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Capote leva para a telona a história de um livro
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
24/02/2006 | 09:24
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Capote estréia nesta sexta-feira. Chegou a hora, portanto, de conferir se o ator papão de prêmios do ano merece mais um. Philip Seymour Hoffman reviveu o escritor norte-americano Truman Capote (1924-1984) em gênero e alma, e é tão certo que ele deve ser o dono antecipado do Oscar de melhor ator como é certo que jamais nascerá cabelo na careca da estatueta dourada. Se o Oscar escapar de Seymour, depois de faturar Globo de Ouro, Bafta, SAG, Satellite e vários prêmios em festivais, seria a decepção da década. É o Oscar mais certo de Capote, indicado também a melhor filme, diretor, roteiro adaptado e atriz coadjuvante.

Capote não é uma biografia do escritor, mas da gênese de sua principal obra, A Sangue Frio (In Cold Blood), e as contradições do autor ao produzir uma reportagem com lapidação de romancista, técnica que ele sistematizou (que inclui memorizar as entrevistas e as observações in loco, sem usar bloco ou gravador) e que consagrou o novo jornalismo, embora antes dele já se produzia reportagens literárias, como Euclides da Cunha em Os Sertões, ou Ernest Hemingway, na Guerra Civil Espanhola. De qualquer modo, Capote emoldurou um marco do jornalismo literário, que Gay Talese e Tom Wolfe deram seqüência, assim como Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez.

Pausa para os bastidores do filme. Capote é uma ação entre amigos. Seymour, que também é produtor executivo, o diretor Bennett Miller, que só tinha um documentário no currículo, e o roteirista Dan Futterman, são amigos de infância. A surpresa entre eles é o ator de séries de TV Futterman, estreante em roteiro, que atualmente aparece no elenco de Related (Warner Channel).

Dos três, Seymour é o que tem mais quilometragem no cinema, desde participações de fundo de cena a ator coadjuvante a partir de Boggie Nights (1992) e em Twister, Magnólia, Quase Famosos, O Talentoso Ripley, Could Mountain etc. – estará em Missão: Impossível 3. Capote é o papel de sua vida. Não lhe faltou talento nos demais, afinal ele tem formação no palco e é diretor teatral, mas parece que talhou sua carreira para atingir esse ponto.

Um capítulo – O projeto dos três amigos foi levar às telas um episódio, descrito no livro de Gerald Clarke, Capote – Uma Biografia (Globo, 536 págs. R$ 45), de como Capote rapinou A Sangue Frio. Uma família inteira de fazendeiros foi chacinada em novembro de 1959, em Holcomb, Kansas, nos Estados Unidos. Pai, mãe e o casal de irmãos foram mortos quando dois assaltantes invadiram a casa em busca de dinheiro. Não encontraram. Balearam os quatro. A notícia no jornal chamou atenção de Truman Capote, então celebridade literária. Ele convenceu o editor da revista The New Yorker a enviá-lo até Holcomb para fazer um artigo.

Capote e sua amiga de infância, a romancista Harper Lee (Catherine Keener) iniciaram as pesquisas. Ao entrevistar moradores, amigos das vítimas, o chefe de polícia Alvin Dewey (Chris Cooper) e os assassinos, particularmente o caladão Perry Smith (Clifton Collins Jr.) Capote percebeu que teria mais do que um artigo. Mas lhe faltava o essencial: a descrição da noite da chacina.

Para obter a informação, Capote se aproxima de Smith, oferece ajuda com advogados, troca confidências. Diz que não escreveu nada, quando só lhe faltava o capítulo da chacina e o da execução; mentia ao dizer que tentava de tudo para conseguir advogados, pois precisava terminar o livro com a conclusão – a execução, adiada algumas vezes. Smith também usa o escritor como sua tábua de salvação. Emocionalmente isolado e deprimido, Capote se angustia enquanto espera o desfecho, do livro e de seu entrevistado. A Sangue Frio foi publicado em capítulos na The New Yorker, em 1965, e em livro no ano seguinte. Foi o último livro de Capote (Bonequinha de Luxo é de 1958), pois ele não concluiu mais nada depois.

Seymour revive maneirismos, voz anasalada, trejeitos e figurinos de Capote. Tem physique du rôle e é dono absoluto do filme, pois tudo converge para ele. Não é a homossexualidade do autor que está em questão – seu caso com o romancista Jack Dunphy (Bruce Greenwood) fica subentendido – nem trâmites judiciais ou policialescos. Capote é um ser estranho quando chega à pequena Holcomb. É um novaiorquino do jet set, que ama a si mesmo, e ama quando é reverenciado. Se não é com ele, como na pré-estréia do filme O Sol É Para Todos (1963), baseado em romance de sua amiga Harper Lee, não vê o porquê da comoção. No início do filme, quando Capote está numa roda intelectual regada a uísque e charutos, diz que é honesto no que escreve; se é autobiográfico, afirma; se não, também. Mais adiante, quando diz uma coisa, ele é outra. O filme discute se A Sangue Frio é sobre o crime ou sobre o relacionamento entre Capote e Smith. O título do livro remete a essa contradição.

O diretor Miller e o roteirista Futterman exploram detalhes, câmera intimista, muitos closes e olho no olho para mirar Capote e sua egolatria. O show de Seymour – e do elenco de apoio –, porém, eclipsou o bom trabalho de seus amigos.

CAPOTE (idem, EUA, 2005). Dir.: Bennett Miller. Com Philip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Clifton Collins Jr., Chris Cooper. Estréia nesta sexta-feira em São Paulo no Espaço Unibanco 3, Unibanco Arteplex 7 e circuito. Censura: 16 anos.




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