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Pobre Mesopotâmia

O grande chefe mandou seus aviões ao Iraque...

Por Rodolfo de Souza
17/08/2014 | 07:00
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O grande chefe mandou seus aviões ao Iraque. Tenciona, segundo informou, acabar com a pose de um grupo islâmico que promove o terror na região, fazendo sofrer mulheres, criancinhas e idosos indefesos.

Na TV fala eloquente, cheio de muito orgulho norte-americano, de sua preocupação com as pessoas que, embora se encontrem numa remota localidade nos confins do planeta, bem distante de sua confortável casa toda branca, ainda são capazes de lhe roubar o sono. Seu grande coração de ouro, afinal, não suporta presenciar de braços cruzados o sofrimento alheio. Por isso, antes de despejar bombas nas cabeças daquele povo, deixou cair também provisões para que este não morresse com fome e sede. Garantiu, todavia, que não há com o que se afligir: o equipamento é novinho e moderno o suficiente para acertar só o inimigo, quando promove nos céus o show pirotécnico. Revela ainda, o líder, que enquanto a grande nação puder, há de continuar na defesa implacável dos mais frágeis, dos necessitados e oprimidos. Coisa de super-herói!

Agora mesmo, enquanto o assisto, a emoção e a empolgação me impedem de pensar com clareza, sobretudo, quando imagino diante da esquadrilha o fabuloso hollywoodiano Capitão América, lançando seu escudo arrebatador a ponto de fazer Saddam se revirar de susto na tumba fria.

A empáfia, largamente esbanjada no discurso do chefe, inclusive, torna marejados os olhos do mundo mortal que, distraído como é, não andava a par da tirania do tal grupo e o considerou merecedor de uma pisa.

Mas a declaração do líder, um tanto carregada de virtude, foi o que bastou para que eu passasse longo tempo ali, embevecido diante do jornal, refletindo acerca daquelas palavras tão bem pronunciadas por um ser humano como eu, dotado, contudo, de altíssimo poder de persuasão e outros poderes dignos somente de quem habita o Olimpo.

Fiquei, pois, comovido como o diabo ao constatar lívido que nem Madre Teresa seria capaz de tamanho gesto de solidariedade. Mesmo porque era conhecedora das falcatruas políticas deste circo e não demonstrava lá muita afinidade com a coisa.
Entretanto, verdade seja dita, tão vasto e nobre sentimento humanitário não se restringe a uma única missão para a qual a mídia dedicou poucas palavras. O homem é igualmente generoso com outras nações não tão carentes, mas que dele necessitam para planejar e executar suas incursões em território alheio e roubar a paz de seus habitantes. Situação bastante compreensível, tendo em vista que fazer guerra custa muito caro e dinheiro não cai do céu. Só bombas.

Mas o grande chefe faz tudo pelo amor entre as pessoas, sem um fiapo sequer de interesse político. Assim como outrora seu antecessor branco, resplandecente de justiça, contou ao mundo que o ditador do Iraque dispunha de armas químicas e biológicas e que era imprescindível tomá-las dele. Soube-se logo, porém, que o conto da carochinha foi recurso utilizado pelo então presidente somente para destituir do cargo o caudilho e fincar a bandeira listrada no seu território. Deu com os burros n’água, afinal. Torrou rios de dinheiro, matou alguns milhares de soldados conterrâneos e não levou a mercadoria, objeto de seu desejo. Tudo o que conseguiu, pois, foi mergulhar o país das 1.001 noites no caos do qual nunca mais saiu. Dividiu-se, espatifou-se.

Pobre Mesopotâmia!

Rodolfo de Souza nasceu e mora em Santo André. É professor e autor do blog cafeecronicas.wordpress.com

E-mail para esta coluna: souza.rodolfo@hotmail.com. 




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