‘Motogirls’ relatam o preconceito que têm de enfrentar quando ingressam em profissão dominada por homens
Diante de um cenário no qual os homens predominam, elas, de um tempo para cá, têm conseguido se destacar. O que parece diferente e ainda rende muitos comentários é o fato de muitas mulheres terem abraçado a profissão de motogirl, número que vem crescendo ano a ano, mas principalmente agora, por causa pandemia. Afinal, aumentou o desemprego e, com a quarentena, o delivery ganhou espaço.
Mas o universo em cima de duas rodas acaba tendo também o lado negativo para profissionais que são apaixonadas pelo que fazem. De acordo com elas, o medo e a insegurança são parte da rotina diária. Para piorar, ainda são alvo de preconceitos e desrespeito em horário de trabalho. Mesmo assim, não escondem a admiração pela função com a qual garantem o sustento da família.
Bruna Oliveira, 29 anos, moradora do bairro Rudge Ramos, em São Bernardo, é motogirl há quase dois anos. Iniciou as entregas em janeiro do ano passado, após perder o emprego em loja de roupas, onde trabalhou por sete anos. Na época, o desemprego atingiu em cheio a família, já que sua avó ainda precisava de cuidados especiais para tratamento de câncer. Bruna ajudava nos remédios e nas contas de casa, e, por isso, não pensou duas vezes em se aventurar sobre a moto no meio do trânsito.
“Eu me vi em um momento muito difícil, e como já tinha uma moto, fui para a rua, literalmente. Antes, não gostava, pois para mim era uma loucura, mas hoje gosto e já me acostumei, inclusive com a rotina, que é também um desafio no meio dos carros”, conta a profissional. “Ainda assim, até hoje minha mãe não se acostumou e morre de medo, mas precisamos trabalhar, não tem jeito”, observa.
Não é à toa que a mãe de Bruna, a vendedora autônoma Maria Valdessir de Oliveira, 61, fica preocupada com seu trabalho. Bruna já sofreu dois acidentes desde que virou motogirl, sem contar com os “perrengues” que a profissão ainda oferece.
A motogirl de São Bernardo conta que no fim do mês passado foi fazer entrega em um condomínio fechado. Quando chegou, o rapaz que fez o pedido apareceu na portaria de carro para buscar a encomenda. Para espanto de Bruna, ele vestia apenas peças íntimas. “Se fosse um rapaz, será que ele faria isso? Fiquei muito sem graça e conversei o essencial por causa da compra. É chato, é revoltante, mas eu relevo, finjo que não vejo e não ouço.”
A moradora de São Bernardo também já se deparou com clientes que fizeram o pedido e não quiseram pagar na hora da entrega. “Logo quando comecei a trabalhar, fui realizar a entrega, o rapaz disse que estava sem dinheiro e que era para eu procurar o suporte do aplicativo, provavelmente, para jogar a culpa em mim. Ele estava agressivo e gritando muito. Mas informei o acontecido para o aplicativo, que entendeu toda situação.”
EXPERIÊNCIA
Denilsa Teixeira, 39, moradora da Vila Alice, em Santo André, trabalha com moto desde os 18 anos e não se vê com outro veículo para trabalhar. Denilsa tem adega de bebidas e loja de roupas, e diz precisar da moto para fazer entregas. Ela observa que o desrespeito e a falta de educação ainda fazem parte do dia a dia das profissionais.
“Vejo que ainda são motoristas de carros que se irritam com a gente. Não nos deixam passar, não facilitam o espaço que precisamos, e isso acaba gerando muita discussão, por falta dessa paciência, o que infelizmente não é esporádico, é todos os dias”, lamenta a motogirl.
Em todo esse tempo que usa a moto, Denilsa sofreu um acidente ao ser fechada por um veículo, mas além dos ralados, não teve ferimentos mais graves. “Acho que por ser mulher, infelizmente, ainda existe preconceito e muita falta de educação. Mas sou rude, sou fechada e não dou abertura, se for para bater de frente, a gente discute. Todos nós, não só eu como mulher, mas no geral, todos os profissionais que utilizam a moto para trabalhar”, finaliza.
Profissionais destacam boa receptividade
Com muita seriedade e cautela, as motogirls se dedicam a fazer entregas nos centros urbanos. Apesar de ainda existir série de situações difíceis, no geral, as profissionais avaliam que os serviços são muitos elogiados pelos clientes. E comentam que cada vez mais conhecem mulheres que encaram o desafio em duas rodas.
A motorgirl Denilsa Teixeira destaca que, em muitos casos, a mulher acaba sendo mais cuidadosa e prudente no trânsito. “Mesmo diante de clientes ou até de motoboys, a receptividade é boa. Nós, tanto mulher quanto homem, fazemos os serviços acontecerem para as entregas. Mas além das coisas ruins, também ouvimos palavras de incentivo e carinho sim”, comenta.
Com os serviços de motogirl dando certo, Bruna Oliveira expandiu o serviço de entregas e fez parcerias com loja de bolo e três lojas de roupas, que realiza no período em que não está trabalhando pelo aplicativo.
“Principalmente agora, na pandemia, aceitei esses trabalhos como renda extra e me adaptei. Ainda mais por ser loja que realiza entregas para outras mulheres, elas se sentem mais seguras quando vêem uma mulher chegando de moto, e isso é muito legal”, comenta a profissional.
Bruna trabalha todos os dias pelo aplicativo, das 11h às 14h30, e à tarde realiza as entregas com as parcerias e retorna ao aplicativo das 18h às 22h, realizando por dia cerca de 18 a 22 entregas. “Hoje não me vejo trabalhando em escritório, por exemplo. Já me acostumei com essa rotina de loucura. Mas, futuramente, tenho sonhos de montar algum comércio próprio, mas não vou abandonar a moto.”
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