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Tráfico e prostituição infantil estão aliados no submundo de S.Bernardo
Por Artur Rodrigues
Do Diário do Grande ABC
19/06/2005 | 08:49
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O fluxo de carros de luxo na rua João Basso, próxima ao Terminal Ferrazópolis, contrasta com o ambiente deteriorado do local. Os homens por trás do volante sabem muito bem o que querem: sexo barato, com menores de idade. São garotas e garotos que costumam deixar o lucro da noite no bolso do traficante mais próximo, a menos de cinco metros dali, da boca do lixo de São Bernardo.

Às margens do Terminal Ferrazópolis tudo parece ser movido a droga. Quem não tem dinheiro, paga com o corpo. E o corpo que vale menos ali é o de menores de idade, conhecidos popularmente nas redondezas como os noinhas. Discriminados entre os discriminados, os menores (na maioria meninas) e viciados cobram míseros R$ 20 por programa. Se o cliente pechinchar, ainda consegue um desconto. Oferta não vai faltar. Um ponto de ônibus chega a abrigar cerca de 12 garotos e garotas ao mesmo tempo.

Cátia (nome fictício), 15 anos, é uma delas. Chega de jaquetão até o joelho, cigarro na boca, jeito de menina. De repente se transforma. Passa batom, tira a jaqueta e mostra a blusa decotada. Pára no meio fio da João Basso. Espera a clientela chegar.

A poucos metros dois rapazes vendem cocaína, a R$ 10, e crack, a R$ 5. O paradeiro do depósito das drogas todo mundo que freqüenta ali sabe onde é. Uma pedra, debaixo de uma passarela, esconde o estoque da noite do microtraficante. O delegado seccional de São Bernardo, Marco Antônio de Paula Santos, explica a definição: "Microtraficante é aquele que não tem um fornecedor próprio. Ele pega um estoque pequeno só para vender na noite".

Acaba a espera da garota Cátia. Um Golf prata com insulfilm pára. Ela encosta no carro e oferece seus préstimos. Entra no veículo e segue para um entre vários hotéis na região que aceitam menores como clientes. Uma fonte, que preferiu não se identificar, diz que já há um acordo entre os menores que fazem programas e a hotelaria da boca do lixo. "Eles fingem que não vêem os menores e os menores trazem a clientela." Determinados taxistas também fazem parte do grupo de coniventes. Levam as meninas para comprar drogas e fazer os programas. Outros, porém, se recusam. Vai da consciência de cada um.

O Golf prata deixa Cátia na esquina da João Basso três horas depois. Mal desce do carro e um rapaz de boné levanta da calçada na direção da garota. Ela tira o dinheiro do bolso. O jovem tira a droga. Vai cada um para um lado. Outras meninas, e alguns rapazes, a seguem. O dinheiro da adolescente virou pó. É disso que a turma toda parece estar atrás. Nem ligam para os policiais militares que passam de moto.

Policiamento – O delegado seccional de São Bernardo, Marco Antônio de Paula Santos, afirma que é difícil combater a prostituição infantil ligada ao narcotráfico. "São meninas que saem de casa e vão se prostituir. Não identificamos um esquema armado. Se fossem identificados maiores de idade explorando essas meninas, ficaria mais fácil de acabar com esse problema, que não é só caso de polícia, é uma questão social." Santos acrescenta que, muitas vezes, as meninas acabam servindo de avião, vendendo pequenas quantidades de droga. "O problema é que essa é uma mão-de-obra de fácil reposição. Você prende um, aparece outro. Há cerca de três meses chegamos a fazer quatro prisões em 30 dias nessa região."

A solução, segundo o delegado, seria um policiamento ostensivo no local, que coibiria esse tipo de movimentação. O delegado Paul Henry Verduraz, do 6º DP de São Bernardo, responsável pela área do Ferrazópolis, afirma que agirá com mais rigor para combater a prostituição infantil no local. "O ideal seria um trabalho em conjunto com a Prefeitura e o Conselho Tutelar."

A assessoria de imprensa da Polícia Militar afirma que o Terminal Ferrazópolis é um ponto "sensível e prioritário" na rota das viaturas da corporação. Incidentes envolvendo tráfico e uso de drogas no local diminuíram 33% este ano, em comparação com o mesmo período de 2004, segundo a assessoria. A PM não forneceu dados sobre sua atuação em relação à prostituição infantil.

Estrutura – Enquanto a lei não se impõe, o submundo vai criando os seus próprios códigos. As adolescentes, por exemplo, sabem onde podem e onde não oferecer seus serviços sexuais. Podem na rua João Basso. Não podem na rua Marechal Deodoro, onde ficam as prostitutas maiores de idade, e nas ruas Caetano Zanella, Zelinda Zanella e Pedro Setti, ponto dos travestis.

"Menor de idade aqui não cola. Isso chama polícia", diz um travesti da Zelinda Zanella. Uma garota de programa da Marechal Deodoro explica porque menor de idade não faz ponto na sua área. "Porque a gente aqui trabalha sério e essas noinhas só ficam por aí usando drogas."

A estrutura social rígida surgiu com o tempo. Em 1996, reportagens do Diário citavam a presença de prostitutas no local. Uma outra, em 2003, já alertava para a prostituição infantil nos arredores do Ferrazópolis. Menores prostitutas tornaram-se maiores. Mães, viciadas e envolvidas com o tráfico de drogas. Apareceram novas meninas para satisfazer, talvez, os mesmos clientes.




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