Política Titulo Entrevista da semana
‘OAB tinha de diminuir, não aumentar tensão’
Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
20/09/2021 | 00:01
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André Henriques / DGABC


Pré-candidato à presidência da OAB paulista, Leonardo Sica avalia que a Ordem, em âmbito nacional, tem colaborado para acirrar o ambiente de tensão política, que recentemente viu episódio de desafio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) às ordens aplicadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Na visão de Sica, o papel da instituição seria de amenizar o clima bélico para que o País volte a discutir seus problemas reais. Em entrevista ao Diário, o postulante prega que haja debate sobre o desempenho do Poder Judiciário brasileiro e cita que não é bom sinal saber quem são os 11 ministros do STF e não os 11 titulares da Seleção Brasileira de futebol.

Como o sr. avalia os discursos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em manifestações a seu favor no dia 7 de Setembro?
Desde 2012, a gente vem enfrentando questionamentos sérios sobre a democracia. É mundial. Nos interessa ver a ótica no Brasil. Enfrentamos questionamentos de diversas ordens e as instituições brasileiras vêm dando respostas confusas. Todas elas. O Executivo, Legislativo, Judiciário. Elas não se afinam no sentido do que é importante, que é defender as instituições e não atacá-las. Serenar ânimos, não acirrá-los. Dialogar, não atacar. A gente tem momento institucional muito turbulento, visível isso. Faltam pessoas e espaços de arrefecimento, de diálogo. A OAB é uma das instituições que poderiam fazer esse papel de mediador das tensões políticas, como já fez em outros momentos da história. A gente precisa sair da polarização sem caminhar para a omissão. Precisamos caminhar sem ter de participar do debate polarizado, escolher um lado ou outro, o que é péssimo, ou por não escolher um lado o outro, se omitir. Precisamos de instituições e pessoas que participem do debate, que consigam participar sem aderir ao Fla-Flu, mas tomando posicionamentos firmes, republicanos e apartidários.

O sr. vislumbra qual caminho a ser adotado para abaixar a fervura do clima político?
Tenho humildade em dizer que não tenho esse caminho. A gente precisa serenar ânimos, tentar não transformar tudo em ambiente eleitoral. Todas as discussões hoje parecem eleitorais e eleitoreiras. Um dos institutos que prejudicam é a reeleição, que condiciona muito o ambiente para se tornar constantemente eleitoral. Temos mandatários constantemente em campanha. Temos de discutir isso. Discutir o papel do Supremo Tribunal Federal. Não tem problema discutir isso, desde que seja o discutir sem atacar. Claro que a instituição precisa ser melhorada. Como profissionais do Direito podem colaborar com isso? Os advogados, em geral, participaram no Brasil e no planeta no desenho do mundo que vivemos. Esse mundo, as normas, as instituições, foram constituídos por advogados. Temos de dar colaboração ligada a nossas competências. Sobre o STF, o que precisamos discutir? O foro privilegiado, a prerrogativa de função, um debate que se perdeu, mas precisa ser retomado. O foro privilegiado, estou convencido disso, é uma das grandes causas (de problema) que o Supremo Tribunal Federal enfrenta. Tem competência muito alargada, criminal especificamente. Até onde o Supremo pode interferir em políticas públicas? Até outro dia o Supremo iria decidir se iria ter Copa América no Brasil. Não tem coisa errada o Judiciário discutir se terá Copa América de futebol? Para cada poder, procurar cumprir suas obrigações constitucionais. É um discurso que todo mundo fala, mas entender na realidade o que é isso. Sair desse discurso e ambiente que é dominado hoje em dia por fake news ou falsa polêmica. O voto impresso é uma falsa polêmica, não é algo relevante no Brasil. Os profissionais de Direito podem falar disso, o quanto o sistema eleitoral brasileiro é confiável, em que pese possa ser melhorado sempre. Temos uma inflação alta e vamos discutir se vamos imprimir o voto? É um discurso desconectado da realidade. O presidente do Supremo (Luiz Fux) e o presidente da Câmara (Arthur Lira), de forma ajustadas, usaram muito a expressão do Brasil real. Um pouco de olhar o Brasil real é isso. É tentar sair de polêmicas que servem mais para animar torcidas, cada um tentando animar as próprias torcidas, e deixando de olhar para o que importa de verdade. Os profissionais do Direito precisam entender em qual quadrado podem ajudar, e são muitos, porque muita coisa é decidida no campo da Justiça, e assumir a função de profissionais mediadores da sociedade civil, algo da natureza do advogado.

O impeachment do presidente reduziria essa tensão?
Não sei dizer se o processo de impeachment baixa ou sobe essa temperatura. Podem acontecer as duas coisas. Acho que os pedidos de impeachment que existem na Câmara deveriam ser analisados. Se há pedidos fundamentados, eles precisam ser analisados pelo juiz natural, que é o Congresso. Tem de dar a chance de quem fez o pedido falar, de quem é acusado responder. O debate público dentro das regras do jogo é a melhor opção do que o não debate. O impeachment sempre é ruim para o País, em qualquer hipótese. Claro que há determinados momentos em que ele é a saída legal apontada, mas é ruim afastar um presidente eleito por voto direto. Tem sido ruim sempre. Poder chegar a uma marca de 32 anos termos três presidentes afastados por impeachment não é muito louvável em nenhuma democracia. Mas acho necessário que os pedidos sejam analisados, que tramitem.

É possível a pacificação sem ruptura institucional?
Eu acredito sempre no diálogo, embora a gente tenha na Presidência da República pouca propensão ao diálogo. Mas volto a falar que nosso papel é insistir no diálogo público e regrado.

Como o sr. vê o papel da OAB em meio a esse debate?
Acho que falta fazer mais. O espaço da OAB é privilegiado no Brasil. Não tem outra instituição como a OAB no Brasil. Não é pública nem privada. Está no meio dos dois. Foi colocada pela história em local que tem de ser honrado. A gente tem hoje na presidência nacional da OAB um presidente (Felipe Santa Cruz) que acirra e polariza o debate com o presidente da República. Ele colabora para acirrar ânimos. Sem fazer juízo de valor com as posições dele, que podem ser certas ou erradas. Acho que o papel de serenar ânimos e tentar sustentar o diálogo poderia ser mais produtivo e condizente com a história da OAB no Brasil. Não que não tenhamos de fazer o enfrentamento, mas no caso da OAB nacional é um acirramento com tendências partidárias, porque o presidente nacional da OAB faz política no Estado do Rio de Janeiro. É esse o problema que ele leva à OAB. Se a OAB vê crimes praticados por governantes tem de denunciar, a partir desse enfoque, não de enfoque partidário.

O mesmo se aplica à OAB em São Paulo?
Não vejo postura. Não há posição. Em São Paulo vejo uma não posição. Não há manifestação, não há presença. Em São Paulo temos ausência nos debates, no momento.

Há um tabu sobre debate do papel do Poder Judiciário, mas casos polêmicos envolvendo o setor têm crescido. É hora de discutir o Judiciário no País?
O Poder Judiciário é o menos transparente dos três e o menos submetidos aos controles públicos. Está exatamente na hora de o Judiciário entender que precisa dar essa contrapartida. É um poder estruturado, bem remunerado, mas que presta serviço público. Juiz é um prestador de serviço público. Eles precisam entender que têm de passar por esse escrutínio. Na Bahia alguns juízes demandaram e conseguiram no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) pedido para dar aula durante o expediente. É um privilégio justificado? Durante o expediente o juiz tinha de distribuir o Direito. Precisam, sim, aceitar a discussão do papel deles como prestadores de serviço. Precisam olhar para o usuário, que são os advogados.

Isso vale para o Supremo?
É discussão mais ampla. O Supremo está em uma situação controvertida porque ele mesmo se colocou. Há anos assistimos a ministros batendo boca no plenário, desde o Mensalão quando o Joaquim Barbosa falou que o Gilmar Mendes mantinha jagunços. Ministro desautorizando as próprias decisões. E um não apreço a uma regra de autocontenção. O Supremo se prestou a decidir muitas matérias que talvez não tivesse de decidir e agora paga o preço. A gente quando está na faculdade aprende que o juiz fala nos autos. Talvez eles tenham de voltar a falar nos autos. Quando eu era jovem, eu sabia os 11 jogadores da Seleção Brasileira. Hoje a gente não sabe quem joga na Seleção, mas sabe os 11 ministros do Supremo. Acho que há algo errado nisso.

Na outra eleição que o sr. concorreu na OAB, atingiu boa votação na Capital, mas sofreu dura derrota no Interior, fato que pesou decisivamente para a vitória de Caio Augusto Silva dos Santos. Qual estratégia adotada para reverter esse cenário?
Na outra eleição a gente fez candidatura organizada a partir daquele ano, em 2018, e faltou uma relação mais próxima com o Interior. Mesmo. O Estado de São Paulo é muito grande e a gente precisava de tempo e espaços para percorrer o Interior. Fizemos isso nos últimos anos. Criamos relação mais próxima com a advocacia do Interior, para conhecer melhor as realidades do Estado, que são muito diversas. Algo que é muito difícil, em especial no começo, mas a gente está aprofundando a relação com viagens, pé na estrada, com conversas, com eventos on-line nos ajudou muito. Fazemos bastante discussão com colegas do Interior, lives semanais. Basicamente o que precisávamos mesmo é ter aproximação com advocacia do Interior, algo que buscamos.

E como dialogar com os advogados do Interior, uma região que ainda é muito próxima do atual presidente?
A gente acredita na advocacia sem fronteiras. A advocacia tem problemas complexos e universais. A solução dos problemas dos advogados de Santo André muitas vezes servem para os advogados de Presidente Prudente. Servem para conectar, não separar. Não faz mais sentido essa divisão. Fazia sentido no Brasil rural. Hoje em dia nem entre Estados faz sentido. Os advogados das bordas de São Paulo advogam no Paraná, em Minas Gerais. Esse regionalismo em 2021 não faz mais sentido, especialmente para uma profissão que se digitalizou. Posso trabalhar em um processo no Mato Grosso, no Rio Grande do Sul ou em São José do Rio Preto da mesma maneira. Os advogados estão fazendo isso. É a atual realidade da advocacia, profissão sem fronteiras. Profissão digitalizada, com problemas amplos, há demanda por trabalho do advogado em todos os lugares. Queremos levar as soluções de um lugar para o outro.  

RAIO-X

Nome: Leonardo Sica

Estado civil: Casado

Idade: 46 anos

Local de nascimento: Mogi das Cruzes e mora em São Paulo

Formação: Direito na USP e mestre e doutor em Direito Penal, pela USP

Hobby: Passar tempo com os filhos e ler romances

Local predileto: Minha casa

Livro que recomenda: Mulheres de Cinzas, de Miá Couto

Artista que marcou sua vida: Nelson Mandela

Profissão: Advogado




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