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Mulher de preso: dedicação do lado de cá das grades
Luciana Sereno
Do Diário do Grande ABC
01/05/2004 | 16:46
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“Família que tem parente preso não tem nome, tem título.” É assim que mães,mulheres, tias e irmãs de presidiários se definem. Do lado de fora das celas, os parentes encaram um mundo de preconceitos. Na cadeia, não têm nomes. “A gente vira a mulher do fulano”, afirma R.S., 25 anos. Seu marido está preso em Santo André. Ela diz que é a sétima vez em quatro anos. Além do convívio restrito com o detento e com a comunidade, o cotidiano de quem tem um parente atrás das grades é voltado à rotina do preso. “A gente dorme, acorda e respira o mundo de lá de dentro”, desabafa a mulher de um detento.

Para garantir o maior tempo ao lado do preso, as mulheres chegam com filhos no colo e ficam mais de 24 horas acampadas em frente ao portão da cadeia. A situação se ameniza com as amizades: começam os revezamentos (parte das mulheres fica de dia e outra parte á noite). Durante o período de espera, elas se alimentam. Chegam à porta da cadeia com sacolas e mais sacolas plásticas lotadas de comida. Quem pode um pouco mais, leva pizza e bolos.

As dificuldades que passam do lado de cá são grandes. Sem o marido para ajudar nas despesas da casa, elas trabalham duro e ainda encontram força para explicar para os filhos por que o pai está lá dentro. Nas visitas, o choro é proibido. “Eles precisam pensar que a gente está bem”, disse uma das mulheres ao passar pelo portão da cadeia, na saída da visita.

Do lado de fora, porém, a situação é outra. Na hora da despedida, sacolas vazias, assim como o coração. O choro é natural. É um choro de dúvida. “A gente se pergunta até quando vai conseguir agüentar e ainda vive o tempo todo ansiosa.” O nó na garganta também significa medo. Medo do que pode acontecer lá dentro, de o preso não estar mais lá na semana seguinte, ser transferido para cadeias distantes, de o crime continuar nas suas vidas depois de cumprida a pena, ou, ainda, de uma rebelião e de cenas como as registradas semana passada num presídio em Rondônia, quando um preso foi morto e jogado de cima do telhado pelos outros detentos.

Mudança – Mal o marido, filho, irmão sai da cadeia, volta ao crime e retorna à cadeia. O marido de R. está preso há um ano. O casal vive junto há quatro anos, mas só conseguiu morar junto, debaixo do mesmo teto, por um ano. Foi nesse período que ela engravidou. Logo ele foi pego pela polícia de novo. “Perdi o bebê. A vida para quem fica aqui fora é pior do que para quem está lá dentro.”

Funcionária de uma empresa de telemarketing, R. trabalha de madrugada. Por mês, ganha R$ 360. A maior parte do dinheiro é gasta com o marido dentro da cadeia. “Com o jumbo (produtos de higiene e lanches) que a gente traz toda semana, a comida no dia da visita e as passagens de ônibus.” Para a defesa judicial, R. diz que não sobra dinheiro. “Eu dependo de advogado daqui mesmo.”

R. tem esperança que tudo isso valha a pena e que o seu marido deixe o crime de lado, assim que sair da cadeia. Porém, acredita que o fardo de mulher de ex-presidiário persista a vida toda. “O mais difícil é a cabeça. A gente tem de ajudar ele a ficar bem, mas ninguém ajuda a gente aqui fora”, disse ela, que vive longe dos pais e dos sogros. “Minha família sou eu e ele.”

R.C.E., 19 anos, tem cabelos pretos longos e rosto bonito. Na madrugada de sábado podia estar em uma festa rodeada de amigos, se divertindo, conhecendo gente e planejando um futuro de sucesso. Mas não. Chega ao portão do Centro de Detenção Provisória de Santo André às 4h30. “Sou a primeira da fila.” Ela foi a primeira a entrar na cadeia, mas no domingo, 27 horas depois de ter chegado. A cena é a mesma todo fim de semana. R. dorme em uma barraca iglu para passar o dia seguinte com o homem com quem é casada há um ano e meio.

Por causa do romance, a jovem foi renegada pelos pais e hoje vive de favor na casa de uma amiga. “A gente pagava aluguel, mas depois que ele foi preso eu não consegui manter. Estou desempregada.”

Novidade – Para Maria das Graças Menezes de Souza, 26 anos, a rotina é novidade. “Meu marido foi preso há três meses.” Foi quando começou o tormento na vida da desempregada e dos filhos de 2, 3 e 7 anos. “A gente já não tinha renda antes de ele vir para cá. Agora, então, dependo de quem ainda quer me ajudar.”

Na casa, em Ferrazópolis, em São Bernardo, por mês entra apenas R$ 240. Valor que a filha mais velha tem direito como benefício do governo por ser deficiente física. É a doença da menina que também livra Maria das Graças das despesas com condução para visitar o marido. É com a menina que a desempregada sai de casa às 3h nos dias de visita para ver o dia amanhecer na porta da cadeia.




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