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Mercantilização prejudica o ensino superior

Expansão da rede privada, em especial por grandes grupos, coloca em risco a atuação de instituições tradicionais e põe qualidade em segundo plano

Por Aline Melo
Diário do Grande ABC
12/05/2019 | 08:20
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Arquivo/Agência Brasil


A educação superior no Brasil viveu períodos de expansão do ensino privado na época da ditadura militar, na década de 1990, e, mais recentemente, no período de 2002 a 2015, durante os governos petistas. Esse avanço, mais fortemente o último, resultou na mercantilização do ensino universitário, conforme especialistas. Na região, o processo, que coincide com a chegada de grandes conglomerados educacionais – Kroton (Anhanguera), Estácio, Unip, Uninove e Anima (São Judas) –, alguns deles financiados por grupos de investidores, inclusive com ações em bolsas de Valores, tem impactado instituições tradicionais, como é o caso da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo, e FSA (Fundação Santo André), em Santo André.

As duas instituições de ensino superior do Grande ABC vivem momentos de crise. Com atrasos de salários e demissão de professores, a Metodista e a FSA têm colecionado problemas com sindicatos, que cobram direitos de professores e funcionários, e alunos, que reclamam da queda da qualidade. Na avaliação do professor do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da UFG (Universidade Federal de Goiás), Nelson Cardoso do Amaral, “quando a educação vira mercadoria, temos resultados bons e ruins, instituições sérias e outras nem tanto”. O docente ressalta que, entre as instituições privadas, há que se reconhecer o bom trabalho feito pelas católicas e outras confessionais, comunitárias, e organizações de mais tradição. Por outro lado, os principais problemas em relação à qualidade do ensino superior estão em grandes grupos que, segundo ele, se estruturam em dois pilares: a dificuldade das famílias em manter o pagamento das mensalidades e a percepção de que oferecer subsídio público para financiar a educação superior particular tem apelo político.

A diferença de valores de mensalidades dos mesmos cursos oferecidos por elas é grande. Por exemplo, Administração presencial no período noturno, que custa R$ 980 na Metodista, sai por R$ 760 na FSA, R$ 660,31 na Unip e R$ 480 na Uninove – metade do preço da Metodista. Pesam na disparidade questões como infraestrutura, tradição e qualidade do corpo docente.
“Isso se estrutura na nossa desigualdade social. Neste contexto, foram criados programas como o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e o Prouni (Programa Universidade para Todos). Os empresários sabem que é um recurso garantido e, ano a ano, entram pesado nisso para se beneficiar de dinheiro público em negócio privado”, aponta Amaral.

Ele cita que, no País, 75% dos alunos de universidades estão em instituições particulares, enquanto apenas 25% estudam em faculdades públicas. “É um dos maiores índices do mundo”, declara. No Grande ABC, segundo levantamento parcial feito pelo Diário em abril, das 35 estabelecimentos de ensino superior, sete (20%) são públicas. Lembra, também, que, assim como houve o anúncio no corte de recursos para universidades federais – redução de 30% no orçamento para custeio das instituições –, são esperadas revisões em programas como Fies e Prouni. “Na busca por apoio político, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) aumentou, sem planejamento, essas iniciativas. Soltou dinheiro para empresários, chegou a bilhões em renúncias fiscais, mas o apoio político não veio. Agora, já começam a achar que tem muito dinheiro nesse setor”, avalia.

Apesar da expansão – inclusive de institutos federais, também nos dois primeiros governos petistas – o acesso ao ensino superior no Brasil é elitista. “Temos 17% dos jovens de 18 a 24 anos em universidades. Até 15%, segundo parâmetros iternacionais, o ensino superior é elitista. Em 2008 ultrapassamos essa marca, mas voltamos a esse patamar. Quando chegarmos a 30%, poderemos dizer que massificou.

A meta do Brasil é ter 33% em 2024, segundo o PNE (Plano Nacional de Educação). Mas o atual cenário não é animador”, ressalta Amaral.
Suas perspectivas são desanimadoras ao avaliar que o ensino superior no Brasil está à beira de desastre. “Nas federais, em setembro não haverá dinheiro para água e luz. Nas privadas, sem subsídio público, muitos grupos vão quebrar, ou, como alguns já vêm fazendo, vão criar seus próprios financiamentos, com juros mais altos e alunos e trabalhadores que vão se ver em dívidas longas”, pontua. Segundo ele, na necessidade de cortes, grupos privados sacrificam a qualidade do corpo docente. “Já há relatos de doutores que são obrigados a não apresentar o título, para receber salários de mestres ou de pós-graduados. O impacto na qualidade do ensino é imediato”, justifica. “Se não houver uma mudança de rumos, não vejo como sairemos disso.”

Gargalo está na educação básica, defende gestor

Criticar a qualidade do ensino superior privado em um contexto de altos índices de evasão do ensino médio e avanço do analfabetismo é um erro, avalia o vice-presidente do Universidade Brasil, Décio Correa Lima. O grupo tem 63 unidades pelo País e cinco no Grande ABC.

Para o gestor, é preciso que sejam alocados esforços e recursos para combater o abandono do ensino médio, mobilizando universidades públicas e privadas, com implementação de bolsas para incentivar o aluno a concluir o estudo, e também com a adoção de ensino à distância. “O ensino médio é grande gargalo da educação”, defende.

Para Lima, é preciso desmistificar a educação à distância, e na sua avaliação, mesmo adolescentes podem ter bons resultados com esse método. “Já dominam a funcionalidade de tablets, de smartphones. Com tutoria, com videoaulas, podem se beneficiar desse métodos, que é o futuro da educação”, completa, acrescentando que também é preciso melhorar a qualidade da internet no País. “Um esforço em várias frentes”, resume.

Sobre as críticas de que grandes grupos universitários priorizam o lucro, em detrimento da qualidade, Lima destaca que a avaliação do ensino superior no Brasil vai de 1 a 5 – conceito do Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) –, e que as instituições particulares consideradas de elite, que normalmente obtêm as melhores notas, assim como as públicas, já recebem alunos “bem formados, oriundos da rede privada”. “Quando a gente pega um aluno nota 2 ou 3, e o eleva para 3 e 4, já estamos cumprindo o nosso papel.Certamente esse estudante sai mais bem formado do que entrou na instituição.”

O vice-presidente afirma que o Grande ABC é uma região estratégica para o grupo, que contempla seu principal ponto de crescimento no atendimento ao aluno trabalhador. “Nosso foco é oferecer cursos de qualidade, com mensalidades que caibam no bolso dos trabalhadores, em condições de competir com outras instituições”, pontua. 




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