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Negro é breque de camburão
Por Fabio Berlinga
Do Diário do Grande ABC
11/11/2006 | 19:04
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O carro da polícia pára em frente à casa do ambulante Rodrigo Marques Moreira, negro, 26 anos. “Encosta ali, por favor”, diz um dos policiais. “Me deixa ver o que tem nessa sacola.” Após ver que só havia doces e balas, justifica: “Achei que fosse droga”.

Levar geral da polícia é rotina na vida de muitos jovens negros. “A última vez foi hoje de manhã. Estava saindo de casa com a sacola de balas, pra vender no trem e eles (os policiais) me pararam em frente de casa. Olharam a sacola com balas que vendo no trem, me pediram os documentos e foram embora. Já perdi a conta de quantas vezes fui parado”, conta Moreira. É o que os negros intitularam de breque de camburão.

“É sempre a mesma desculpa: ‘Tem um suspeito parecido com você’. Tem um amigo meu, da mesma idade que eu, branco, que nunca tinha tomado uma geral. Em três meses, desde que começou a andar comigo, já foi revistado duas vezes”, relata Wiliam de Souza, músico e técnico em enfermagem de 29 anos.

Ele diz que a freqüência das abordagens é tão grande que alguns PMs já o reconhecem. “Às vezes, no caminho da balada eles me revistavam. Aí chegavam em algum bar em que eu estava tocando e vinham conversar comigo.”

Para Souza, que afirma já ter sido parado mais de 20 vezes, pior do que as abordagens constantes é a truculência dos policiais. “No carro ou a pé, invariavelmente, já descem da viatura armados, mandando colocar as mãos na cabeça antes de pedir documentos ou qualquer coisa”, reclama.

Uma pesquisa feita em 2003, no Rio de Janeiro, pela Science, (Sociedade Científica da Escola Nacional de Ciências e Estatísticas) entrevistou 2.250 pessoas. O estudo indicou que 55% dos jovens que se autodeclararam negros já foram revistados pela polícia. Entre jovens brancos, a porcentagem cai para 32%.

Para a advogada Heleni de Paiva, mestra em segurança pública, “a discriminação está no DNA da instituição. É uma polícia com uma história calcada na discriminação, que vem da tradição ibérica, portuguesa, que foi, em parte, criada para buscar negros fugitivos”, explica.

“A abordagem deveria ser igual para todos. Mas, em grupo de cinco pessoas, se um é negro, é ele quem vai ser revistado. Muitas vezes por um policial negro.”

Ela conta, porém, que existem iniciativas para diminuir o problema. Em 2005, por meio de uma parceria entre a PM e a USP (Universidade de São Paulo), ela deu palestras para formação de soldados. O objetivo era ensinar aos futuros policiais como lidar com a questão da diversidade étnica e direitos humanos. “Acredito que aos poucos a situação está sendo amenizada, mas ainda tem chão para acabar com o problema”, afirma.

Uma comissão formada por integrantes dos movimentos de defesa da igualdade racial de Santo André quer ir mais longe. A idéia é propor que durante a formação do policial, sejam incluídas discipilinas que enfoquem a questão racial. “Ainda é só uma idéia, mas é importante que a polícia comece a ver o negro como um cidadão e não como um suspeito”, argumenta Jorge Dutra, coordenador do Projeto Avança Comunidade.

A Polícia Militar de São Paulo confirma que não há orientação específica para o tratamento em relação ao negro. Mas nega que haja discriminação. Argumenta que há muitos policiais negros e que as abordagens são feitas de acordo com a atitude e não com a aparência ou cor da pele.

A definição de atitude suspeita, porém, é vaga. Depende da reação da pessoa ao ver um carro de polícia, descrições de suspeitos, entre outras.




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