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‘O BRT já destruiu muitas regiões'
Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
12/08/2019 | 07:00
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André Henriques/DGABC


O presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Grande ABC, Luiz Augusto Moretti, avalia que a decisão do governo do Estado em escolher o BRT (sigla em inglês para sistema de transporte rápido por ônibus) para a construção da Linha 18-Bronze do Metrô foi baseada em motivos políticos, e não técnicos. “Tecnicamente, a solução é o monotrilho”, defendeu. Segundo Moretti, a Avenida Santo Amaro, na Capital, é exemplo do resultado de se investir em corredores semelhantes ao que vai ser instalado no Grande ABC. “Hoje não existe nem comércio naquela região. Não é boa para o automóvel, porque o trânsito é terrível; não é boa para o comércio, além de deixar a região muito feia.”

Qual a trajetória do senhor dentro da engenharia?

Formei-me em matemática em 1972 e em engenharia em 1976, na FEI (Centro Universitário Fundação Educacional Inaciana), e ingressei na associação em 1980. Fui presidente em 1981 e 1982. Na engenharia, a minha atuação foi mais na área automobilística. Trabalhei na Ford por 15 anos. Morei nos Estados Unidos e voltei a atuar no Brasil em 2006, participando do Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo)</CF> e da associação. Retornei à presidência da entidade de 2009 a 2014, e meu atual mandato começou em 2018 e segue até 2023.

Quais são os principais objetivos da associação?

Atualizar os currículos dos profissionais da região através de cursos, palestras, eventos técnicos. Promover networking, porque é aqui que eles se encontram, trocam informações, conhecem empresas que precisam de profissionais dessa área.

A associação defendeu abertamente que a Linha 18-Bronze do Metrô fosse implantada na região por meio do monotrilho. Como receberam o anúncio do governo do Estado de que o modal será o BRT?

Uma notícia péssima. Porque não foi utilizado nenhum recurso técnico para isso. Estive recentemente em um evento em Olímpia, no Interior de São Paulo, com o vice-governador (Rodrigo Garcia-DEM), que é técnico. O governador (João Doria-PSDB) também esteve de passagem e, conversando com ele rapidamente, ele concorda plenamente que o apelo das decisões tem que ser técnico. Nós não podemos mudar de ideia porque politicamente interessa vender ônibus e por isso vamos prejudicar a região toda. Tecnicamente, a solução é o monotrilho. Nós vamos continuar defendendo essa ideia. O BRT já destruiu muitas regiões, inclusive em São Paulo. Cito o exemplo da Avenida Santo Amaro, que já foi como a Avenida Ibirapuera, um lugar gostoso de se caminhar, hoje não existe nem comércio naquela região. É terrível, porque o ônibus passa no meio, você tem uma calçada mais estreita do que deveria. Não é boa para o automóvel, não é boa para o comércio, além de deixar a região muito feia. 

O senhor acha que a decisão ainda pode ser revertida?

Politicamente a gente sabe que é muito difícil. Mas a gente vai continuar trabalhando e o que a gente quer é que não exista decisão política em cima de uma situação como essa, que inclusive vai implicar em uma contrapartida financeira. A empresa que já gastou muito, fez todo um investimento para construir o monotrilho (Consórcio Vem ABC, que ganhou a licitação em 2014 para construir, por meio de parceria público-privada, a Linha 18-Bronze), vai ter que ser ressarcida. Eles falam em R$ 50 milhões a receber. Então, além de mudar para um modal pior, vamos pagar esse valor para uma empresa que estava indo no caminho certo.

Quais são os principais prejuízos para a região?

A funcionalidade não é igual, a beleza das cidades vai ser afetada. O comércio da região não vai poder ser utilizado, como a gente já tem o exemplo da Avenida Santo Amaro. Perde-se o estacionamento em todo o trajeto da linha do BRT, então não vamos ter um comércio adequado. A parte de ruídos é muito pior, mais poluentes, poluições sonora, ambiental e visual, que nos afetam diariamente.

O senhor acha que ainda há tempo para algum tipo de diálogo com o governo do Estado sobre essa questão?

Nada é impossível. Com as ambições políticas que a gente imagina que o governador tenha, de vir a se candidatar a presidente da República, ele teria o apoio maciço da região se voltasse atrás e adotasse o monotrilho. Do contrário, será muito difícil ter algum apoio político da nossa população, porque foi vetado pelo governo do Estado. 

 

O Diário tem mostrado com frequência que equipamentos públicos como escolas municipais e estaduais e unidades de saúde não contam com AVCB (Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros). Quais são os riscos a que a população está exposta com a ausência desses documentos?

O risco é não ter controle de nada. A cada acidente que ocorre a gente fala, e na grande maioria dos casos, se houvesse o AVCB, esse risco seria muito menor. Não é impossível de acontecer, mas eu diria que mais de 90% dos riscos de acidentes são eliminados. Há preocupação com acessibilidade, saídas e entradas, acessos, rampas, extintores de incêndio nos lugares certos, tudo isso é definido com o AVCB. Evitaria acidentes em um percentual fantástico.

Por que é tão comum os equipamentos públicos não terem o AVCB em dia?

Porque é um documento difícil de ser tirado. Os prédios públicos, que em sua maioria são muito antigos, quando foram construídos não foram pensados com essa questão de segurança, muita coisa foi mudando ao longo do tempo. As adequações são difíceis e caras, mas não são impossíveis, a engenharia tem solução para tudo isso. Nós, enquanto associação, o Crea e a imprensa, como vocês têm feito, temos que cobrar. Todos têm que ter o AVCB, é um documento que, se não garante, auxilia a preservar a segurança do local.

Em março, o Grande ABC foi grandemente afetado por enchentes que causaram prejuízos e mataram dez pessoas. O que pode ser feito, do ponto de vista de melhoria da infraestrutura urbana, para resolver e/ou amenizar situações como essas?

É preciso diminuir a impermeabilidade das cidades. Porque as chuvas são as mesmas, de 20, 40 anos atrás. Chovia aqui na Vila Pires (Santo André), a água nem chegava até o Rio Tamanduateí. Hoje chega em três minutos, porque não tem mais área de escoamento. As prefeituras deveriam exigir que quando fosse feito um prédio, que o jardim fosse direto na terra, para haver escoamento. É um pouco mais caro? Sim. Se a gente tivesse isso, não haveria mais enchentes.

 

 

O Estado de São Paulo tem insistido no sistema de piscinões para o combate às enchentes. São Bernardo inaugura o Piscinão do Paço no dia 20, o governo estadual deu início ao processo de desapropriação para o Piscinão Jaboticabal. O senhor avalia que essa é a melhor maneira de enfrentar o problema?

Sendo inviável manter a permeabilidade, vamos fazer o piscinão. Mas temos outras soluções. Por que não canalizar essas águas em alguns locais e jogar direto na Represa Billings? Existe solução de engenharia para isso, o piscinão poderia ser 10% do tamanho atual. Um reservatório menor, que possa bombear a água para Billings, com tratamento prévio, mas de forma direta. 

 

O senhor citou duas iniciativas que partiriam do poder público, como a exigência por área permeável e os reservatórios. Como tem sido a interlocução da associação com as administrações municipais?

A gente vê cargos nas prefeituras, destinados a áreas técnicas, que são preenchidos politicamente. Com isso, falta quem saiba utilizar a tecnologia correta na solução dos problemas. Aqui em Santo André nós temos mantido uma relação próxima, mas de forma geral, ainda não podemos falar em ‘usos e costumes’ dessa prática. É importante que a associação seja consultada para tudo que é procedimento técnico na cidade. A gente está próximo do problema, a gente vive aqui. Temos aproximadamente 6.000 profissionais em Santo André cadastrados no Crea. Podemos indicar o profissional correto, ação mais adequada para cada situação. Temos sido consultados, mas a gente sempre pode mais. Além dessa aproximação, estamos discutindo a criação da carreira de Estado para os engenheiros.

De que forma isso seria implementado? 

Hoje existe a AGU (Advocacia Geral da União). O governo não dá nenhuma opinião jurídica sem consultar a AGU. Por que não termos a EGU (Engenharia Geral da União)? O engenheiro da União é quem vai posicionar tecnicamente as questões do governo. Hoje, quem responde não tem conhecimento específico. O Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia) vai levar essa e outras demandas para o Senado, para tentar transformar em leis. As prefeituras também vão ter que manter um engenheiro responsável, o que hoje não existe. 

Quais são os principais gargalos do ponto de vista de infraestrutura, atualmente, no Grande ABC?

A nossa malha viária é péssima, até pelo fato de ser um caminho para São Paulo. (Moradores de) Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires, Mauá e Santo André, todos passam pela Avenida dos Estados para chegar à Capital. Temos também a Rodovia Anchieta e são essas as duas opções principais. Então, a mobilidade urbana acaba sendo o nosso grande gargalo. 

O senhor citou a mobilidade como gargalo. Na sua avaliação, qual deve ser o impacto do BRT nessa questão?

Não deve melhorar nada. O monotrilho melhora porque tira de circulação outros veículos. O BRT pode tirar as pessoas dos carros, mas elas vão para o ônibus, no mesmo nível dos carros, então precisa de mais ônibus. A vantagem do monotrilho é estar em outro nível. Só o fato de não melhorar nada já é péssimo. O BRT talvez leve as pessoas mais rápido, mas o trânsito vai continuar ruim e até pior.

RAIO X

Nome:Luiz Augusto Moretti

Estado civil: Casado

Idade: 68 anos

Local de nascimento:Nasceu e mora em Santo André

Formação: Em engenharia mecânica e matemática

Hobby: Tênis e viajar

Local predileto:Toscana, na Itália

Livro que recomenda: Pai Rico, Pai Pobre, de Robert Kiyosaki e Sharon L. Lechter

Artista que marcou sua vida:Robert De Niro

Profissão:Engenheiro e professor de matemática

Onde trabalha:Atua como presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Grande ABC.




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