Sabores&Saberes Titulo Coluna
Duas doenças e um aprendizado!
Antônio Carlos do Nascimento
11/10/2021 | 00:01
Compartilhar notícia


No momento em que o país atinge a marca de 600 mil mortes pela Covid-19 e 22 milhões de infectados (com certeza diagnóstica) finalmente a pandemia começa a desacelerar e alguns enfrentamentos pedem mais urgência na retomada de ações, tal qual a brasileiríssima Dengue.

Sem menosprezar a temível fêmea do mosquito Aedes aegypti e sua extraordinária capacidade de transmitir as quatro variantes identificadas do vírus da Dengue, seus números, mesmo em seus piores momentos, não permitem comparação matemática com o desastre pandêmico atual, mas autoriza várias interrogações.

Estávamos debutando no debate de extremos, cada qual se ajeitando para encontrar seu lugar na polarização política, quando a Dengue conquistou seu mais estrondoso protagonismo na saúde pública nacional, ganhando as primeiras páginas de todos os jornais brasileiros, assim como as vozes de todos os âncoras das mídias televisiva e radiofônica.

Era 2015 e o Brasil registraria 986 casos de mortes por Dengue, 25 deles em São Paulo, números que surgiam velozmente para nosso conhecimento, oficiosos ou oficiais, naquele instante importava para parte substancial de brasileiros utilizar o virtual escândalo sanitário como ferramenta adicional na demolição da governança da Presidente em exercício.

A vergonha nacional daqueles dias voltaria, com timidez, a pontuar na grande mídia em 2019, com 754 mortes no Brasil e 3 delas em São Paulo, desde então a Dengue surge eventualmente para preencher pauta de saúde, quando nenhuma novidade ou escândalo pandêmico tenha surgido.

Em outra observação de igual importância, temos ao menos 22 milhões de brasileiros que sabidamente foram infectados com o novo Coronavírus e dia após dia surgem estudos demonstrando limitações clínicas agrupadas como Doença pós Covid. Também conhecida como Covid longa, parece ocorrer em alguma extensão em todos os infectados depois de ficarem livres da infecção aguda, não importando a gravidade da doença que tenham desenvolvido. 

Entre as queixas mais comuns estão os déficits cognitivos, que envolvem lentidão no raciocínio, troca de palavras e fuga de pensamentos, e ainda no arcabouço neurológico, as comuns mudanças no olfato e paladar. Ao menos por enquanto são admitidas duas possibilidades para estas alterações, em uma delas haveria lesão de grupos de neurônios por comprometimento micro embólicos de seus micros vasos. Um outro caminho para lesão de neurônios seria a agressão de seus revestimentos provocada por compostos inflamatórios provenientes da infecção sistêmica.

As queixas de cansaço podem se relacionar a catabolismo proteico muscular, resultante da destruição de fibras musculares pelo processo viral, seja no coração ou no restante da musculatura. Outra possibilidade, que não exclui a anterior, é que existam lesões pulmonares de variadas proporções que restrinjam e comprometam a oxigenação.

São inúmeras as mazelas remanescentes da Covid-19, das quais citei apenas algumas, porém, existem muito mais e embora estejamos acostumados com centenas de milhares de mortes por esta doença, talvez precisemos nos ambientar com suas sequelas, naquilo que possa nunca voltar ao normal.

Mas, se estamos desesperados para jogar as máscaras fora, mesmo diante da perspectiva que continuaremos morrendo aos milhares anualmente e manteremos os riscos de comprometimento cognitivo e físico permanentes gerados por qualquer apresentação da Covid-19, o que faremos com a Dengue? 

Preocupa muito nosso conformismo fúnebre, será que o comportamento pandêmico inicial que nos uniu e evitou piores destinos retornará, ou sobreviveremos naquilo que nos separou e separa em prós e contras Governadores e Presidente? Em outras palavras: eliminaremos os focos de proliferação do mosquito ou nos acostumaremos com seus desastres para sedimentar nossas diferenças ideológicas, aqui ou acolá? 

O Brasil tem pressa para estas respostas!

Antonio Carlos do Nascimento é doutor em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;