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Especialistas apontam para aumento da violência doméstica

Convivência intensa devido à quarentena resultou em mais casos de mulheres agredidas na China

Por Aline Melo
do Diário do Grande ABC
05/04/2020 | 00:03
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André Henriques/DGABC


Além de todos os problemas que as pessoas estão enfrentando devido à quarentena imposta como medida de combate à Covid-19, as mulheres estão convivendo com o aumento da violência doméstica. No Grande ABC, os dados de medidas protetivas de urgência ainda não registraram o fenômeno. Segundo informações do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 1 a 26 de março, foram emitidas 502 medidas, média de cinco ao dia, contra 540 no mesmo período do ano passado. Especialistas alertam, no entanto, para a grande subnotificação destes casos. Como forma de combater a situação, desde sexta-feira as denúncias de violência doméstica no Estado de São Paulo também podem ser feitas pela internet, no www.delegaciaeletronica.policiacivil.sp.gov.br.

Advogada especialista em direito familiar e integrante do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Santo André Juliana Cristina de Almeida destaca que na China, primeiro país a enfrentar as medidas de isolamento social, houve grande aumento no pedido de divórcios quando os serviços voltaram a funcionar. Em 70% dos casos, a iniciativa partiu da mulher. Houve também aumento nos casos de violência contra a mulher. No Brasil, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também reportou incremento de 50% nos casos de violência doméstica.

Juliana aponta que a ansiedade causada pelo confinamento, a incerteza do futuro próximo, a insegurança financeira, mas principalmente a sobrecarga para mulher nos cuidados com os filhos, além do trabalho que vem sendo realizado de casa, são fatores que podem implicar, assim como na China, em aumento dos pedidos de divórcio. “Este ambiente também resulta no agravamento do machismo e, sem ter para onde fugir, a mulher, além de mais sobrecarregada, corre ainda mais riscos”, explicou Juliana.

Assistente social e integrante da coordenação da Frente Regional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher no Grande ABC Janaína Moura destaca a importância dos serviços de atendimento às vítimas de violência seguirem funcionando de maneira articulada. “A mulher fica perdida neste momento e se ela chega a um serviço que está de portas fechadas, ela volta para o ambiente de violência. O primeiro acolhimento é o mais importante”, afirma.

Janaína aponta que a mulher em situação de violência precisa de uma rede de apoio. A gente tem a cultura de não meter a colher, mas tem que interferir sim e quem puder, oferecer ajuda, para o caso dessa mulher precisar sair de casa”, relata. “É preciso entender que esta fase da quarentena afasta a mulher do trabalho e quanto mais próxima de um possível agressor, maior a possibilidade de violência. As vezes ela é a chefe da família e para os machistas isso é difícil de aceitar. Se sentem feridos de alguma maneira, o que pode motivar agressões”, completa.

Coordenador do grupo temático Gênero e Masculinidades do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Eurico Jardim pontua que os serviços que lidam com essa população já estão em alerta para o possível aumento da violência contra mulheres e que é importante as pessoas serem solidárias neste momento. “Se alguma vizinha passa por dificuldade, uma conhecida, que denunciem pelo 180 (serviço do Ministério dos Direitos Humanos, Mulher e Família)”, indica Eurico.

Liberdade à presos por não pagar pensão preocupa especialista


O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recomendou que presos por não pagamento de pensão alimentícias sejam encaminhados para prisão domiciliar. A medida visa diminuir o contingente da população carcerária e evitar a propagação do novo coronavírus no sistema penitenciário. A professora da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e ativista pela monoparentalidade feminina Patrícia Valim alerta que a decisão coloca mais ainda em situação de vulnerabilidade as mães que criam seus filhos sozinhas.

Para Patrícia, a medida pode aumentar a sensação de impunidade para aqueles homens que não cumprem com a responsabilidade de prover o sustento dos filhos após a separação. “Tem homem que realmente não tem condições, temos um País em crise, homens que perderam o emprego ou a renda. Mas, independentemente da pandemia, tem uma parcela de homens que se aproveitam e qualquer coisa é motivo para não pagar a pensão”, comenta.

Para Patrícia, se parte do Estado a decisão de liberar quem está preso, é o próprio Estado deveria assumir a responsabilidade sobre os pagamentos de pensão.

A docente lembra que de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a maioria das famílias monoparentais, ou seja, que têm apenas uma pessoa como líder, é chefiada por mulheres. “Ao mesmo tempo que essa decisão do CNJ prejudica essas mulheres, o reconhecimento de que as chefes de família podem receber até R$ 1.200 de auxílio emergencial mostra como, após muita luta e militância, há o reconhecimento da importância desta mulher para a sociedade”, pontua.

Para Patrícia, a ideia de uma renda permanente para as chamadas mães solo deve ser uma bandeira mesmo após a pandemia. “Colocar a família monoparental no meio de uma política pública é inédito na história. Estado não gasta, porque não é uma empresa. Investe em políticas sociais. Quando investe na monoparentalidade se economiza em outras áreas, como saúde e segurança pública”, conclui a professora.

Programa de apoio à mães e filhos segue em funcionamento

O programa Casa Abrigo Regional, que desde 2003 oferece acolhimento para até 40 mulheres e seus filhos menores de idade em caso de risco à vida para as vítimas de violência doméstica, segue com seu trabalho neste período de quarentena. O acesso se dá pelos centros especializados nas cidades ou por encaminhamento das delegacias (veja os contatos acima).

“Estes serviços seguem funcionando normalmente. Por isso, durante a quarentena, é importante reforçar os mecanismos que ajudam essas mulheres a denunciar”, afirma a coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) Gênero do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e presidente do Conselho Gestor da Casa Abrigo, Maria Aparecida da Silva.

A coordenadora afirma que o isolamento social é um fenômeno que já faz parte da vida de muitas mulheres, sendo em muitos casos ligado a situações de violência doméstica. “É muito comum o agressor tentar isolar socialmente a vítima dentro do próprio lar, mantendo-a longe dos olhos de outras pessoas. É prática frequente, historicamente com maior incidência de casos nos fins de semana, quando a maioria das famílias está em casa e que também foi potencializada pelo (novo) coronavírus”, pontua.
 




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