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Rota do frango com polenta: fim de um império

Fechamento do São Francisco expõe fragilidade de restaurantes tradicionais, que têm cada vez menos clientes

Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
04/08/2019 | 07:00
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DGABC


Há pouco mais de 30 anos era comum que os domingos fossem reservados aos tradicionais almoços em família. Crianças, pais – casais, na grande maioria, formados por trabalhadores de fábricas e donas de casa – e avós se arrumavam com as melhores roupas e seguiam para compartilhar uma mesa e conversar sobre as histórias da semana. O prato: o tradicional frango com polenta, carro-chefe dos restaurantes localizados no bairro Demarchi, em São Bernardo, fundados e administrados por tradicionais famílias italianas. Passadas três décadas, o cenário é bastante diferente.

“Quando era criança, me lembro de meus pais me trazendo aqui. Vínhamos com toda a família e, a cada semana, era em um dos restaurantes. As crianças andavam de charrete”, conta o engenheiro elétrico Rodrigo Catelan, 41 anos, que continua frequentando o Restaurante Santo Antônio. Ele também procura levar os filhos para manter a tradição, que está cada vez mais distante da realidade.

Em tempos de pressa e com mais opções de restaurantes, os localizados na Rota do Frango com Polenta enfrentam desafios há pelo menos 20 anos. Somado à crise econômica, que trouxe o fechamento de diversas indústrias da região, o resultado é a diminuição de público, fator determinante para o encerramento das atividades. Se antes eram servidos 500 frangos em um dos locais durante o fim de semana, esse número se resume, atualmente, a 150.

Formada inicialmente por 11 estabelecimentos, a rota sofreu seu grande golpe com o fechamento do São Judas Tadeu, em 2016. Neste mês, outro local vai pelo mesmo caminho: o São Francisco, inaugurado em 1962. “Estamos muito tristes com mais um fechamento. Aqui não somos concorrentes, somos parceiros e amigos. É como se fosse uma família”, afirma Clotilde Batistini, 69, uma das proprietárias do Santo Antônio. Junto ao Morassi, que fechou por questões familiares, já são três locais a menos.

“Muitas pessoas chegaram a dizer que seria bom quando o São Judas fechou porque a clientela seria diluída para nós, mas aconteceu exatamente o contrário. Aqui cada um tem seus clientes e nós nos respeitamos muito”, destaca Ermide Tonini Scomazzon, 77, proprietária da churrascaria Para Pedro. Segundo ela, na década de 1980, quando o local, que começou no Centro da cidade, foi para lá, o movimento era constante, principalmente por causa das empresas. Pouco a pouco isso foi diminuindo, sendo que hoje a redução chega a 40% na movimentação.

Com o constante enxugamento das firmas, ela percebeu mudança na demanda do consumidor. Há 20 anos foi uma das primeiras a instituir o self-service. “Na época, fui muito criticada. Meus irmãos me disseram: ‘é uma churrascaria, como vai ter self-service?’ Mas foi uma das ideias para nos ajudar a seguir em frente”, destacou. Atualmente, a casa oferece a modalidade no almoço de todos os dias, porém continua com o rodízio.

Seguindo em frente pela Avenida Maria Servidei Demarchi, já na Estrada Galvão Bueno, o Restaurante Santo Antônio, fundado em 1952 por Alexandre Batistini, se consolidou como um dos mais tradicionais da rota. O frango com polenta, totalmente produzido na casa, inclusive com o mesmo tempero, continua sendo a estrela. “A recessão é geral. Temos 900 lugares, hoje utilizamos o espaço com 500 e mesmo assim não lota. Na década de 1980 e no começo dos anos 1990 utilizávamos toda a capacidade”, afirmou Odair Batistini, 64, um dos filhos do fundador, que atualmente toca o negócio junto com a irmã Clotilde e os irmãos Jair e Ladislau.

Professor da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) e ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo, Jefferson José da Conceição também aponta a desindustrialização como uma das vilãs do cenário. Ele citou mudanças no hábito de consumo de pedir comida dos brasileiros – com facilidades dos aplicativos, mas acredita haver solução, que passa por apoio do poder público. “Existe luz no fim do túnel, por meio de parcerias entre os setores privado e público. A rota tem uma marca, que é o ativo mais valioso. Aposto numa capacidade de revitalização. É preciso dar cara nova e manter a marca.”

Os donos dos locais também apostam na continuidade das atividades, talvez não do tamanho que já existiu no passado. Tanto que o Santo Antônio e o Para Pedro descartam fechar as portas.

POLÍTICA E HISTÓRIA
A Rota do Frango com Polenta ficou conhecida como ponto de encontro de autoridades políticas. De todas as correntes partidárias e outros países. Ex-presidente de Cuba, Fidel Castro (1926-2016) provou das iguarias servidas nos cardápios dos restaurantes. Os ex-presidentes brasileiros Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também frequentavam o ambiente. O petista, por ser morador de São Bernardo, chegou a adotar em sua rotina os pedidos nos estabelecimentos. O historiador Marco Antônio Villa, hoje comentarista da Rádio Bandeirantes, cita que o convite de Lula para Ricardo Lewandowski ser ministro do Supremo aconteceu em um dos restaurantes da rota.

O local começou a ganhar fama nos anos 1930. À época, pescadores que iam à Represa Billings paravam em colônias da região em busca de boa comida. Italianos ali instalados, generosos, preparavam fartos pratos aos visitantes. Iam ao quintal, preparavam galinhas fritas, polentas, uma servida salada de rúcula e um belo vinho caseiro. Evidentemente que a fama do lugar rapidamente se espalhou.

A primeira cantina aberta foi a da família Tolotti, quase nos anos 1940 – a data não é precisa. O bairro ganhou nome graças à tradição da família Demarchi na região na produção do vinho Alegre, que era o principal da cartela dos restaurantes que ali se instalavam. Mateo Demarchi Neto tinha como hobby receber amigos e servir a bebida acompanhada de pizza caseira. Mateo era neto de Matheu, pioneiro da rota, e de Maria Servidei, que hoje dá nome a uma das principais avenidas do bairro. 




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