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Juventude negra em ação consciente
Por Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
20/11/2010 | 07:05
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Na política, nas artes, nas ruas e comunidades. Jovens negros do Grande ABC encontraram diversas formas de militar pela igualdade racial. Hoje, Dia da Consciência Negra, o Diário traz histórias de vida e luta que são exemplos para a juventude da região, independentemente da cor da pele.

Aos 25 anos, óculos no rosto e cabelo que um dia já teve trancinhas, Leon Santos Padial escolheu a gerência de políticas para a igualdade racial de São Bernardo como forma de transmitir sua mensagem. Filho de mãe negra com pai branco, aprendeu em casa a valorizar sua cor. "Muitos que têm o mesmo tom de pele que eu não se declaram negros porque a sociedade os força a isso", lamenta. Leon acha que se criou no Brasil o mito da democracia racial, como se não houvesse preconceito. Na década de 1970, esse conceito começou a ser desconstruído por meio dos movimentos negros que eclodiram. "Tenho orgulho de ser herdeiro desse debate", diz.

O que não significa que ele não tenha sofrido preconceitos. Antes de chegar ao cargo político que atualmente ocupa, foi enquadrado pela polícia, barrado na faculdade e preterido em entrevistas de emprego. Certa vez, uma professora do Ensino Médio debatia com ele a questão da raça. A discussão se encerrou com a frase da qual ele não se esquece: "Você não pode ser negro, porque é meu melhor aluno de redação".

O jovem faz parte de um momento histórico em que o Estado reconhece a necessidade de promover políticas de igualdade racial para combater estereótipos desse tipo. Com a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, em 2003, o governo federal acenou com a possibilidade de expandir as discussões para Estados e municípios.

Leon desempenha esse papel em São Bernardo, mas quer mais. "A discussão sobre a igualdade de raças não pode ser apenas um movimento da esquerda, que tem tradição nos debates. É preciso expandir esse diálogo de forma apartidária", diz. Essa é sua luta.

 

Enquanto Leon encontrou na política uma maneira de valorizar suas raízes, Ligia Rosa dos Santos dança para passar seu recado. Ela faz parte da Comunidade Negra do Campanário, localizada em Diadema, desde os 20 anos. Aos 32, usa a arte para mobilizar outros jovens, resgatando a cultura afro esquecida e escondida no passado. "Os jovens costumam consumir cultura que vem de fora, dos Estados Unidos e da Europa. O que fazemos por meio da dança é mostrar as raízes do País no qual eles nasceram e vivem."

Ligia vem de uma família de dançarinos. A mãe, Olinda Rosa dos Santos, 55 anos, ensinou as filhas a movimentar o corpo, e agora passa a lição aos netos, inclusive o pequeno Arthur, 5, filho de Ligia. "Se queremos mudar o preconceito, precisamos nos mostrar. A dança possibilita isso", garante Olinda. A filha mostra que aprendeu bem a lição. Os passos de Ligia são suaves mesmo ao caminhar.

Assim como Ligia, Daniela Oliveira também traz no corpo a marca de sua origem. A líder de políticas para a juventude do Negra Sim!, movimento de mulheres negras de Santo André, não tem vergonha de exibir tranças no cabelo e bijuterias coloridas. Daniela aceita sua cor e sabe valorizar seus traços. É esse discurso, entre tantos outros, que propõe para a juventude do Grande ABC. "As meninas precisam se aceitar", ensina.

Essa não é a única lição de Daniela, que representa a juventude negra em fóruns e debates nacionais e internacionais. "A conversa é sempre o melhor caminho. As comunidades precisam discutir questões como sexualidade, prevenção, abuso de drogas e álcool, entre outros temas que são de todos, não apenas de uma determinada raça", acredita.

 

 

Data comemorativa contesta a abolição da escravidão

A abolição da escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888, é considerada pelo movimento negro do Grande ABC uma data conservadora. O País teria passado por uma falsa abolição, sem a existência de políticas públicas para inserção dos negros na sociedade, o que produz reflexos visíveis nos dias atuais.

Nossa Pátria Mãe gentil foi a última do mundo a acabar com o trabalho escravo por meio da Lei Áurea, sancionada pela Princesa Isabel. Antes disso, um dos primeiros - e tímidos - passos foi a Lei do Ventre Livre, assinada em setembro de 1871. Para o gerente de políticas para igualdade racial de São Bernardo, Leon Santos Padial, libertar os filhos de mães escravas contribuiu para criar os primeiros meninos de rua do Brasil. "Os reflexos são vistos até hoje, nos meninos que trabalham nos semáforos, por exemplo", afirma.

Movimento semelhante aconteceu com a Lei dos Sexagenários, que dava liberdade aos negros de mais de 65 anos. "A média de vida de um escravo era de 45 anos. Pouquíssimos passavam dos 60, e aqueles que chegavam, eram libertados e se tornavam andarilhos, mendigos, pois não tinham mais forças para trabalhar", avalia. Para Leon, comemorar o Dia da Consciência Negra é uma forma de resgatar a cultura e o orgulho do negro por sua raça, mas também um meio de promover o debate inter-racial.

A data de hoje foi escolhida por coincidir com a morte de Zumbi dos Palmares, líder de um dos maiores quilombos do tempo da escravidão no Brasil. "Os brancos não podem continuar se vendo como o grupo dominante. Temos de entender que somos todos iguais. A ideia de Zumbi era exatamente essa. Tanto que Palmares não acolhia apenas negros, mas todos que estivessem em situação de risco social", ensina. (CG)




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