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Educação financeira se aprende na infância

Saber gerir recursos, que vão além do dinheiro,
é matéria em ao menos 10 escolas da região

Por Flavia Kurotori
Especial para o Diário
17/09/2017 | 07:02
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Nario Barbosa/DGABC


Em tempos de crise econômica, saber administrar as finanças torna-se essencial. Para se ter ideia, dados do SPC Brasil mostram que 40% dos consumidores do País classificam sua situação financeira como ruim, sendo que cerca de 59,1 milhões de pessoas estão inadimplentes. E, segundo especialistas, aprender a lidar com os recursos disponíveis na infância é peça-chave para uma vida adulta consciente.

O fundador da Academia do Dinheiro, Mauro Calil, afirma que a educação financeira nas escolas é importante, em um primeiro momento, para derrubar mitos que rodeiam o assunto e tratar o tema com naturalidade. “Quando a criança aprende a lidar com o dinheiro, ela desenvolve outras habilidades, como relacionamento, planejamento e matemática, além de torná-la uma pessoa mais segura”, aponta.

Hoje, no Grande ABC, pelo menos dez escolas já ensinam a disciplina. Os conceitos são introduzidos conforme as crianças amadurecem, e têm sido aplicados desde o início do processo de alfabetização. “Dos 3 aos 7 anos, (as crianças) já começam a formar comportamentos e hábitos, por isso já podemos começar a tratar do equilíbrio entre consumo e necessidade, assim como o caminho a ser percorrido para conquistar sonhos, como um brinquedo novo”, explica o diretor da Dsop Educação Financeira ABC, Edward Cláudio Júnior.

Posteriormente, o ensino pode se tornar interdisciplinar. “Em Matemática, o tema é abordado durante a aula de porcentagem. Já em História, nas aulas sobre as trocas de mercadorias que ocorriam no passado”, cita Cláudio Júnior.

Os irmãos Gabriel e Matheus da Costa Muniz, de 4 e 8 anos, respectivamente, têm aulas de educação financeira no Primeira Infância Escolar, em Santo André, e desde cedo aprendem a poupar para realizar sonhos a curto (três meses), médio (seis meses) e longo prazos (qualquer período superior a seis meses).

O desejo a longo prazo dos irmãos é uma viagem à Disney (Flórida, Estados Unidos). “Estou juntando para comprar um videogame (médio prazo – custa cerca de R$ 1.300) até o fim do ano. Eu tinha quase R$ 1.000, mas gastei com um rádio para o meu quarto e também com meu relógio”, conta o mais velho.

A mãe, Patrícia Muniz, 38, lembra que a iniciativa de adquirir o relógio veio após o antigo quebrar e, durante um passeio no shopping, o menino se interessou por um que custava R$ 330. “Eu disse para ele que não tínhamos como comprar naquele momento, então ele perguntou se podia adquirir com o próprio dinheiro. Ele dá muito valor (para o relógio) e cuida, por ter sido comprado com o dinheiro dele”. De acordo com ela, o filho tornou-se mais consciente do valor do dinheiro após o início do ensino financeiro. “Ele está ficando pão-duro. Mas é bom para quando ele precisar contar algum troco ou, no futuro, negociar alguma compra”, avalia.

No Ensino Médio, momento em que os jovens estão prestes a entrar no mercado de trabalho, é preciso aprender a administrar a renda. “Lidar com cartão de crédito, conta-corrente, juros e, até mesmo, como aplicar os valores para realizar sonhos”, pontua Cláudio Júnior.

No Centro Educacional Paineira, na mesma cidade, os alunos de 8 anos do 3º ano do Ensino Fundamental Gustavo Vitoreti dos Santos e Gabriela Nunes da Costa Monteiro contam que aprendem a administrar as finanças durante as aulas de culinária gourmet. “Nós fizemos algumas pizzas com muçarela, presunto, azeitona e tomate. Aprendemos que cada fatia (dos frios) pesa 20 gramas”, conta a menina. “Já um disco da massa custa R$ 4, e o kit com dez, R$ 20”, completa o garoto, que observou a economia ao comprar em quantidades maiores.

Diego de Oliveira Domingues, 8, afirma que colabora para economizar nas contas de casa. “Tomo banho rápido e apago a luz quando saio do quarto. Eu também cobro meu irmão mais velho para fazer essas coisas”, ressalta. O pai, Eduardo Domingues, 45, confirma as ações do garoto e acredita que tanto os pais quanto a escola colaboram para desenvolver a consciência das crianças. “Tentamos levá-los para fazer as compras juntos e incentivamos a pesquisarem melhores preços”, exemplifica.

MESADA - “A semanada ou mesada a partir dos 7 anos é boa porque ensina a criança administrar o próprio dinheiro”, atesta Cláudio Júnior. O ideal é iniciar com valores menores, semanalmente e, com o tempo, aumentar a quantia e pagá-la uma vez por mês, além de estimular que cerca de 30% do valor seja poupado. “Quando o dinheiro do filho acabar, o ideal é que os pais não antecipem. Ela (a criança) deve aprender a economizar para durar”, complementa.

A quantia paga varia de acordo com a condição financeira familiar. No entanto, Calil sugere que seja feito o cálculo segundo as necessidades da criança. “Se ela gasta R$ 5 por dia com lanche, ou seja, R$ 25 na semana, os pais podem dar R$ 30 e incentivar que o excedente seja guardado”, exemplifica. Outra maneira apontada pelo educador da Dsop é a economia. “Incentivar que as crianças economizem água e luz, por exemplo, e combinar que metade do valor economizado será sua mesada.”

Matheus ganha cerca de R$ 50 de mesada há pouco mais de um ano. Ao ver o irmão receber a quantia, Gabriel também quis o próprio dinheiro, então os pais decidiram negociar e pagar R$ 2 por noite que o garoto dormir em sua própria cama. Entretanto, na opinião do educador da Dsop, ações vistas como obrigações devem ser valorizadas, porém não financeiramente.


Finanças e tecnologia são aliadas

A diretora da Aesp (Associação das Escolas Particulares do ABCDM), Oswana Maria Fernandes Fameli, afirma que praticamente 100% das escolas da região já introduzem algum tipo de educação financeira, como valores monetários nas aulas de Matemática e a criação de minimercados, confeccionados com embalagens reutilizadas. “Um desempenha a função de caixa, outro de repositor, e assim por diante. Ele criam um dinheiro próprio e aprendem a praticar o consumo consciente”, diz.

Os alunos do Ensino Fundamental 2 (de 6º a 9º ano) no Centro Educacional Paineira utilizam a tecnologia para desenvolver autonomia e independência financeiras, como o protótipo de uma bengala inteligente para deficientes visuais. “Ela é muito mais acessível do que um cão-guia, pois, além de ter poucos deles, eles são muito caros”, explica o estudante Gustavo Pontes Souza, 14 anos. O custo para produzir o objeto giraria em torno de R$ 1.000, enquanto que o do animal é de R$ 25 mil.

Na avaliação de Oswana, aulas como estas preparam os alunos para o mercado de trabalho do futuro, assim como instigam o empreendedorismo nos jovens.

PESQUISA - De acordo com levantamento feito pela Dsop Educação Financeira com pais de estudantes, 81% daqueles cujos filhos possuem aulas de educação financeira gastam parte do que recebem e poupam o valor remanescente. Já entre os jovens que não têm contato com a disciplina, apenas 11% não gastam todo a quantia.

Quanto à mesada, 97% dos responsáveis por crianças educadas financeiramente a consideram uma ferramenta, contra 56% dos que não têm disciplina. Já em relação à reação dos estudantes quando os pais negam alguma compra por falta de recursos, 58% daqueles cujos filhos estão aprendendo a administrar os recursos têm reação compreensiva, ante 12% do segundo grupo.
 




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