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Monitor faz prova de repórter em exame para renovar carteira
Por Adriana Ferraz e Rodrigo Cipriano
Do Diário do Grande ABC
02/09/2006 | 20:55
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O CFC (Centro de Formação de Condutores) Peres e Mauro, no Centro de Santo André, oferece ao motorista que deseja renovar a carteira de habilitação garantia de aprovação na prova eletrônica, realizada desde o início do ano em todo o país. A escola credenciada pela Ciretran (Circunscrição Regional de Trânsito) de Santo André para avaliar motoristas não respeita as leis do Código Nacional de Trânsito e adultera os testes dos inscritos. A prova é obrigatória para a renovação do direito de dirigir e exige 70% de aproveitamento do motorista.

A reportagem realizou a prova e o desrespeito à lei foi constatado após 25 minutos de teste, quando o monitor responsável pela sala modificou os resultados das questões e aprovou a repórter.

Preocupado com a demora no término do teste, o fiscal aproximou-se para perguntar se a repórter estava com dificuldades para responder as perguntas. “Deixa eu dar uma olhada na sua prova para você não ter problemas”, disse, sem constrangimento.

Indagado se podia agir daquela maneira, se não era ilegal ato, o funcionário do CFC respondeu: “Não tem problema, a gente ajuda todo mundo mesmo, principalmente as pessoas mais idosas que nos procuram. Assim, ninguém precisa voltar aqui para repetir o teste”.

Com a colaboração do monitor, a repórter não teve a chance de finalizar a prova. O responsável pela sala se encarregou do trabalho e, assim que terminou de alterar os resultados, informou que o certificado seria entregue em poucos minutos. “Agora, basta você esperar na recepção que já levo seu comprovante”, concluiu.

O comportamento observado dentro da sala de provas não condiz com as informações passadas aos motoristas. As recepcionistas do centro afirmam que para ser aprovado no teste o motorista precisa acertar 21 das 30 questões. Caso contrário, é reprovado.

Mas a proprietária Nilce Peres não se mostrou surpreendida com a denúncia. “Tenho dó de algumas pessoas que precisam receber ajuda para conseguir renovar a carteira. Se a gente reprovar os condutores, eles terão de voltar à escola e pagar por um novo teste. Muita gente não tem condições financeiras para isso.”

A bondade da proprietária do centro não leva em consideração, porém, o fato de muitos motoristas não estarem preparados para dirigir.

O teste da repórter foi o segundo feito no CFC Peres e Mauro pelo Diário em duas semanas. No primeiro, o repórter participou do cursinho de atualização. Depois, realizou a prova e, propositadamente, errou mais de 50% das questões. Mesmo assim, foi considerado apto a renovar a carteira e recebeu o certificado.

Logo na primeira aula, a professora que ministrava o curso tranqüilizou os alunos e garantiu que não haveria reprovações. As primeiras seis perguntas da prova já vieram respondidas corretamente. Quando o repórter questionou o motivo, o monitor disse apenas que não havia problema, bastava completar o questionário daquele ponto em diante.

Na finalização das provas, outra irregularidade. Os monitores não permitiam que os condutores apertassem o botão do teclado que encerrava a prova. O que daria ao motorista a certeza de que o teste não seria adulterado.

Das 30 questões, o repórter acertou apenas 16. Um aproveitamento de apenas 56,67%, Índice menor que o exigido para aprovação em caso da não-realização do curso. Desta vez, uma falha da lei de trânsito, que dá o direito de o motorista ter resultado inferior à média, caso tenha realizado o cursinho, que só é obrigatório caso o motorista tenha sido reprovado na prova da Ciretran.

“A portaria diz que a prova eletrônica não tem caráter de reprovação. Tenho muita experiência nessa área e acredito que esse código não atualiza o motorista. Para melhorar o conhecimento das pessoas, o Estado deveria investir na educação escolar, desde a infância”, comenta Nilce. Indagada sobre o gesto de burlar a lei, ela garante que deixará a prática de lado. “Infelizmente, as pessoas agora não serão mais ajudadas. Realmente, não posso burlar a lei”, completou Nilce.

Quando entrou em vigor, a portaria que torna obrigatório ao motorista conhecimentos de primeiros socorros e direção defensiva, a intenção do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) era a de reduzir o número de acidentes e vítimas fatais nas estradas.

Segundo um estudo elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o principal fator de risco no trânsito é o motorista. A ele, é atribuída a responsabilidade de 82,4% dos acidentes. Na seqüência, aparecem os pedestres, com 18,8%, e falhas mecânicas no veículo, 27,1%.

A esse cenário, acrescenta-se o número de mortes no trânsito no país, média de 6,3 para cada grupo de 10 mil habitantes. Na Austrália, a taxa é de 1,39 ocorrências; Canadá, 1,5; e Grã-Bretanha, 1,2. O Denatran ainda informa que o grupo de maior risco está na faixa etária dos 41 aos 50 anos, que concentram 25,9% do total de acidentes.

Diálogos

Veja como foram os diálogos da repórter com o monitor que aplicou a prova e, em seguida, com a proprietária do Centro de Formação Peres e Mauro, Nilce Peres:<EM>

“Já estou terminando a prova, só estou conferindo as alternativas que marquei para ter certeza do resultado”

“Deixa eu te ajudar para você não ter nenhum problema”, disse o monitor, já inciando a adulteração nas respostas assinaladas.

“Você faz sempre isso? Não é contra a lei?”

“É contra a lei, sim, mas a gente ajuda as pessoas ou você prefere ter que refazer essa prova daqui a cinco dias?”, perguntou o fiscal

“Temos uma denúncia contra o CFC Peres e Mauro, que garante que vocês adulteram as provas dos motoristas para passá-los do teste.”

“Adulteramos? Não, nós apenas ajudamos as pessoas que têm mais dificuldade em responder as perguntas”, disse a proprietária Nilce Peres

“Isso é contra a lei.”

“É verdade, mas algumas pessoas não têm condições financeiras de fazer um segundo teste.”




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