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Número de partos domiciliares dobra na região em dez anos

Quantidade de mulheres que optaram por dar à luz em casa saltou de 40, em 2007, para 81 no ano passado

Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
21/11/2018 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


O número de partos domiciliares dobrou em dez anos no Grande ABC. Dados da pesquisa de Registro Civil do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, em 2007, 40 bebês nasceram em casa nas sete cidades da região. O número saltou para 81 em 2017. Apesar de não representar nem 1% do total de nascimentos (35.609 bebês vieram ao mundo no ano passado no Grande ABC), o aumento demonstra o interesse crescente das mulheres por esse tipo de procedimento.

A atriz Adriana Fiorotti Lopes, 32 anos, moradora de São Caetano, deu à luz em junho do ano passado. A pequena Flora, hoje com 1 ano e 4 meses, chegou ao mundo em uma banheira inflável, dentro do próprio quarto. “Quisemos que ela chegasse no conforto e aconchego do nosso lar, com nossos cheiros, com a luz da casa dela”, explicou a mãe.

A ideia do parto domiciliar partiu do marido, o empresário Fabrício Fiorentino Lopes, 35. A esposa de um amigo havia passado pela experiência e os relatos foram tão positivos que o casal resolveu pesquisar sobre o assunto. “Quando engravidei, sabia apenas que queria um parto normal, mas não conhecia nada sobre o tema nem que havia a possibilidade de o nascimento ocorrer em casa”, relembrou a atriz.

Foi durante as aulas de yoga para gestante, também em São Caetano, que Adriana começou a se informar sobre o partos domiciliar e humanizado. Este último visa garantir o protagonismo da mãe no momento do nascimento, com o menor número de intervenções possíveis. “Participávamos dos encontros de casais e ouvíamos relatos de mulheres que passaram pela mesma experiência, de outras que tiveram esse desejo, mas por diferentes motivos não puderam dar à luz em casa, e fomos ficando cada vez mais confiantes”, pontuou Adriana.

No mesmo espaço onde fazia yoga e frequentava os grupos, a atriz conheceu a equipe que acompanhou seu procedimento, formada por duas obstetrizes (profissional com capacitação para atendimento de parto normal). A atriz contou ainda com a presença de uma doula, profissional responsável pelo suporte emocional da gestante antes, durante e após o nascimento.

Todo o pré-natal foi feito pelo convênio, onde o parto normal não foi incentivado em nenhum momento pelo médico, afirmou Adriana. “Meu marido e eu lemos muito, assistimos a diversos documentários, participamos de encontros e reuniões e entendemos que para o meu caso, uma gestação saudável, a nossa casa era a melhor escolha para o parto”, destacou a atriz.

Adriana passou 12 horas em trabalho de parto e Flora nasceu um pouco antes do tempo, com 37 semanas (uma gestação normalmente dura de 38 a 42 semanas). “Talvez tenha sido até melhor, porque não estava tão ansiosa com a data”, afirmou. A moradora de São Caetano destacou que havia todo um planejamento para o caso de o parto não poder ocorrer em sua casa. “Iríamos para um hospital público em São Paulo, para a maternidade de São Caetano, ou, em último caso, para o hospital do meu convênio.”

Após o nascimento, a equipe que acompanhou o parto emitiu a CNV (Certidão de Nascido Vivo), mesmo documento que os hospitais dão para que seja feito o registro dos bebês. “Meu marido foi com duas testemunhas ao cartório para registrar a nossa filha. Alguns dias depois, recebemos a visita de integrantes do Conselho Tutelar para certificar que não se tratava de uma adoção irregular”, afirmou Adriana.

Algumas dificuldades foram encontradas para realizar os primeiros exames de Flora, como o teste do pezinho (que deve ser feito até o quinto dia de nascimento e visa identificar série de doenças) e os exames de acuidade visual e auditiva, normalmente realizados na maternidade. “Depois de muito andar pelos médicos do convênio conseguimos”, concluiu a atriz.

Apesar dos contratempos após o nascimento, Adriana se diz satisfeita com a experiência. “Faria tudo de novo. Foi um evento transformador, um mergulho dentro de mim e um encontro com a minha natureza mais selvagem”, concluiu.

Ter filho em casa é opção apenas para gestantes saudáveis

A professora de yoga para gestantes e doula (profissional que presta apoio emocional às gestantes) Larissa Leal Gonçales, 42 anos, explica que o parto domiciliar é recomendado para gestantes saudáveis, sem nenhuma intercorrência durante o pré-natal, como pressão alta ou diabetes. Gestações de bebês muito grandes e casos em que os nenéns não estão cefálicos (na posição de cabeça para baixo) nos dias que antecedem o nascimento também estão entre os limitadores para essa opção. “Acima de tudo, opta por dar à luz em casa a mulher que se sente mais confortável e segura na sua residência do que no hospital”, completou.

Larissa, que acompanha gestantes tanto em hospitais quanto em casa, explica que a equipe que atende partos domiciliares passa por treinamentos constantes e tem capacidade de atender qualquer intercorrência que possa vir a acontecer, seja com a mãe ou com o bebê. “As obstetrizes sempre atuam em dupla, porque além de uma atestar o trabalho da outra, após o nascimento, uma profissional se dedica a monitorar a mulher e a outra, o recém-nascido”, destacou.

Para a doula, o aumento pela busca do parto domiciliar se deve ao maior acesso de informação das gestantes. “Hoje existe maior disponibilidade de equipes treinadas, mais mulheres com histórias de sucesso e que contam para as outras, mas principalmente informação. Antes, as pessoas não tinham sequer a informação de que havia alternativa”, pontuou Larissa.

A busca por atendimento mais humanizado e menos violento também é responsável pelo aumento, na avaliação da profissional. “As mulheres estão compreendendo muitas práticas que são protocolo dos hospitais, das quais é muito difícil escapar. É muito difícil ter um parto respeitoso pelo plano de Saúde. Elas estão buscando alternativas para esse sistema.”

DIREITO HUMANO
Especialista em Saúde Pública pela USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora em Saúde Materno-Infantil, Deborah Delage lembra que a escolha do local do parto é um direito humano da mulher. “O conhecimento científico mais recente aponta riscos semelhantes entre nascimentos em domicílio e hospitais, quando se considera mulheres saudáveis e em gestações sem intercorrências”, afirma.

Especialista critica escolha do lar para dar à luz devido às complicações

Apesar da alta no aumento no número de partos domiciliares no Grande ABC, a prática não é unanimidade entre profissionais de Saúde. O professor titular da disciplina de Obstetrícia da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), Mauro Sancovski, afirma que a sua posição sobre o assunto é a mesma do CFM (Conselho Federal de Medicina) e do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), que desaconselham o parto fora do hospital.

“A gente sabe que existe um grupo de mulheres se empoderando no sentido de que dar à luz em casa é bom. Mas mulher não vem com uma cartilha dizendo que não vai ter complicações”, justifica. “Uma gravidez de risco habitual, sem nenhuma intercorrência, não é garantia que, no momento do parto, não vai haver e, se houver, existem riscos para a mãe e para o bebê”, completa.

O profissional afirma que as entidades médicas são favoráveis e apoiam o parto normal e que por isso grandes hospitais têm se adaptado para receber com mais conforto as gestantes, dando liberdade de escolha para a posição de parir e permitindo que se movimente durante o trabalho de parto. “A única coisa que a gente naõ pode concordar é com o parto domiciliar”, finalizou.

Apesar da ressalva, Sankovsi reconhece que não é possível obrigar a mulher que deseja parir em casa a dar à luz em um hospital. “Mas os médicos também não podem assistir partos em locais inseguros.”

Os nascimentos domiciliares são atendidos por obstetrizes. O único curso disponível no Brasil é ministrado pela USP (Universidade de São Paulo) e em seu site, a descrição é clara: o curso forma profissionais para trabalhar na área da saúde da mulher desenvolvendo ações de cuidados e promoção da saúde, especialmente no decorrer do pré-natal, parto normal e pós-parto. O profissional formado pelo curso pode dar assistência à gestante e recém-nascido, em maternidades, domicílios e casas de parto. 




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