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Presidente do Psol, Juliano Medeiros: ‘Elo de esquerda não pode ser feito a partir de nome’
Raphael Rocha
do Diário do Grande ABC
10/05/2021 | 07:17
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Divulgação


Presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros vê cenário favorável para a construção de uma frente de esquerda para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na eleição do ano que vem, mas avisa que o debate não pode ser feito a partir de um nome – por exemplo, a montagem da chapa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como candidato inegociável. Para o dirigente, a mesma leitura tem de ser aplicada na corrida ao Palácio dos Bandeirantes, via pela qual o ex-prefeiturável Guilherme Boulos (Psol) quer trilhar em 2022. Medeiros vê demonização da esquerda mais fraca e garante que Psol não tem discurso radical.

Diante do que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem apresentado à frente da República, como o Psol se organiza para disputar a eleição do ano que vem?

Pensar em eleição é importante. Mas nosso foco é garantir a adoção de medidas emergenciais que possam atenuar a tragédia pela qual o povo brasileiro passa. É garantir vacina para todos e todas, é brigar por método mais eficiente para superar os efeitos da pandemia. É garantir a volta do auxílio emergencial de R$ 600, uma medida econômica indispensável para poder proteger pessoas mais vulneráveis. É traçar uma saída política para acabar de vez com esses ataques a direitos sociais e conquistas do povo, que, para o Psol, é o impeachment do presidente Jair Bolsonaro. São essas as agendas prioritárias. Fortalecendo essas agendas, fortalecemos o projeto do Psol e das esquerdas em geral para 2022. Seria irresponsabilidade do Psol e de qualquer partido querer discutir eleições neste momento. Tem muito tempo ainda. Nossa missão é defender os interesses do povo. Fazendo isso, o Psol se credencia como partido reconhecido pela maioria do povo como legenda de defesa dos verdadeiros interesses da sociedade brasileira.

Há setores da esquerda que, nos bastidores, relutam em defender impeachment de Bolsonaro sob argumento de que deixá-lo sangrar politicamente é melhor alternativa eleitoral. O senhor compactua com esse pensamento?

Fizemos uma reunião, cerca de duas semanas atrás, com todos proponentes do impeachment. Partidos, deputados, movimentos sociais. Todos reafirmaram a disposição de levar o impeachment para frente. Formalmente, todos têm afirmado a disposição do impeachment. Por que impeachment neste momento e não esperar pelas eleições? Porque o Brasil não pode esperar. Não pode conviver com projeto que persegue adversários, persegue imprensa, retira direitos, estrangula o Estado, reduz orçamento no momento em que todos os países do mundo ampliam. Não dá para subordinar o interesse maior a qualquer tipo de conveniência político-eleitoral.

O senhor falou que o Psol não debate ainda o calendário eleitoral, que o foco são as agendas de combate ao governo Bolsonaro. Quando a discussão político-eleitoral será colocada em campo?

Vamos dar início ao debate eleitoral no congresso nacional, em setembro, que será virtual e dará início ao debate do Psol sobre eleições de 2022. Até lá, para preparar terreno, o ideal não é debater nomes, mas saídas para superar a crise. Debater a construção de programa na área econômica que seja exequível. Não basta propor saídas mágicas. Ter comprometimento claro com as políticas sociais no momento em que 100 milhões de brasileiros e brasileiras estão assolados pela insegurança alimentar. Fortalecendo compromisso com democracia, ética, transparência. Daqui até setembro, debates são todos em volta de programa, não necessariamente de governo. Medidas para tirar o Brasil desta crise em médio e longo prazos. Depois vem a tática eleitoral. Quais as opções de alianças, parceiros, qual melhor movimento que o Psol deve optar para se posicionar.

Ex-prefeiturável da Capital, Guilherme Boulos declarou sua intenção de concorrer ao governo do Estado. Sem sua presença, é inevitável ter o deputado federal Marcelo Freixo, do Rio de Janeiro, como candidato do partido em 2022 no aspecto nacional?

Não necessariamente. O Guilherme Boulos, na entrevista que concedeu, ele coloca o nome dele à disposição da construção unitária com outros partidos. Vamos buscar estabelecer pontos de construção de programa para São Paulo. Tentar unir a esquerda e centro esquerda em São Paulo e, a partir disso, trabalhar o nome do Guilherme em São Paulo. Se o Psol vai ter ou não (candidato próprio), vai ser discutido mais na frente. Temos defendido no plano nacional a construção de frente das esquerdas para enfrentar o Bolsonaro em 2022. Seria incoerente defender isso e apresentar nome dizendo que tem de se construir em torno deste nome. Paciência e diálogo. Vamos estabelecer conversas com outras frentes de esquerda.

Na eleição de 2020, analistas identificaram que o eleitor brasileiro preferiu um perfil moderado de político, evitando extremismos que tiveram o auge em 2018. O Psol ainda é classificado como sigla de extrema-esquerda. Esse rótulo pode atrapalhar os planos do partido no ano que vem?

A opção do eleitor no Brasil foi (naquela eleição foi) menos por orientação ideológica e mais por apreciação de quem poderia resolver os problemas de forma imediata. No caso do Psol, todo nosso debate e nosso discurso eleitoral serão em cima da desigualdade. É prioridade pensar em programa para combater essa desigualdade, que deságua em machismo, racismo, homofobia. Precisamos criar instrumentos para combater a desigualdade. Hoje temos uma política que separa bilionários de miseráveis, privilegiados de excluídos. É o centro do debate que queremos fazer. Tenho certeza que o povo brasileiro compartilha da angústia que a desigualdade gera. Nosso discurso nada tem de extremista.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve os direitos políticos restaurados em recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Ele entrou em contato com vocês em busca de alianças?

Tivemos conversa informal com várias lideranças da esquerda, incluindo o ex-presidente Lula, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT). Conversamos com a direção do PCdoB, a presidente Luciana Santos, com Carlos Siqueira (mandatário nacional do) PSB. Temos feito rodada de conversas, vamos procurar a Rede. Ouvimos também partidos mais do campo socialista, como o PCB e a UP. Vamos ouvir aliados, nossos parceiros da luta contra o Bolsonaro. Não tratamos eleição. Nosso propósito é defender o lado das esquerdas, Psol quer ser instrumento dessa construção. Consideramos que nenhum partido sozinho pode dar a saída que o Brasil exige no momento.

Quais lições foram tomadas após a eleição na Capital, onde Boulos chegou ao segundo turno, mas perdeu para Bruno Covas (PSDB)?

Marca a virada de página. Até 2020, predominou muito fortemente a desconfiança com as esquerdas. Fruto do impeachment contra Dilma (Rousseff, PT, em 2016), da Operação Lava Jato, com a criminalização das esquerdas, uma polarização ideológica que fortaleceu estereótipos da esquerda. Mas houve mudança de clima. Ganhamos em Belém. Chegamos ao segundo turno em diversas capitais. Há mudança de humor e ambiente com a extrema-direita perdendo força. O Jair Bolsonaro elegeu apenas um prefeito de Capital. Foi grande derrotado das eleições. Temos presença mais relevante. É possível ter bons desempenhos eleitorais, defendendo combate às desigualdades, na promoção de combate à desigualdade. Mesmo que do ponto de vista dos resultados não tenha sido tão satisfatório, o bom foi ver que a demonização das esquerdas perdeu força.

Como fazer para furar a bolha de seguidas vitórias do PSDB na eleição ao governo paulista?

Na Capital foi bastante ilustrativo. O candidato do PSDB teve de esconder o João Doria na eleição, tamanha rejeição na Capital. Pela primeira vez, líder de movimento social, sem-teto, chegou ao segundo turno de uma Capital do tamanho de São Paulo. Preconceito vai perdendo força. Incompetência e o privatismo desenfreado vão ficando mais evidentes para a maioria do povo paulista.

A liberação dos direitos políticos de Lula e a força consolidada de Bolsonaro não estrangulam qualquer projeto alternativo a esses dois em âmbito nacional?

(A força dos dois) É uma realidade. No caso do Psol, (o reflexo) é atenuado pelo surgimento de muitos nomes novos. Se olhar os nomes de esquerda nos últimos anos, temos o Freixo (54 anos), o Boulos (38). Nossa bancada federal tem idade média abaixo dos 40 anos. E olhe que temos nomes como o Ivan Valente (74) e a Luiza Erundina (86). Tem um cenário de renovação muito forte do Psol. Parte dos simpatizantes e eleitores de esquerda tem visto o partido como verdadeiro instrumento de renovação da política e da própria esquerda, em comparação com outros partidos, que seguem com a predominância de homens, brancos, oriundos da redemocratização. No Psol são os mais jovens, que se vinculam com as lutas mais contemporâneas, como a luta pelo feminismo, contra o racismo, em defesa dos direitos dos sem-teto, com a luta dos direitos humanos. É realidade a dificuldade de renovação. Temos contornado com novos nomes, novos rostos, que passaram a ter relevância no debate.

No Grande ABC, o Psol, enfim, elegeu representantes – casos de Ricardo Alvarez em Santo André e Bruna Biondi, do coletivo Mulheres por Mais Direitos, em São Caetano. A partir desse prisma, qual os planos do partido para a região? Haverá candidatos a deputado pelas sete cidades?

O Grande ABC é região fundamental para quem quer ter relevância política no Estado. Temos desafio de crescimento em outras cidades, como São Bernardo, Diadema, Mauá. Gradualmente o Psol vai ampliando a presença na região. Especialmente nos setores populares. Nas suas origens, o Psol estava muito identificado com lutas sindicais, com a juventude universitária. Com o aumento do nosso enraizamento popular e social, foi possível ampliar a presença do partido em plano institucional em outras cidades. Foi o partido que mais cresceu na esquerda em 2018 na disputa por vagas na Câmara Federal. O que mais registrou novos filiados. E certamente teremos candidatos do Grande ABC. Não tenho como antecipar nomes, até porque, como eu disse, nosso foco é na luta nacional contra o governo federal. Mas certamente teremos. 

Raio-x
Nome: Juliano Medeiros
Estado civil: solteiro
Idade: 35 anos
Local de nascimento: Sacupaia do Sul, Rio Grande do Sul, e mora em São Paulo
Formação: historiador e cientista político
Hobby: cinema e assistir aos jogos do Internacional
Local predileto: minha casa em São Paulo
Livro que recomenda: Ruptura, de Manuel Castells
Artista que marcou sua vida: Fito Paez, na adolescência em Porto Alegre
Profissão: dirigente partidário
Onde trabalha: no Psol




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