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Região falha no combate ao trabalho infantojuvenil

Mapeamento regional sobre o problema depende de parcerias para ser efetivado no Consórcio

Por Vanessa de Oliveira
17/06/2018 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


 Mapeamento do trabalho infantojuvenil na região, proposto há um ano pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e tido como instrumento chave para enfrentamento do problema, permanece no campo das ideias. Em consequência, a presença de crianças e adolescentes pelas ruas da região exercendo algum tipo de serviço em troca de moedas continua sendo realidade.

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) conceitua trabalho infantojuvenil as atividades realizadas por menores com idade inferior a 16 anos, a não ser na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.O problema desperta atenção entre as sete cidades. Em São Bernardo, por exemplo, o serviço de abordagem Social flagrou, nos primeiros cinco meses do ano, 89 crianças e adolescentes em situação de trabalho. Em 2016, foram 180 casos e, em 2017, 189.

No MPT (Ministério Público do Trabalho), em 2016, foram recebidas 28 denúncias relacionadas à região, além de 27 no ano passado e, até maio deste ano, dez. Os números, no entanto, estão subnotificados, salienta o procurador do órgão, Ricardo Nino Ballarini. “O que chega é só uma ponta do iceberg, porque há denúncias que vão direto para o Conselho Tutelar ou para o serviço de Assistência Social.”

Seminário realizado pelo Consórcio em junho de 2017 – mês marcado pela discussão do combate ao trabalho infantil – tinha o objetivo de unificar estratégias de ação entre as prefeituras. No entanto, apesar de ressaltar que “o mapeamento é fundamental para estruturar as políticas públicas”, a coordenadora do GT (Grupo de Trabalho) Criança e Adolescente da entidade regional e representante de São Caetano, Stefanie Bueno, declarou que o colegiado busca parcerias e recursos para a realização do diagnóstico.

“A questão do trabalho infantil requer a integralização das políticas públicas, especialmente em Educação, Saúde, Cultura, Esporte e lazer. O Consórcio tem fomentado a qualificação dos atores envolvidos com essa demanda e o diálogo entre as diversas instâncias, objetivando que os serviços públicos e a sociedade possam desenvolver trabalhos de forma articulada e efetiva”, fala Stefanie.

REALIDADE
O adolescente C.E.S., 14 anos, deixou a mãe, na Bahia, para morar com amigo dela, no Parque São Rafael, divisa com Santo André, na Capital. Os dois ganham a vida com a venda de balas nos faróis. Para realizar o desejo de comprar uma moto – mesmo ainda não tendo idade para isso –, aderiu à venda do produto pelas vias públicas andreenses. “Na Bahia, fiquei um mês trabalhando, cuidando de animais na roça. Ganhei R$ 150 e vim para cá, pois lá não dá nada”, diz o aluno do 4º ano do Ensino Fundamental.

J.S., 16, também começou a trabalhar vendendo balas, aos 8. No entanto, há três anos ele se dedica aos malabares, feito com três limões quando o trânsito para, em São Bernardo. Morador do Riacho Grande, conta que arrecada até R$ 100 por dia. “Compro roupa, corto o cabelo e ajudo a minha mãe, que é diarista”, comenta o jovem, que tem cinco irmãos menores. O trabalho prejudicou os estudos de J.S. – está no 8º ano do Ensino Fundamental. “Não ia para a escola, porque ficava nos semáforos e porque não queria”, confessa. “Não estou aqui porque desejo. É porque preciso.”

Diagnóstico é o primeiro passo para enfrentar situação
Para especialistas ouvidos pelo Diário, mapear o trabalho infantojuvenil e suas raízes é fator fundamental para avançar na resolução do problema. “O diagnóstico é o ponto de partida. Identificar quais são essas crianças e adolescentes, se estão na escola, o trabalho das famílias, para, a partir disso, implementar as políticas públicas”, ressaltou o procurador do Ministério Público do Trabalho, Ricardo Nino Ballarini.

A socióloga e especialista na área da Infância e da Juventude Graça Gadelha, salientou que o diagnóstico deve estar entre as prioridades de investimentos. “Quando as cidades vão elaborar seus orçamentos, que consignem ações para que serviços atuem de forma integrada, e a questão do diagnóstico, pois só ele dará a dimensão e a complexidade desse problema.”

Em Santo André, a Prefeitura informou que realizou licitação para elaboração de diagnóstico do trabalho infantil no município, “o qual terá início nas próximas semanas”. A ausência de ações de enfrentamento levam a círculo vicioso, destacou Ballarini. “Se tem família de baixa renda com trabalho informal, a criança e o adolescente serão obrigados a trabalhar, senão, não têm o que comer. Consequentemente ou sairão da escola ou os rendimentos ficarão prejudicados”, pontuou. “Sem escolaridade, não terão qualificação profissional e vão conseguir trabalho em situações precárias e, aí, os filhos dessas pessoas vão precisar ajudar as famílias. É um ciclo que só se consegue romper se retirá-los dessa situação de trabalho”, continuou. Para o coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), Ariel de Castro Alves, “precisam ser ampliados os programas de escola em tempo integral, de erradicação do trabalho infantil e de abordagens sociais nas ruas”.

Programa repassa recursos para ações estratégicas de enfrentamento
O Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), do governo federal, encaminha às cidades parceiras recursos para ações contra o trabalho infantil. Em Santo André, a adesão possibilitou a contratação de empresa para facilitar o processo de oficinas com crianças e suas famílias, para discussão do problema. “Haverá formação para alcançar até 140 profissionais da rede”, disse a Prefeitura.

Em São Bernardo, que recebe R$ 8.800 mensais, dentre as ações, foram sensibilizados 157 profissionais que atuam nos serviços referenciados, para tratamento da questão. A Prefeitura de São Caetano disse que o Peti está em fase de estudos para implantação. Já Mauá centraliza os atendimentos de assistência e apoio às famílias no Centro de Referência Especializado de Assistência Social Vila Bocaina. As demais cidades não responderam.




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