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Por semana, 11 abortos são feitos na região
Por Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
15/04/2007 | 07:22
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Enquanto o tema provoca debates acalorados, a realidade se impõe. Os números falam de um cotidiano anônimo e solitário. Em 2006, cerca de 2,7 mil internações na rede pública do Grande ABC tiveram como causa o abortamento. Oficialmente, a interrupção da gravidez sempre se dá de forma natural. Gestores de saúde, no entanto, dizem que, no mínimo, 20% das pacientes induziram a morte do feto. Em miúdos: por semana, pelo menos 11 mulheres da região fizeram aborto por conta própria. E continuam fazendo, já que os dados se mantêm estáveis nos últimos anos.

No Brasil, no ano passado, cerca de 236 mil gestantes foram internadas às pressas por abortamento, de acordo com o SUS (Sistema Único de Saúde). O próprio governo admite que o número de abortos é bem maior, já que nem todas as mulheres precisam se submeter à curetagem e tantas outras sequer procuram o serviço de saúde, por medo ou ignorância.

O Ministério da Saúde trabalha com a estimativa da OMS (Organização Mundial de Saúde): cerca de 31% das gestações no Brasil são interrompidas natural ou clandestinamente, o que representa algo em torno de 1 milhão de brasileiras.

Na região, seguindo a projeção da OMS, foram 5,6 mil abortos no ano passado, 15 por dia. Se sete foram internadas, onde estão as outras oito? É a cortina invisível de 2,9 mil mulheres o motivo da preocupação.

"Muitas resolvem o problema de forma caseira. Compram medicação no mercado negro e provocam contrações que expulsam o feto. Guardam segredo, com medo de serem descobertas pela família”, conta o coordenador do programa de Saúde da Mulher de São Bernardo, Rodolfo Strufaldi.

O especialista diz que as pacientes que optam pelo aborto só procuram atendimento quando o procedimento dá sinais de que falhou. A maioria jovens, com menos de 25 anos. “Há casos de grave infecção, dores e sangramento ininterrupto. Algumas chegam a precisar que o útero inteiro seja removido.”

Todos os profissionais ouvidos pela reportagem são unânimes ao tratar o aborto como questão de saúde pública coletiva. Strufaldi defende a descriminalização. “Essas mulheres não podem ser tratadas como criminosas. Elas estão morrendo, escondidas. Ninguém indicaria o aborto. É um procedimento que deixa seqüelas para vida toda. Mas deve deixar de ser um assunto de polícia.”

O projeto de lei que despenaliza a realização do aborto até a 12ª semana de gestação por decisão materna está desde 2005 empacado na Câmara dos Deputados. Portugal, país ultracatólico, aprovou na semana passada proposta semelhante à brasileira. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado autorizou a realização de um plebiscito sobre a legalização do aborto. Mais protestos e ruídos. Nada de consenso.

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT), diz que um “ longo caminho” antecede à consulta popular. “Pessoalmente, sou a favor da descriminalização. Mas ainda não temos acúmulo de debate. Se houver plesbiscito, jamais será a curto prazo”, disse ao Diário.

Outros dados reforçam a existência de uma multidão que aborta silenciosamente. O número de interrupções autorizadas pela Justiça – em caso de estupro ou risco de morte da mãe – é ínfimo, mesmo se comparado à listagem oficial, subestimada.

Em São Bernardo, desde 2000, das 432 vítimas de abuso sexual, dez engravidaram e apenas uma se submeteu ao procedimento na própria cidade. As outras foram encaminhas aos centros de refêncida da Capital, por terem ultrapassado as 12 semanas de gestação.

Santo André registrou um caso de aborto legalizado, em 2005. No ano passado, nenhum. “Agimos de maneira preventiva. Quando uma vítima de abuso sexual dá entrada no hospital, usamos a chamada contracepção de emergência, a pílula do dia seguinte”, explica a diretora do Centro Hospitalar Municipal de Santo André, Rosa Maria Pinto de Aguiar.

Em Diadema, o índice de abortamento é combatido com políticas de planejamento familiar. “Há seis anos, fazemos mutirões de métodos reversíveis e irreversíveis de contracepção. Antes, só mulheres faziam laqueadura. Hoje, metade das cirurgias são feitas em homens”, diz a diretora do Hospital Municipal da cidade, Tatiana Smalkoff.

(Colaborou Juliana de Sordi Gattoni)




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