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Ridley Scott volta aos épicos com ‘Cruzada’
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
06/05/2005 | 12:02
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A moda agora são os épicos. Desde que Ridley Scott voltou com pompa ao gênero, ao realizar seu ambicioso Gladiador (2000), vieram na esteira Rei Arthur, Tróia e Alexandre. Por coincidência (ou não), esses filmes são obras de diretores – Antoine Fuqua, Wolfgang Petersen e Oliver Stone, respectivamente – que pregam o cinema gritante, que cause impressão por meio de imagens impactantes em prejuízo do real desenvolvimento estético ou narrativo do filme. Ridley Scott tem se alinhado a essa turma e reitera sua posição com o novo Cruzada, mais um épico em seu currículo, que estréia nesta sexta-feira em 11 salas do Grande ABC.

O cineasta consumiu US$ 130 milhões, empregou milhares de figurantes e mais uma batelada de algarismos que tanto bem fazem para a campanha de marketing de Cruzada. Para o filme em si, enquanto produto artístico, são fatos menos relevantes.

O filme retrocede até 1184, em meio às cruzadas cristãs que pretendiam anexar Jerusalém, a terra santa. Em sua condição de peça mitológica, a fita de Scott se escora na figura do herói, ora representado pelo ferreiro Balian (Orlando Bloom). O pai que ele até então desconhecia, o cavaleiro Godfrey de Ibelin (Liam Neeson), vai a seu encontro e o incumbe de auxiliar o rei Balduíno IV (Edward Norton, irreconhecível sob uma máscara) a manter a paz com Saladino (Ghassan Massoud), o líder muçulmano.

Temos aí uma implicação religiosa de alta complexidade? Errado. Scott inclina-se para um raciocínio pessoal a partir da história com H maiúsculo. Uma simplificação de causas e conseqüências que consegue aproximar Cruzada de um American Graffitti ou um Juventude Transviada, por exemplo.

Balian, um personagem histórico secundário, mas aqui alçado a protagonista, parece mais apto a freqüentar filmes adolescentes do que uma aventura de contexto medieval. É um jovem forasteiro, que chega a uma comunidade desconhecida, com tendência a repeli-lo; apaixona-se pela irmã do líder local, no caso a princesa Sybilla (Eva Green), que também é mulher de Guy de Lusignan (Marton Csokas), principal adversário político do rei e um facínora de marca maior.

Os subtextos políticos e religiosos desmancham-se sob a personalização dos conflitos. Ou seja, as cruzadas e seus efeitos são conduzidos para um plano de rivalidades e afinidades pessoais, como se estivéssemos diante de uma briga de gangues pelo controle do subúrbio ou pelo amor da rainha do baile. São poucos os momentos dignos de destaque, como a resposta de Saladino sobre o que representa Jerusalém, numa comunicação direta aos dias de hoje: “Nada” e “Tudo”.

Cruzada divide-se em dois: seu início, em que essas relações de amor e ódio são toscamente tramadas em meio a imagens de forte apelo visual, mas insignificantes no conjunto; e seu fim, com as batalhas monumentais pelo controle do “reino dos céus”. Ridley Scott confirma, em coro com Stone e Petersen, que a opção pelo épico configura-se hoje como instrumento de consolidação da mediocridade artística e da acomodação criativa, justificadas pelo arsenal visual vastíssimo que a tecnologia lhes assegura. Enfim, os altos orçamentos desse gênero não têm outra função senão corroborar o status quo de cineastas que vivem mais do nome que do empenho em ousar e problematizar a linguagem em que operam. E Ridley Scott, já faz tempo, está entre eles.



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