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'Doze Homens e Outro Segredo': outro acerto
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
24/12/2004 | 11:28
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Apesar da atmosfera de filme de propaganda da lei de Gérson, Onze Homens e um Segredo talvez seja a grande obra sobre a qual Steven Soderbergh tenha deitado seu nome. Bem, melhor reconsiderar, porque o diretor assina também o novo Doze Homens e Outro Segredo, que estréia nesta sexta-feira em cinco salas da região. Este é seqüência daquele e tão bom quanto.

O que Doze Homens herdou de Onze Homens, o remake do filme homônimo de Lewis Milestone que trazia à cena o Rat Pack (grupo com Frank Sinatra, Dean Martin, Peter Lawford e Sammy Davis Jr.)? A começar, um elenco que contém mais estrelas que a primeira fila da cerimônia do Oscar: George Clooney, Brad Pitt, Julia Roberts, Andy Garcia, Matt Damon, Don Cheadle, Bernie Mac, Carl Reiner e Elliott Gould; além de caçulas da continuação, como Catherine Zeta-Jones, Bruce Willis e Vincent Cassel.

De sobra, o prejuízo de US$ 160 milhões que o dono de cassino Terry Benedict (Garcia) amargou depois que Danny Ocean (Clooney), Rusty Ryan (Pitt) e mais uma patota de ladrões boa-pinta esvaziaram seu cofre. O dinheiro foi ressarcido pelo seguro; já a honra e a respeitabilidade do dono do cassino, maculadas no assalto milionário, não há apólice no mundo que pague. A abertura de Doze Homens, tão bem filmada no seu jogo de hipóteses e destinos, é justamente o ato de Benedict ir de porta em porta a cobrar seus devedores – sobretudo Ocean, que lhe usurpou também a mulher, Tess (Julia).

O credor, para constranger ainda mais os inadimplentes, estipula juros que quase dobram o valor. Uns compraram hotel, outros torraram seus dividendos com mulheres e vida mansa, e houve até quem não tenha subtraído um tostão do bolo. Entretanto, a grana encurtou e os comparsas de Ocean partem para a Europa para tentar um novo golpe que possa anular a dívida. A sugestão de cruzar o Atlântico é de Rusty, que viveu na Europa durante um tempo, até romper seu romance com a policial Isabel (Catherine), por incompatibilidade, não de gênios, mas de ofícios.

O circo está armado para Soderbergh, que aproveita os torrões de charme, cinismo, humor pingue-pongue e o entrosamento que esse elenco pode lhe proporcionar. Melhor: codifica para o vocabulário audiovisual, com cortes e movimentos de câmera na medida e providenciais recursos como os congelamentos de cena, a matreirice do grupo de ladrões.

Doze Homens, qual seu antecessor, procura a arte como espontaneidade, um cinema infectado pelo brainstorm das personalidades de seus realizadores (elenco e equipe). O filme obedece assim uma hierarquia da narrativa, baseada não na rigidez, mas no contágio; a mise-en-scène de Soderbergh parece derivar do suposto bom relacionamento de seus atores. Enfim, uma piada interna que Soderbergh torna compreensível para os alienígenas – os espectadores, no caso. E não há desordem ou pressa nesse processo de absorção, porque o diretor, conforme afirma poeticamente na reviravolta final da fita, prefere arquitetura ao acaso.

Doze Homens e Outro Segredo prova de uma vez que Steven Soderbergh parece mais apto à espontaneidade que à solenidade. Por insistir em invencionices, no afã de fazer com que elas demonstrem seu ponto de vista como esteta e artista, mostrou-se até agora inadequado a um temário dito mais complexo, mais adulto. Ou seja, não caíram bem suas abordagens supostamente mais sérias para retratar, por exemplo, a solenidade da sociopolítica do narcotráfico (Traffic), a solenidade do feminismo e do ambientalismo (Erin Brockovich), a solenidade da metalinguagem (Full Frontal).

Na nova comédia, persistem a agilidade e o charme de Onze Homens e um Segredo. Em suma, sua espontaneidade. Cadê a novidade, então? Ei-la na decisão de Soderbergh fazer deste Doze Homens uma crônica sobre a vaidade, talvez a mais bem-humorada e elegante que já se viu.

A esperteza era o substantivo de ordem no primeiro filme. O desbotar dessa esperteza, três anos depois com as rugas e o comodismo correlatos, compõe o quadro do segundo, cuja palavra forte é a jactância. Senão, vejamos: Danny Ocean se apavora ao saber que aparenta os 50 anos que viveu, e não a jovialidade que imaginava exibir; um comparsa da quadrilha, metrossexual, é preso numa sessão de manicure; o arquirrival Benedict corre atrás da credibilidade sabotada.

O relatório sobre a vaidade não pára por aí. Por exemplo, o novo antagonista, um ladrão chamado Raposa Noturna (Cassel), desafia o bando de Ocean por orgulho, apenas para provar que ele é o maior e mais ligeiro larápio da história. O que dizer então da cena em que a mocinha Tess, para finalizar um roubo, com a ajuda de Bruce Willis no papel dele mesmo, finge ser uma outra pessoa com quem todos dizem ser parecida? Melhor não desmanchar a surpresa sobre a identidade que a personagem assume, mas dá para dizer que a cena sintetiza o cinismo, o charme e o tripúdio da vaidade que Soderbergh cola aos mitos, sejam eles heróis, anti-heróis, estrelas de cinema ou ladrões-canastrões. O viço do cineasta está renovado em Doze Homens e Outro Segredo; bem, pelo menos até que ele invente rodar um filme sobre a extinção dos sagüis de dorso amarelo, só pela solenidade do tema.




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