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Esqueceram do ‘blind'

A preocupação em não se pronunciar a palavra cego tem sido nos últimos tempos objeto de muitas de minhas colunas

Por Carlos Ferrari
18/08/2010 | 00:00
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A preocupação em não se pronunciar a palavra cego tem sido nos últimos tempos objeto de muitas de minhas colunas, já que isso geralmente é pensado como forma de oferecer melhor serviço ou criar melhor interlocução com aquele que não vê. Assim, para muitas empresas e profissionais, o simples fato de tratar alguém por cego pode se configurar em uma agressão ou mesmo em jeito constrangedor de se referir ao cliente. Delta Vitor, DV ou somente blind tem sido as opções que tenho visto por aí, quando a coisa me diz respeito.

A preocupação com a terminologia, em minha opinião desnecessária, já que somos cegos mesmos, e em português, deveria vir também a melhoria na qualidade de atendimento como um todo. Quando lutamos por acessibilidade, hoje felizmente assegurada por lei, não é apenas de adequações arquitetônicas que estamos tratando.

Também se faz necessário a readequação de comportamentos e atitudes, tornando acessível os serviços e as relações sociais.

Recentemente um amigo em conexão de vôo internacional foi esquecido no Rio de Janeiro. Seria cômico se não fosse trágico. Os funcionários, assustados com o erro que haviam acabado de cometer anunciavam pelo rádio que esqueceram do blind.

Não haviam esquecido então que não podia dizer cego. O blind estava internalizado em seu kit mental de boas maneiras. O atendimento, porém, infelizmente não foi modelado e trabalhado em sua amplitude com aqueles colaboradores.

Correndo, estressados, pressionados pela a loucura do dia a dia da profissão, muitas das vezes não são eles os culpados diretos pelas inúmeras falhas dos serviços. As companhias aéreas encaram tudo e todos como prioridades. Cliente com cartões das mais diversas cores e status, pessoas da melhor idade, pessoas com deficiência, gestantes, enfim; para estabelecer prioridades hoje em dia acaba-se não tendo nenhum critério.

O blind esquecido não recebeu qualquer indenização pelos transtornos e constrangimentos sofridos. Em uma conexão que seguia onze horas de vôo o jeito foi esperar a realocação em outra aeronave.

O que chamou a atenção além do absurdo já posto foi o posicionamento de um dos gerentes responsáveis. Ele disse que o blind estava sendo injusto, pois estavam fazendo de tudo para ajudá-lo.

No Brasil ainda confundem ajuda com direito. Apesar de ser cego, opa, blind, o cliente pagou a passagem, recolheu seus impostos e deveria ser tratado com o mesmo respeito que qualquer outro usuário da companhia.

Oferecer um suporte de qualidade então não se configura em nenhum favor da empresa, mas uma dentre tantas outras obrigações que sempre são indevidamente descumpridas.




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