Setecidades Titulo No fio da Covid
O poder da palavra
do Diário do Grande ABC
03/04/2021 | 00:01
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Enquanto os profissionais da saúde lutam para salvar os pacientes – os doentes pela Covid já ocupam todos os leitos na região de Santo André –, grupos de oração tentam fazer sua parte para aliviar o sofrimento da pandemia que abala todo o País. 

Um desses grupos comparece todos os dias, de segunda a sexta-feira, às 5h30, ao hospital de campanha Pedro Dell’Antonia para rezar e pedir a Deus que ajude na cura dos doentes e para dar forças aos que trabalham dentro dos hospitais.

“A gente crê no poder da palavra”, diz a pastora Renata Silveira, da Igreja Apostólica Pleno Poder, que comanda o grupo. “Cremos que os médicos, enfermeiros, agentes de limpeza, assistentes sociais, todos vão receber uma força que vem de Deus e vão repassar da vida deles para a vida dos pacientes.”

A fé também deu forças para outras pessoas enfrentarem a doença ou a internação dos companheiros, para não se deixar levar pelo desespero. Marcela Ondei conta ter encontrado forças em Deus quando o marido, Leandro Ondei, foi internado e teve cinco paradas respiratórias. 

“Eu me ajoelhei e só pedia a Deus que acalmasse o coração de Leandro”, conta Marcela, sobre a aflição de não ter notícias e imaginar que o marido, internado e entubado, também estivesse preocupado com a família. Ela diz que tentava acalmar os filhos, dizendo que Deus estava “trabalhando”, mas, por dentro, o desespero era muito grande.

A auxiliar administrativa Priscila Lima, mãe de três filhos, também acreditou na oração para conseguir enfrentar a morte do tio e a doença da mãe. “Cada dia era uma vitória. Vejo a vida da minha mãe como um milagre. Ela ainda está bem debilitada, mas foi uma segunda chance. Acho que Deus, no meio de tanta tristeza, nos deu um pouco de alegria.”

São muitos os exemplos de como a fé ajuda a atravessar esse período tão grave. O mecânico Elenilson Henrique de Jesus, 39 anos, revela que foi a crença em Deus que lhe deu forças para enfrentar a doença. Ele não estava conseguindo reagir ao tratamento com antibióticos e até pensou na família e quem cuidaria dela, caso ele não sobrevivesse.

“A força de vontade de vencer pela família e por mim mesmo”, diz, para explicar sua reação quando o médico lhe comunicou que, se não começasse a comer e melhorasse naquele mesmo dia, seria entubado. Os profissionais que trabalham no hospital de campanha, em sua opinião, “são uma família; eles cuidam muito bem da gente, conversam bastante, dão força e muito apoio”.

A aposentada Maria Gerusa da Silva Marques, moradora do Parque João Ramalho, em Santo André, vai ainda mais longe ao revelar o poder que a fé exerce na cura de uma doença como a Covid. Ela também é evangélica e conta que, nos momentos mais graves, tinha a visão de que uma grande ave estava sempre a seu lado. “Eu ficava lá deitada e sempre via um pássaro, como se estivesse me dizendo ‘estou aqui contigo’. Fui melhorando e ele só desapareceu quando eu ia ter alta.” Ela acredita ter sido protegida diretamente pelo Espírito Santo.

Um alerta cada vez mais urgente aos jovens

Diante de tantos casos cada vez mais graves, a enfermeira Juliane Gentile Cherit, que trabalha no hospital de campanha Pedro Dell’Antonia, segura a emoção para fazer um apelo: “Deixa as festas para depois”. Ela demonstra preocupação especialmente com os mais jovens, que se julgam imunes ao novo coronavírus.

Desempenhando o papel de coordenadora, Juliane acompanha o aumento de pessoas internadas: “O hospital está lotado, as pessoas estão esgotadas física e mentalmente, tudo é motivo para chorar, para criar atrito – é muita gente chegando, 24 horas por dia acontecendo isso”.

E a angústia só cresce. Juliane conta que não consegue desligar nem quando vai para casa. Pensa nos pacientes, e se lembra de um em especial. “Será que ele vai estar lá amanhã? Será que deu certo o tratamento ou ele estará entubado?”. A enfermeira revela que o sentimento de estafa é generalizado. “Acho que todos <CF50>(os profissionais da saúde)</CF> estão com essa angústia e levam quando saem daqui. O pessoal da linha de frente está emocionalmente desestabilizado.” 

“O que pega hoje é a quantidade de pacientes jovens, de 20 até 50 anos. Isso pega muito para quem tem filho nessa faixa etária. Eles não param em casa, dizem que só vão até a padaria tomar um cafezinho com uma amiga; mas lá tem a pessoa que serve, o balcão em que você encosta, o caixa onde você vai pagar... E você pode vir parar aqui. E levar a doença pra sua família.”

A também enfermeira Michele Fonceca diz que, por mais que se bata na mesma tecla do pedido de cuidados, que nem são complicados, tem a sensação de que não é suficiente. “As pessoas acham que ‘se não aconteceu comigo, é só uma brincadeira’.” 

Parece que só vão tomar consciência do problema se sentirem o peso das consequências. O problema, ela lembra, é que uma vez que a doença chega no núcleo familiar “não leva só você – leva seu avô, sua avó...”

Os olhos da experimentada enfermeira se enchem de lágrimas para ir adiante: “Estamos tendo casos em crianças. A população precisa parar e pensar um pouco. Que ela esbarra em outras pessoas. Esbarra no amigo, na pessoa sentada do lado no ônibus, que serve o cafezinho; esbarra em todo lugar. É preciso se cuidar”.

“O mais triste é sair na rua e ver que a população não está preocupada”, lamenta o superintendente dos hospitais de campanha da Prefeitura de Santo André, Victor Chiavegato, chocado ao ver que muita gente não está sequer usando máscara. “Estão nas ruas brincando, se divertindo como se nada estivesse acontecendo. As pessoas não estão respeitando o lockdown. É preciso entender que lockdown não é pra levar os filhos para passear, andar sem máscara no parque. É um momento muito sério.”




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