso, é fundamental atuarmos no cuidado e na prevenção”, completou a coordenadora.

Flávia destacou que essas iniciativas buscam mostrar o trabalho que é realizado nos serviços de saúde mental, tendo como foco as potencialidades dos usuários, e não as suas limitações. “Como neste projeto de economia solidária, onde eles se organizam, ganham o dinheiro, com impacto importante na autoestima e potencial de promover a inserção deles na sociedade”, pontuou.

Além dos atendimentos no Caps e Caps AD, para casos médios e graves, a atenção básica, por meio das equipes de Saúde da Família, também prestam apoio para os casos leves. No município, são feitos cerca de 4.000 atendimentos ao mês no Caps, e outros 1.000 no Caps AD – para crianças e adolescentes, são cerca de 1.000 ao mês.

Na região, mais de 200 vivem em residências terapêuticas

As residências terapêuticas foram uma das respostas do SUS (Sistema Único de Saúde) ao fechamento de hospitais psiquiátricos. Atualmente, Santo André conta com sete equipamentos, onde vivem 51 pessoas. Em Diadema, são 13 moradores. São Caetano não conta com residências terapêuticas. As outras cidades não responderam, mas levantamento feito há um ano pelo Diário indicava 80 moradores em São Bernardo, 20 em Mauá e 46 em Ribeirão Pires.

Santo André conta com três Caps (Centro de Atenção Psicossocial) Adulto e um Caps AD (Álcool e Drogas), de funcionamento 24 horas e com leitos para acolhimento integral (internação) de usuários em sofrimento psíquico grave seja por algum transtorno mental ou uso de drogas. São realizadas cerca de 12 mil ações de acolhimento e atendimento por mês, nos serviços especializados em saúde mental da rede, que incluem atendimento em oficinas terapêuticas, entre outros serviços.

Em São Caetano, o Caps e o Caps AD realizam cerca de 4.000 atendimentos, além do pronto socorro psiquiátrico e de equipe específica na unidade de saúde da criança. O município oferece grupos de meditação, dança circular, além de reiki como aliados dos tratamentos convencionais.

Diadema conta com três Caps adultos, um Caps AD e um infanto-juvenil, que acompanham cerca de 2.000 pessoas. Em 2018, foram 1.580 acolhimentos no Caps 24 horas. Este ano, já foram 665 atendimentos no serviço. A maioria dos casos se refere à dependência química. As outras cidades não responderam até o fechamento desta edição.

Profissionais aguardam mais definição sobre mudanças
O governo federal anunciou, recentemente, mudanças na política nacional de saúde mental. Entre as alterações está a inclusão dos hospitais psiquiátricos nas redes de atenção psicossocial; financiamento para compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia, mais conhecidos como eletrochoque; possibilidade de internação de crianças e adolescentes e abstinência como uma das opções da política de atenção às drogas.

Para a coordenadora de saúde mental de São Caetano, Flávia Ismael, é preciso não dar espaço para lutas ideológicas, em detrimento das questões técnicas. “Entendo que estamos hoje caminhando para um cenário de menos polarização e mais luz nas ciências”, afirmou. A coordenadora defendeu que haja a interrupção no fechamento de leitos psiquiátricos, sem que isso signifique a retomada do antigo modelo de manicômios. “Existe o paciente que vai precisar de uma internação. Que ela seja feita em um hospital geral, com atendimento humanizado e multidisciplinar”, ponderou. “Os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) não dão conta dos casos agudos”, concluiu.

Psiquiatra e neurocientista, Diogo Lara destacou que aos fechamentos de hospitais, não foram construídas soluções para os casos mais graves. “É preciso atendimentos de emergências, como quando há uma tentativa de suicídio, e nesses casos antes do atendimento ambulatorial, será necessária a internação”, defendeu. “Não se defende mais o isolamento e sim a integração, mas em alguns casos, a institucionalização visa a proteção do paciente e de sua família”, completou.
<EM>Lara apontou que o surgimento de medicamentos eficazes para casos leves a moderados, como depressão e ansiedade, aliados ao maior acesso a terapias, até mesmo pelo uso de tecnologias, como aplicativos de meditação, estão promovendo uma revolução na forma como as pessoas têm acesso aos tratamentos de transtornos mentais.

O psicólogo Roberto Debski avaliou que as mudanças ainda não estão definidas, e que mesmo as questões mais controversas, ainda precisam ser melhor definidas. “As leis e os protocolos podem e devem ser atualizadas, mas sempre em benefício dos pacientes”, pontuou. Debski lembrou que apesar de diversas iniciativas previstas no SUS (Sistema Único de Saúde), como hospitais dia e residências terapêuticas, em muitos lugares a oferta de serviços é insuficiente. “Serviços que funcionam apenas durante a semana, como Caps, colocam a necessidade de leitos psiquiátricos”, justificou.
 




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