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'Meu Nome É Dindi' é mergulho na subjetividade
07/11/2008 | 07:02
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É um daqueles filmes especiais, que exigem do público certa superação de preconceitos. Em especial aqueles em relação às produções de fato independentes (são poucas) e a certa quebra do pacto realista, essa verossimilhança dada de barato, por exemplo, na ficção televisiva. Meu Nome É Dindi, de Bruno Safadi, vai por outros caminhos.

Quais? Bem, Safadi, que estréia na realização de longas-metragens, é muito ligado a Julio Bressane e a todo um cinema que lhe é afim, como o de Rogério Sganzerla. Esse é um cinema não realista, que trabalha muito com o deslocamento de sentidos, com um simbolismo poético, que pode - e deve - surpreender. Sua força vem daí. Mas é também o que o torna pouco propenso ao sucesso popular.

Dessas afinidades, Safadi, embora trabalhe em universo muito pessoal, tira algumas referências e inspirações. Realiza um trabalho apurado com a imagem, em planos muito elaborados e longos. A beleza visual do filme é inegável. E há surpresas também na história. Esse enredo tão singelo da moça Dindi (Djin Sganzerla, filha de Rogério), dona de uma pequena quitanda, que vive assediada por fantasmas tanto reais quanto imaginários.

Uma dessas assombrações reais é o brutamontes que tenta se aproveitar dela, o açougueiro vivido por Carlos Mossy, rei das pornochanchadas. Esses personagens, e atores, são todos significativos no trabalho de Safadi. Djin, filha do ícone Sganzerla; Mossy, das pornochanchadas. O ar transgressivo da Boca do Lixo, a liberdade e a alegria de filmar, a irreverência, mas aqui, um dado pessoal, destoante de uma ‘poética' geral da Boca: uma delicadeza no trato da personagem que chega ao lirismo em determinados momentos.

O que não quer dizer que Safadi não esteja atento à presença do misterioso e mesmo do grotesco. E faça essas quebras às vezes de maneira brusca, o que não chega a ser um ‘defeito de fabricação', como poderia classificar uma crítica mais conservadora. Apenas que ele atenta para a irrupção do fantástico na normalidade cotidiana, o que se dá mesmo sob a forma de ruptura. Trata-se de um recurso, não de uma limitação; basta estar familiarizado já não digo com o cinema, mas com a literatura fantástica (vide Cortázar, por exemplo) para saber disso.
Nas poucas apresentações anteriores do filme, essas opções do diretor têm sido vistas como carências. Por sorte, ele teve um júri compreensível em Tiradentes (MG), no ano passado, e acabou ganhando o prêmio principal na mostra de diretores estreantes em longas-metragens.

INTOLERÂNCIA
Mas é uma recepção rara. As pessoas exigem do cinema contemporâneo algo que o público obtinha da literatura do século 19. Ou seja, existe uma intolerância para com a evolução dessa arte. As relações de causa e efeito não podem ser invertidas, a cronologia tem de ser respeitada em linha reta, como se de lá para cá não houvesse aparecido um Joyce na literatura, ou um Godard no cinema, para ficar nos casos óbvios.
Bruno Safadi está apenas iniciando um caminho e por isso não se pode (e nem seria razoável) exigir dele o controle da ‘não-narrativa' que exibe Bressane, autor no apogeu de sua carreira.

Mas, enfim, descontado o noviciado, é possível ver Dindi como um filme de maneira nenhuma perfeito, ou sequer próximo disso, mas bastante inspirado. Obra muito interessante, com um toque poético notável. E, vendo dessa maneira, não há por que tachá-lo de hermético ou coisa que o valha. É um exercício de poética visual, mas que tem tudo a ver com o funcionamento do psiquismo de sua personagem.

Dindi tenta manter sua quitanda, que pertence à família há três gerações. Tem dívidas. Em especial com o açougueiro grosseirão e lascivo vivido por Mossy. Nesse mundo obscuro, encontra um rapaz, interpretado por Gustavo Falcão. Há algumas cenas dos dois na praia que são de um romantismo sensual exacerbado. E talvez no que seja o grande momento do filme, a praia também é palco do aparecimento dos fantasmas do passado da moça.

Se desistirmos de pensar que tudo se passa na ‘realidade' (mas que realidade é essa, construída pelo filme?), E admitirmos que real é a subjetividade da personagem, então a história parecerá cristalina. Inclusive em seu desfecho, surpreendente e que fecha a narrativa com um ciclo terminado. Vale a experiência desse filme que deve ser encarado como uma viagem. Como se sabe, só curte a viagem quem está aberto a imprevistos. Quem quer rotina, fica em casa.




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