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"O crime deveria ser a exceção", diz Guerdson Ferreira, delegado seccional de Diadema
Por Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
15/03/2021 | 07:00
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DGABC


O senhor assumiu a Delegacia Seccional de Diadema em janeiro de 2019. Já tinha passagem pela região como policial? E qual a sua relação com o Grande ABC?
Nasci no Cambuci, na Capital, e vim morar na Vila Dayse, em São Bernardo, aos 11 anos, e resido na cidade até hoje. Tenho 34 anos de profissão na Polícia Civil e, embora formado em direito, nem cheguei a advogar, não deu tempo. Saí da faculdade em 1983 e em 1985 já era delegado. Desde então, praticamente atuei 24 anos no Grande ABC. Comecei minha carreira na Delegacia Sede de São Caetano, na Avenida Goiás, e depois quis sair do plantão e assumi a vaga de diretor da cadeia da cidade. Em São Caetano passei 11 anos, somando o plantão, a cadeia, e também como titular do 1º Distrito. Depois, com a minha experiência, tinha um problema na cadeia de Santo André, que ficava na Palmares. Aceitei o desafio e fui dirigir a cadeia, ficando também como titular do 4º Distrito de Santo André. De lá fui para o 1º Distrito de Santo André, no Centro. Depois fui trabalhar em setores da Polícia Civil na Capital e, entre 2009 e 2011, voltei para Santo André. Na sequência, passei mais um tempo na Capital, e voltei para cá em 2019 para assumir a Seccional de Diadema.

Diadema já foi considerada, nos anos 1990, a cidade mais violenta do mundo. Como está esse índice criminal hoje?
É verdade. Era um absurdo a quantidade de homicídios. Antes a cidade era pertencente à Seccional de São Bernardo, mas o que regia aqui era a delegacia sede de município. O parâmetro para se medir a violência de um local sempre foi a quantidade de homicídios, e aqui foi a cidade campeã daquela época, mas mudou bastante esse cenário. O crime de homicídio caiu no Estado como um todo, e aqui também. As delegacias especializadas, que ficam sempre na seccional, ajudam a coibir, ao menos um pouco, esse crime. Como há uma delegacia de homicídios somente voltada para atender às demandas da cidade, a atenção é dada a tudo que acontece aqui. Pelo menos nesses dois anos que estou à frente da seccional, pude perceber que não ficam casos em aberto, sem resolução. Houve uma diminuição natural no delito de homicídios, mas em Diadema o autor é encontrado e preso, foi uma forma, também, de inibir.

Mesmo assim, Diadema ainda carrega a fama de cidade violenta, principalmente pelo alto índice de furtos e roubos. Como a polícia está trabalhando para coibir o crime na cidade?
Eu não acho que seja assim. Nós temos uma população um pouco mais humilde, não temos área nobre, embora seja uma cidade muito rica. Temos muito imóvel irregular e um público de média para baixa renda. Mas não acho que seja diferente na questão criminal com as demais cidades. Os crimes contra a vida são mais desafiadores, como estupros e violência com menores e mulheres. A questão das drogas aqui também é bastante importante e nossa delegacia especializada é uma das campeãs em apreensão de entorpecentes.

A droga é um problema social difícil de cessar. Como a polícia poderia trabalhar para minimizar a disseminação do tráfico?
O caminho educacional seria importante para diminuir essa e qualquer incidência criminal. Na Capital, trabalhei como divisionário da parte de educação e prevenção de entorpecentes do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), onde é feito um trabalho grande, até mesmo com cursos que capacitam disseminadores de informação, formando multiplicadores na área de prevenção primária de drogas. Foi o trabalho mais bacana que fiz dentro da polícia. Mas a entidade, sozinha, não traz essa solução para a sociedade, embora preste um trabalho social. O crime deveria ser a exceção, e não a regra, e essa parte de prevenção, outras entidades teriam de verificar, como o incentivo por meio do esporte e da cultura. O fomento dessas atividades é muito importante para que possamos diminuir essa incidência de crime. As pessoas têm de ver o crime como ele é. Feio e ruim. E é o contrário o que notamos. Cada vez mais as pessoas olham o crime como coisa de herói, é glamoroso. O crime é aculturado na cabeça das pessoas como uma coisa boa. É mostrado em filmes, seriados, que quem se envolve com o crime é espertão e seduz o jovem. E é o contrário. O crime não é legal.

Embora os índices de homicídios apresentem queda nas estatísticas, o feminicídio, por sua vez, cada vez está mais em alta. Como o senhor vê essa situação?
Eu acho que o feminicídio sempre ocorreu muito, mas era menos noticiado. Essa violência entre casais, principalmente do homem para a mulher, embora haja o contrário também, não é uma novidade. Não diria que aumentou o feminicídio, eu acho que está é se dando mais atenção, e o que é muito merecido. A Polícia Civil passou também a implementar mais a delegacia da mulher, e cuidar desses casos com a atenção devida. Aqui em Diadema temos na DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), com a doutora Renata Cruppi, um programa muito bacana chamado ‘Homem Sim, Consciente Também’, em que ela faz série de palestras com aqueles homens que se envolvem em violência doméstica, de modo que o acusado tem de comparecer a estas reuniões e, na experiência, temos notado queda no índice de reincidência. Infelizmente sempre teve a violência doméstica e é um crime que tem de ser contido.

Para a Polícia Civil é mais difícil atuar nesse campo de violência doméstica?
Eu acho que tem como prevenir. Programas educativos são bem importantes para prevenção. Mas dentro da casa das pessoas é difícil prevenir. Além deste tipo de programa, temos, também, de dar o exemplo. É essencial deixar claro que quem cometer esse tipo de crime será, sim, punido, preso e arcará com as consequências. Muitas vezes o camarada pensa que não vai acontecer nada, que pode judiar da mulher, dos filhos, e ficará tudo bem. Mas não é assim que funciona. E essa possibilidade de fazer o registro de ocorrência pela internet foi um grande avanço que, embora tenha surgido na pandemia, agregou muito ao trabalho, principalmente porque, assim que o boletim de ocorrência é registrado, os policiais vão imediatamente até o local e tiram a vítima deste agressor.

O senhor acha que o mesmo ocorreu com violência com menores? Antes era menos exposto?
Também. Isso vem acontecendo cada vez mais, e há muito tempo. Quando eu estava como delegado titular do 31º Distrito, na Capital, o estupro de vulnerável pela família era algo replicante. Eu fazia mutirão naquela época com o Conselho Tutelar, uma vez por semana, reunindo todas as denúncias de agressão e estupro e, muitas, infelizmente, eram reais. Saíamos com a viatura indo nas casas e pegamos muitas coisas. Estupro de vulnerável, sobretudo na periferia, é gigantesca a quantidade, embora nas classes média e alta também aconteça muito, mas é mais abafado. Eu já dava essa atenção aos crimes domésticos antes e, aqui em Diadema, implementamos também esse mutirão, que é cuidado pela delegacia da mulher. É um trabalho reforçado e eu dou muita atenção a isso, que também é uma política geral da Polícia Civil.

Como foi a experiência de dirigir cadeias?
Trabalhar na cadeia é uma experiência única e foi onde pude observar de perto como o ser humano se comporta diante do confinamento. É uma experiência interessante, que me ensinou demais, mas que não recomendo para ninguém. O mundo cão é bem difícil, mas, para minha formação, foi muito boa a passagem. Na época que estive na cadeia de São Caetano, a gente tinha cerca de 80 vagas, mas mantínhamos naquele espaço cerca de 300 presos. Era bem complicado, tinha muita rebelião e diversos problemas. Já em Santo André, embora trabalhei com 500 presos, não tive rebelião, fuga, e nada desse tipo grave de problema que ocorre no cárcere. Mas não é fácil.

Aproveitando o gancho, muito se ouve falar em abuso de autoridade dentro dos presídios, e cada vez mais estão sendo divulgados excessos policiais até mesmo em abordagens diárias. Como o senhor trabalha isso na cidade?
Isso é uma coisa que tem de ser muito coibida. E essa não é a tônica, tanto da Polícia Civil como da Polícia Militar. Eu vejo que nos comandos a política nunca é essa. Pelo contrário. A parte da violência não está inserida na prática policial, seja ela qual for. Aqui em Diadema, pelo menos, não tive nenhum problema com isso, mas, se houver, temos de coibir. A formação não prevê esse tipo de atitude de violência, em qualquer que seja a frente.

Quais os principais desafios que encontrou na cidade?
Eu dei muita sorte. Peguei a seccional muito bem organizada. Foi até que fácil de administrar, pelo menos até agora. A ênfase maior que a gente dá é para os crimes contra a mulher, contra menores, drogas e homicídios. Agora o dia a dia da cidade é tocado pelos distritos que já estavam funcionando bem. Não troquei nenhum dos quatro titulares dos distritos, sobretudo porque eles estão na cidade há muitos e muitos anos e, além de conhecerem o território, trabalham de forma comprometida. E isso acontece em todo o Grande ABC, a Polícia Civil daqui é sedimentada, diferentemente do que ocorre na Capital, onde se muda muito de delegados nos distritos.

O senhor tem projetos para a sua gestão?
Para este ano gostaria de trazer para Diadema o modelo que São Bernardo implementou da Deic (Delegacia de Investigações Criminais). Gostaria de contar com a ajuda da Prefeitura, como São Bernardo contou, para montar uma estrutura semelhante aqui, podendo colocar as especializadas em um mesmo local. Seria muito bom para a cidade.

RAIO X
Nome: Guerdson Ferreira
Estado civil: casado
Idade: 61 anos
Local de nascimento: São Paulo
Formação: direito
Hobby: esportes
Local predileto: com a família
Livro que recomenda: A Odisséia
Artista que marcou sua vida: Pablo Picasso
Profissão: delegado
Onde trabalha: Delegacia Seccional de Diadema
Time do coração: Palmeiras




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