Cultura & Lazer Titulo
Sacudir é meta do coordenador de programação do Sesc
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
23/07/2006 | 08:42
Compartilhar notícia


De teatro ele fala com uma paixão trovadoresca, uma devoção de beata. Vira os olhos, literalmente, emoldurados sob os óculos com a aparência de um magenta destacado de um anúncio de néon ou de alguma peça daquele filme do Coppola, No Fundo do Coração. Tal veneração é transparente em Adolfo Mazzarini Filho, 48 anos, o novo coordenador da programação cultural do Sesc Santo André, que assumiu o posto há pouco mais de um mês. E é também imprescindível para calcular os rumos que a unidade andreense pode tomar com o recém-chegado. Dois conceitos, pelo menos, já estão sublinhados na agenda do novo chef cultural do Sesc: aperfeiçoar e revolucionar.

Para início de conversa, e para melhor compreender essa história de conceitos, convém apontar que a estação andreense do Sesc cai melhor na rima com capital do que com interior. Não só pela localização, na região metropolitana. “Na teoria, ela não é nem uma unidade da capital, e nem uma do interior como a de Araraquara”, avalia Mazzarini. “Até por uma proximidade com o centro de São Paulo, ela talvez reúna mais características de um Sesc paulistano do que o de Itaquera, por exemplo”. Mas não é exatamente o CEP que faz da unidade andreense o 16º Sesc paulistano – a capital abriga 15 Sescs e o interior do Estado, outros 15 –, o quinto Beatle que nunca gravou disco.

O futuro da unidade e sua concomitante incrementação de perfil é que fazem toda a diferença nessa história. E aqui entra a tal revolução. Emigrado do Sesc Belenzinho (fechado até 2009 em virtude de reformas) e com passagens pelas unidades de Campinas e Araraquara, Mazzarini pretende uma reestruturação da programação do endereço andreense da instituição. Eis a deixa para falar de teatro.

O Sesc Santo André deverá, a partir deste semestre, ser anexado ao guia de albergues teatrais com reconhecida relevância em São Paulo. “Por um lado, vamos privilegiar o teatro aqui na unidade. Vamos garimpar montagens que desafiem a linguagem oficial, espetáculos com reconhecimento da crítica e do meio teatral e, o mais importante, inéditos em todo o Estado de São Paulo”. Mazzarini deixa claro que teatro, a partir de agora no Sesc Santo André, será submetido a um trabalho de curadoria, de exploração dos desafios à linguagem e ao espaço cênico. Teatro alternativo, então? “Detesto a palavra ‘alternativo’. Prefiro não-convencional. Mas é por aí: espetáculos que não se limitem ao palco, ao espaço oficial”, diz o coordenador que vestiu mesmo a camisa de curador teatral. Semana passada esteve no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto para pinçar possíveis candidatos a temporadas em Santo André.

Temporadas? Vejam só. Essa palavra que parecia impronunciável no Grande ABC, acostumado a encenações pontuais, a únicas apresentações, volta ao vocabulário da região. “E por que temporadas só de sexta, sábado e domingo? Por que não às terças, às quartas, no meio da semana?”. Está falado, Mazzarini. Na reorganização de calendário, a programação do Sesc andreense deverá esticar sua agenda teatral para os dias úteis. Já em agosto, o espetáculo porto-alegrense (e inédito em território paulista, claro)Borboletas de Sol de Asas Magoadas ocupará as terças-feiras do mês. Os fins de semana não ficam excluídos da nova filosofia teatral. Milágrimas, criação do coreógrafo Ivaldo Bertazzo, entra em cartaz entre 11 e 27 de agosto, de sexta a domingo.

Homem de teatro, formado pela Escola Superior de Cinema e Teatro do Conservatório Nacional de Lisboa (Portugal), ator e diretor que já assinou abaixo de adaptações de textos de Hilda Hilst e Eurípedes, Mazzarini alerta sobre personalizações. “Não dá para ignorar que a programação sofre influências de seu coordenador, do perfil dele, da biografia dele e tal. Mas não é um trabalho individual. É o trabalho de uma equipe e o comando geral é da Laura (Maria Casali Castanho, gerente do Sesc Santo André)”.

Time que está ganhando – De um lado, a revolução. De outro, a manutenção. Não, não, melhor ainda: o aperfeiçoamento. Uma das grandes conquistas do Sesc em quatro anos de atividades em Santo André é ter se erguido como um dos principais entrepostos musicais da região. Espaço que já recebeu Beth Carvalho e Paulinho da Viola, Bezerra da Silva e o roqueiro com uma queda por sidney-magalismos Wander Wildner, festival de blues e mangue beat. Isso não permanecerá assim. Vai melhorar.

“(O Sesc Santo André) É uma praça acessível de música ao vivo, famosa por isso não só entre as cidades vizinhas como também em São Paulo. É uma tradição que vai continuar”, diz Mazzarini, que menciona, como exemplos desse perfil de alto-falante da música brasileira que o Sesc andreense adquiriu, os shows de Zélia Duncan no mês passado e o da banda Kid Abelha, agendado para domingo à noite. Ambos “lotadésimos, com ingressos esgotados”, nas palavras do coordenador.

No departamento de shows,não haverá hora certa nem dia certo para musicar o Sesc. A lista de apresentações instrumentais no meio da semana e de performances de músicos nos sábados à tarde irá aumentar. Cordel do Fogo Encantado, Afroreggae e os instrumentistas Paulo Martelli e Rafael Macedo defendem essa convicção no mês de agosto.

Grandes exposições como a do grupo mineiro de teatro de bonecos Giramundo, em 2003, devem voltar à pauta, a começar por uma mostra temática sobre Zé do Caixão, durante a qual o cineasta e ator José Mojica Marins poderá se despedir do personagem que o consagrou no Brasil, e lá fora sob o nome de Coffin Joe.

“Vamos experimentar, mas tendo sempre em mente que nós temos um compromisso, um diálogo com o público, que queremos sempre lotação esgotada, casa cheia. Deu certo? Ótimo. Não deu? Vamos estudar para saber o porquê”. Um raciocínio está claro na cabeça de Mazzarini. A arte, que segundo definição sua pode ser “o tempero, a vitamina da vida”, não sobrevive sem público. Esse é o norte para o qual a bússola do Sesc não deixará de apontar. Mas sem medo da experimentação.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;