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Especialista: sociedade está
aprendendo a protestar

Especialista destaca que, se governantes percebem
que insatisfação prejudica urnas, agem rapidamente

Por Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
07/07/2013 | 07:00
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Andréa Iseki/DGABC


O povo brasileiro percebeu que ir às ruas é uma forma de cobrar os políticos que elegeu nas urnas. Essa é a opinião do cientista político, especialista em políticas públicas e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC), Marcos Vinicius Pó.

Pó acredita que as recentes manifestações ocorridas no Grande ABC e em todo o País, desencadeadas pelo aumento das tarifas dos tranportes, mostraram resultados rápidos porque os políticos são treinados para sentir o que a sociedade quer. O especialista destaca que, se os governantes percebem que a insatisfação pode ser prejudicial para eles nas urnas, agem rapidamente.

No entanto, o cientista político acredita que a sociedade é ingênua ao criticar o sistema partidário vigente hoje no País. “Não existe democracia no mundo sem sistema partidário.”

Pó também fala sobre o vandalismo presente nos protestos, e destaca que toda manifestação começa pacífica, mas está sujeita à violência devido a aglutinação de pessoas com diferentes intenções e objetivos. Para ele, assim como os políticos, a polícia está aprendendo a lidar com essas manifestações por meio da experiência. Leia mais abaixo:

DIÁRIO: Por que as manifestações ocorrem exatamente neste momento histórico?

MARCOS VINICIUS PÓ: Acho que há muitas tensões acumuladas e muitos temas que a sociedade brasileira gostaria de questionar. O povo quer se posicionar em relação ao sistema político, ao funcionamento da administração pública e até mesmo em relação ao seu próprio comportamento como sociedade. Esse momento foi deflagrado, inicialmente, pela discussão provocada pelo aumento das tarifas de ônibus. A questão do transporte público é muito interessante porque afeta diretamente o cidadão, notadamente a população mais pobre. O tema gerou reações violentas muitas vezes na história. Em São Paulo, isso já aconteceu na década de 1940, e no Rio de Janeiro houve a revolta das barcas em 1959.

DIÁRIO: A repressão estimulou os manifestantes?

MARCOS VINICIUS PÓ: Inicialmente, as manifestações, como várias outras, foram reprimidas pela polícia e pelos governos estaduais em vários lugares do País. Com essa reação, muitas pessoas começaram a juntar outras insatisfações aos protestos, como a discussão sobre o passe livre, o debate público e o direito dos cidadãos às manifestações. Em São Paulo, após uma quinta-feira na qual houve repressão muito forte da polícia, na segunda-feira a manifestação foi muito maior, pois as pessoas querem garantir o direito de se manifestar.

DIÁRIO: As redes sociais ajudaram a levar o povo para a rua?

MARCOS VINICIUS PÓ: Um fato que temos de lembrar é que as redes sociais servem para comunicação, então, ajudam as pessoas a se juntarem e estarem informadas. Mas os movimentos que foram para as ruas, como o que pede o passe livre, não surgiram nas redes, mas sim já existiam na sociedade.

DIÁRIO: O que você acha da multiplicidade de reivindicações dos protestos?

MARCOS VINICIUS PÓ: É inevitável que um movimento que surgiu da sociedade tenha muitas demandas diferentes. É como uma eleição. Todo candidato procura imprimir uma marca que pretende colocar em prática na sua gestão. Estabilidade econômica foi a do Fernando Henrique, desenvolvimento social, a do Lula, competência administrativa da Dilma, e por aí vai. Mas os motivos que levaram uma pessoa a votar em cada um deles são os mais variados. O mesmo ocorre na hora de cobrar aqueles que elegemos.

DIÁRIO: Você acha válido pedir mais Educação, Saúde e menos corrupção, ou as reivindicações precisam ser mais palpáveis?

MARCOS VINICIUS PÓ: É difícil para a pessoa num movimento social desses definir maneiras de implementar políticas públicas. Quando você entra nos detalhes das reivindicações, é difícil definir o que deve ser feito. Em toda política pública, assim como em toda a questão social, quase ninguém discorda dos grandes temas. Por exemplo, todo mundo é contra a corrupção, mas quando você pergunta como fazer para acabar com ela, não sabem.

DIÁRIO: As manifestações alcançaram vitórias: a tarifa baixou na região e nas principais capitais, a PEC 37 foi revogada. Por que houve essa reação dos governantes?

MARCOS VINICIUS PÓ: Temos de ter em mente que o político é treinado para sentir o que a sociedade deseja. Achar que eles não ouvem a sociedade é ingenuidade. Eles conseguem perceber que grupos se manifestam, por exemplo, contra o excesso de privilégios e benefícios para deputados e senadores, mas veem também que aquilo não implica em punição eleitoral, então, não se movimentam. Porém, quando perceberam que algumas reivindicações atuais poderiam fazer com que perdessem posição política, resolveram agir.

DIÁRIO: Como você avalia a proposta da presidente Dilma Rousseff (PT) de fazer plebiscito para a reforma política? O brasileiro está pronto para isso?

MARCOS VINICIUS PÓ: Só tem uma maneira de saber, que é fazendo. É o debate que leva ao aprendizado social. Se esperar que a sociedade esteja pronta para debater qualquer assunto em profundidade, nada será feito. Mas uma discussão que o Tribunal Superior Eleitoral colocou e que é pertinente é sobre o tempo que haveria para debate das propostas, o que é fundamental. No plebiscito das armas, por exemplo, as pessoas mudaram de opinião ao longo do processo porque houve espaço para o debate.

DIÁRIO: Mas o povo brasileiro sabe votar?

MARCOS VINICIUS PÓ: Aprendemos errando também. Podemos ver isso com o exemplo das eleições presidenciais brasileiras, em como foi com o (Fernando) Collor e o amadurecimento do eleitorado em relação ao Fernando Henrique, ao Lula. O que se espera de um governante não e que se faça propostas milaborantes, mas sim que tenha capacidade de transformar o que propõe em prática.
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DIÁRIO: O Brasil é uma democracia nova, e não tem como hábito se manifestar, como acontece em outros países. Agora, o povo percebeu que ir às ruas é uma forma de cobrar os políticos?

MARCOS VINICIUS PÓ: As pessoas perceberam que podem se manifestar não apenas no momento da eleição. Mas também vão perceber, em algum momento, que não dá para protestar o tempo todo. Muitas manifestações têm pessoas com más intenções, que querem avançar agendas, defender interesses setoriais em lugar de políticas públicas. Acho que as pessoas vão aprender ao longo do tempo, mas a sociedade brasileira já teve, sem dúvida, o entendimento de que é possível se mobilizar e que o sistema político responde a isso. Talvez da próxima vez o sistema político responda antes mesmo do povo sair às ruas.

DIÁRIO: E esse aparente apartidarismo que vem sendo pregado nas manifestações, existe mesmo?

MARCOS VINICIUS PÓ: Acho que essa é uma forma de as pessoas mostrarem a insatisfação com o sistema político vigente. Há também um claro repúdio contra os partidos, mas avalio isso como ingenuidade. Quanto pior vemos a política e os partidos, pior serão os governantes, que são nossos representantes e eleitos por nós. Nas palestras do curso de Políticas Públicas da UFABC sempre pergunto se alguém tem intenção de ser político. A maioria fala que não, e responde que não quer lidar com corrupção, sujeira. Mas se pensarmos assim, provavelmente vai ser assim. Mas a política não é só isso. Em várias áreas há resultados sociais relevantes. Não existe democracia no mundo que não tenha sistema partidário. E não existe lugar em que os políticos não sejam mal vistos, isso não é exclusividade brasileira.

DIÁRIO: Por mais que se pregue a manifestação pacífica, a violência e o vandalismo estão presentes nos atos. Por que isso ocorre?

MARCOS VINICIUS PÓ: Ao unir grandes grupos, pode acontecer de tudo. A aglomeração pode dar espaço para o conflito e para pessoas que tem intenção de vandalizar, roubar. Acho engraçado ver na mídia que a manifestação foi pacífica, como se fosse necessário sempre adjetivá-la. Em geral, todas as manifestações começam pacíficas, mas há grupos que tem interesse em que haja violência.

DIÁRIO: Alguns, inclusive, defendem a violência e dizem que “sem luta não há mudança”. Como você vê isso?

MARCOS VINICIUS PÓ: Alguns agem para provocar uma reação mais forte da polícia e, assim, mostrar que eles só reprimem porque seriam contra a democracia e a liberdade de se manifestar. A polícia, por outro lado, tem que resistir a essas provocações e se concentrar naqueles que precisam ser afastados da multidão. Mas a polícia também está aprendendo a lidar com as manifestações, e só essa experiência ensina. 




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