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‘Desde pequeno lutei muito para chegar à Seleção’
Dérek Bittencourt
Do Diário do Grande ABC
21/04/2018 | 07:00
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DGABC


Passaram-se 42 anos desde que Hugo Hoyama ingressou no tênis de mesa em São Bernardo. De lá para cá, conquistou o Brasil e ganhou – literalmente – as Américas, partindo para enfrentar o mundo. Hoje, aos 48, segue trabalhando no mesmo ginásio, dentro do complexo do Estádio 1º de Maio, só que na orientação de jovens atletas. Na memória, os ensinamentos do primeiro técnico, Maurício Kobayashi. Na parede, uma foto do ex-colega Cláudio Kano. No foco, seguir elevando o nível da Seleção Feminina, da qual é técnico, e da modalidade em si. E no coração, a saudade de casa, da mulher, Cindy, e da filha primogênita Ariel, 10 meses.

Hugo Hoyama e o Diário
Com sete participações em Jogos Olímpicos (seis como atleta e uma como técnico), outras sete em Pan-Americanos (conquistou dez ouros, uma prata e quatro bronzes – o segundo atleta brasileiro mais vencedor), 18 Mundiais e inúmeros Jogos Regionais e Abertos – perdeu as contas de quantos –, Hugo Hoyama é figurinha carimbada nas páginas do Diário desde 1985. “Valorizo, porque sempre me ajudou, deu espaço”, reconhece o mesa-tenista, que agora divide o tempo entre os treinos e viagens com as equipes de São Bernardo e da Seleção (feminina) e as trocas de fralda de Ariel. “Nunca tive experiência mais gostosa”.

Quando iniciou no tênis de mesa, imaginou onde chegaria ou, ao menos, projetou onde queria chegar?
Desde o começo queria ser jogador de Seleção Brasileira. Comecei com 7 para 8 anos. Com 10, tracei esse objetivo. Quando entrei neste mesmo salão (ao lado do Estádio 1º de Maio), o Maurício (Kobayashi, primeiro treinador) falava que não era só para aprender a jogar, mas para colocar objetivo grande. Então desde pequeno lutei muito para isso.

E essa situação de traçar uma meta, é o que o senhor passa adiante desde então?
Falo para todo mundo nos treinos e também quando participo de eventos, palestras, dou clínicas. Um dos principais conselhos que dou é desde o começo colocar um objetivo. Tem várias barreiras e dificuldades, mas se o foco estiver lá em cima a chance de ultrapassar é muito maior.

Maurício Kobayashi e seu ex-colega de treinos Cláudio Kano (1965-1996) foram suas maiores inspirações?
O Maurício era meu segundo pai. Ficava mais tempo com ele, numa época, do que com meu pai, porque treinava das 14h às 20h, aprendendo, tomando bronca, cumprindo castigo. É pessoa maravilhosa, que até hoje dá treino e ainda aprendo com ele, tem cabeça e inteligência raras para o esporte. E o Cláudio me ajudou bastante. Veio para cá quando eu tinha uns 10, 11 anos, era quatro anos mais velho, então era pessoa que eu queria seguir os passos, mas sempre esperando a hora de ultrapassar. Foi importante a ajuda que me deu no início da carreira.

É assunto delicado, mas como foi conviver e superar a repentina e trágica morte do Cláudio Kano (acidente de moto), às vésperas de Atlanta-1996?
Foi difícil. Uma coisa totalmente inesperada. No dia em que morreu, estava indo para a casa da mãe deixar a moto para ir ao aeroporto viajar aos Estados Unidos e se preparar à Olimpíada. E eu ia uma semana depois. Então foi duro. Mas coloquei na minha cabeça que tinha de usar essa força extra, poder fazer alguma coisa a mais por ele. Acho que ajudou bastante até no resultado que tive em Atlanta: cheguei nas oitavas, ganhei de um sueco que era favorito à medalha (Jorgen Persson), mas até hoje sei que o que faço pelo tênis de mesa era o que ele queria fazer. Deixou legado para muita gente. É duro, mas bom falar, porque era um batalhador.

Esta situação serviu como motivação para que alcançasse a nona colocação naqueles Jogos Olímpicos?
Nosso presidente da Confederação (Brasileira de Tênis de Mesa, Alaor Azevedo) brinca que tinha umas bolas que estavam indo para fora e o Cláudio soprava e entravam (risos). Mas foi importante. Coloquei na cabeça que aquela luta era também por ele.

Por conta do desempenho em Pan-Americanos, em 2011 foi apelidado de ‘Mr. Pan’. Inclusive chegou a ser porta-bandeira da delegação brasileira (em Guadalajara, 2011). O que tudo isso significou?
É o reconhecimento e fruto de um trabalho. Desde os 8 anos de idade treinando todos os dias, sem folga, só em caso de doenças muito fortes, até porque o Maurício não deixava, dizia que tinha de dar um jeito de vir aqui treinar saque ou alguma coisa. Na época era novo e não entendia, mas quando passei a ter resultados sabia que aqueles períodos foram importantes.

Foram seis Olimpíadas como jogador e agora, na Rio-2016, teve experiência diferente como treinador. Como foi?
Foi difícil, porque dá aquela vontade. Mas o legal é que me senti bem, porque tem todo o ritual da entrada dos jogadores e, depois, dos técnicos. E a galera me aplaudia, gritava o nome, então fez com que eu me sentisse importante. Hoje é muito mais difícil ser treinador do que atleta. E o pessoal realmente me reconhecer, ver que estava ajudando o esporte brasileiro, foi legal. Também me senti representante do Brasil.

O senhor é palmeirense ‘verde’. Como é carregar o escudo e representar seu clube do coração (São Bernardo tem parceria com o clube da Capital)?
Une o útil ao agradável. É sensacional. Acho que jogo com mais garra, com aquela vontade de vencer, mostrar aquele amor que tenho pelo futebol e pelo tênis de mesa, e poder dar retorno ao Palmeiras num esporte olímpico. Se outros clubes tivessem todos os esportes olímpicos a disputa ficaria muito mais legal.

Já fez loucura pelo Palmeiras?
Quando foi campeão do Paulista, em 1996, fiz aposta com um amigo técnico corintiano: ele raspou a cabeça e desenhei um ‘P’ atrás da cabeça. Hoje é comum, mas naquela época não. E nos Pan-Americanos de 2007 e 2011 jogava com cuecas do Palmeiras. Quando a gente vai nessas competições, só pode usar uniforme do COB, mas queria ter alguma coisa do Palmeiras em mim. Então comprei umas dez cuecas, para usar uma por dia.

Os recentes resultados do seu xará Hugo Calderano trouxeram o tênis de mesa de volta aos holofotes. Onde este jogador ainda pode chegar?
Já superou os melhores resultados de todos os tempos dos brasileiros, como o do próprio Claudio Kano, que foi sexto numa Copa do Mundo, ao chegar à final do Aberto do Catar, que é como se fosse um Grand Slam do tênis. Foi o principal resultado de um brasileiro. Acredito muito que vai melhorar, não só na parte técnica, física, tática, mas, principalmente, mental, e chegará com chances de disputar com os melhores do mundo. Está no começo da carreira. Agora, morando na Alemanha, com estrutura para ele, técnico, preparador físico, nutricionista... Todo mundo fala que há chance de ganhar medalha em Tóquio (Olimpíada de 2020). Acredito que pode lutar, sim, mas com os pés no chão. E a chinesada está de olho nele e, se isso está acontecendo, é porque está incomodando.

E o tênis de mesa feminino, no qual é técnico da Seleção desde 2013, em que nível está?
Subiu muito. Tanto que vamos disputar o Mundial no começo de maio. Em 2014, elas foram campeãs da Segunda Divisão e, em 2016, pela primeira vez jogaram a Primeira Divisão por equipes, a mesma que vão jogar neste ano. Hoje estão entre as 20 melhores equipes do mundo e é grande passo. Já ganharam duas medalhas de prata e nosso objetivo agora é ganhar o ouro no Pan-Americano do ano que vem, em Lima. Elas vêm crescendo. Principalmente a Bruna Takahashi, a mais nova, mas tem cabeça muito boa. Acredito que possa ser diferencial no feminino.

Quais são os nomes do presente e do futuro da modalidade no Brasil, tanto no masculino quanto no feminino?
No feminino o nome do presente é a Bruna Takahashi. Tem a Gui Lin, que não está velha e, se quiser, ainda tem um ciclo olímpico. Tem a Carol (Kumahara), a Jéssica Yamada, que voltou a jogar pela Seleção muito mais experiente e madura. E no futuro tem a Giulia Takahashi, a Livia Lima e mais duas ou três que podem seguir os passos. No masculino temos o Gustavo Tsuboi, que ainda está entre os 50 (melhores) do mundo, o Eric Jouti, Vitor Ishi e o Thiago Monteiro.

Recentemente foi divulgado aumento no número de praticantes de tênis de mesa. A que se deve isso?
A divulgação, depois da Olimpíada do Rio, ajudou bastante. Os resultados do Hugo Calderano também. Tento ajudar quando vou a escolas e cidades, então sempre chama atenção de garoto ou outro. Aqui em São Bernardo tinha metade do que tem hoje.

Como ficou a rotina de viagens após sua filha nascer?
Está difícil. É experiência nova para mim, primeira filha. Ainda é mais ligada à mãe, agora está começando a ficar mais solta comigo, vai completar dez meses. Fiquei duas semanas fora e a única coisa boa foi poder descansar mais, dormir (risos), porque normalmente acordo duas vezes de madrugada quando ela acorda e vou lá, às vezes consigo fazer dormir de novo, mas, se não dá, entrego para minha mulher. Mas nunca tive experiência mais gostosa.

Como foi a adaptação do atleta e treinador para o pai?
A gente sempre pensa que vai ser difícil, mas quando a tem na mão, desde pequenininha... Sempre tive na cabeça que não podia ter medo de fazer as coisas com ela: dar banho, segurar. Aprendi no tênis de mesa que a parte psicológica de qualquer situação é importante. Então, para cuidar dela foi assim também: segurar firme, ajudar em tudo, trocar fralda. Muitas vezes tomo bronca, minha mulher fala que não faço muito, mas entendo que ela fica estressada.

Desde os anos 1970/1980 o Grande ABC é referência em tênis de mesa. Por quê?
Vejo dois grandes responsáveis: Maurício Kobayashi, que era técnico de São Bernardo, e o Lee Kou Tin, um chinês de Taiwan que veio para Santo André. Os dois montaram sistemas de treinos que fizeram com que o nível dos jogadores do Grande ABC subisse e fosse praticamente imbatível. Hoje tem também São Caetano com estrutura muito boa, técnicos bem capacitados. Então considero os dois como responsáveis pelo boom do tênis de mesa por aqui.

Qual o presente e o futuro da modalidade na nossa região?
São Bernardo, em termos de alto rendimento, deu uma caída. Estamos fazendo mais de base, com garotos. Mas São Caetano tem equipe muito forte, salão muito bom. Santo André também deu uma caída, mas estão fazendo trabalho e dá para ver resultado. Acredito que em algum tempo devam surgir atletas bons para, quem sabe, jogar na Seleção.

O senhor se lembra quando teve o primeiro contato (como leitor) com o Diário?
Desde pequeno acompanho. Não só Esportes, mas sempre gostei de Setecidades, ler as notícias sobre a região, polícia. Valorizo, porque sempre me ajudou, deu espaço. Falo para minhas atletas para conversar com os jornalistas, tratar bem, porque a gente precisa aparecer. Tem atleta que não gosta porque atrapalha o treino, mas muitas vezes deixar de treinar meia hora para lá na frente ser mais reconhecido, vai ser importante.

E se recorda ainda quando o Diário publicou a primeira reportagem sobre o senhor?
Não lembro, faz tempo (risos), mas fiquei feliz. Não porque gosto de aparecer, mas por ser reconhecimento ao trabalho, ainda mais na região.

O que o senhor ainda pretende realizar no Grande ABC?
Trabalhar mais forte com o tênis de mesa nas escolas. Tenho o Instituto Hugo Hoyama e temos projeto que queremos levar às escolas. Quero fazer com que as crianças tenham mais uma atividade na grade curricular. E todo mundo gosta de brincar de pingue-pongue. Todas as escolas que eu ia e tinha mesa, elas estavam cheias. Se a gente conseguir inserir, a modalidade vai crescer.

O mesa-tenista gosta quando fala que é pingue-pongue?
Não gostamos quando falam que jogamos pingue-pongue, mas comecei no pingue-pongue, não sabia que era diferente do tênis de mesa. O material, as regras e os efeitos são as principais diferenças.  




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