Política Titulo Especial
Muitos desafios e poucos compromissos ao Grande ABC

Especialistas apontam falhas e soluções que deveriam integrar plano de governo de candidatos ao Estado

Fabio Martins
02/09/2018 | 07:00
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 Painel realizado pelo Diário e USCS (Universidade Municipal de São Caetano), com especialistas convidados, apontou diagnóstico dos principais gargalos do Grande ABC e, divididos em oito eixos, possíveis soluções para os problemas nas sete cidades, que podem – e deveriam – servir de norte para basear parte do plano de governo dos candidatos ao Palácio dos Bandeirantes. São 12 postulantes, no total, nesta disputa estadual. A partir do debate, fruto desta parceria, carta direta foi elaborada aos agentes políticos que concorrem ao cargo (confira texto na página ao lado).

As áreas discutidas envolvem desde Saúde e Educação a Desenvolvimento Econômico e Mobilidade Urbana. A efetivação, por exemplo, do contrato de PPP (Parceria Público-Privada) para construção da Linha 18-Bronze, que ligaria a região à Capital, por monotrilho, integra a lista de prioridades. O vínculo com empresa vencedora foi assinado em 2014, mas até agora sequer as desapropriações foram iniciadas. Alguns aspirantes ao posto já declararam, em entrevista, que têm como meta tirar o projeto do papel, só que sem propostas claras. O governador Márcio França (PSB), candidato à reeleição, sugeriu contribuição de melhoria, um tributo, para ativar as intervenções.

Recuperação da Avenida dos Estados, via que corta três municípios da região e que margeia o Rio Tamanduateí, é outro tema que compõe o rol de bandeiras levantadas pelo Diário, assim como a descentralização da distribuição dos medicamentos de alto custo. O Estado já chegou a anunciar a medida no primeiro semestre deste ano, que iniciaria em espaço no Poupatempo de São Bernardo, contudo, nada de concreto. Pauta de destaque para o Grande ABC também passa por auxiliar na consolidação do Polo Tecnológico de Santo André, projeto credenciado desde 2010 em São Paulo.

Na Saúde, um dos pontos altos do painel, a médica sanitarista Vania Barbosa resgatou proposta antiga, revista por ela depois de acentuada crise política e econômica no município de Mauá: a estadualização do Hospital de Clínicas Doutor Radamés Nardini. O custeio do equipamento gira em torno de R$ 60 milhões ao ano. “Comecei a rever a concepção de ser municipal, tendo em vista a dívida imensa da cidade, com poucas perspectivas de pagamento em curto prazo. Precisa de ajuda estadual”, citou, referindo-se a plano já cogitado há mais dez anos. “Mauá enfrenta problemas políticos, UTI necessita adequar-se ao número de leitos. E possui características regionais, pois atende também Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.”

O investimento em turismo no Grande ABC entrou no plano de reivindicações. Isso porque, atualmente, apenas Ribeirão Pires recebe recursos do Estado para fomentar o setor. São Bernardo, por exemplo, emprega aporte próprio para financiar programa de turismo industrial. A maioria das prefeituras pleiteia ser considera MIT (Município de Interesse Turístico), com expectativa de ampliar horizonte de arrecadação. Santo André aposta na Vila de Paranapiacaba. Na área de desenvolvimento há plano da criação de bases para implantar parque industrial na era 4.0.

Joaquim Celso Freire
Professor da USCS com mestrado na PUC/SP, é autor de livros de literatura (prosa e poesia) e de políticas públicas

CULTURA
Romper a centralização de recursos e oportunidades do município de São Paulo em detrimento das políticas necessárias no Grande ABC, alterando o perfil de investimento que prioriza a Capital;
Valorizar a construção cultural histórica que possuímos, com especial atenção à cultura operária e sua contribuição, por meio da migração interna de nordestinos, passado escravocrata e imigração europeia, entre outras;
Propor um grande centro ou espaço cultural para a memória do trabalho;
Apoio às manifestações culturais populares, redescobrindo a região.

David Siena
Advogado, delegado de Polícia do Estado de São Paulo e coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS

SEGURANÇA
Correção do deficit de agentes, ocupando com policiais os 384 cargos em vacância na região;
Ações para inibir a intensa proliferação de roubos, em especial de celulares e veículos;
Integrar ações das polícias, mas com especial atenção à Polícia Civil, que necessita de valorização, atualização tecnológica, equipamentos e capacitação;
Monitoramento e ações preventivas contra os estupros, que tiveram significativo aumento na região, em especial com jovens adolescentes e pessoas vulneráveis em ambiente doméstico;
Inibir, por meio de ações integradas, a economia criminal, principalmente a receptação, que é muito intensa na região;

Andrea Brisida
Secretária adjunta de Mobilidade Urbana de Santo André, coordenadora do GT de Mobilidade do Consórcio Intermunicipal

MOBILIDADE
Priorizar a evolução dos procedimentos para implantação definitiva da Linha 18-Bronze, do Metrô, na região, a primeira projetada fora do município de São Paulo;
Retomar a agenda de investimentos na infraestrutura viária, praticamente congelados há uma década;
Promover a integração metropolitana dos transportes, ainda deficiente no Grande ABC;
Investir em transporte coletivo por meio de novos corredores e faixas exclusivas, entre outros;
Estabelecer a articulação regional de mobilidade, extrapolando nossos territórios municipais;
Promover a integração eficiente por meio de ações regionalizadas;

Vania Barbosa
Médica sanitarista, graduada pela Faculdade de Medicina do ABC, e ex-secretária de Saúde de Santo André

SAÚDE
Estadualizar o Hospital de Clínicas Doutor Radamés Nardini, de Mauá, em função de sua complexidade, abrangência e necessidade de investimentos e custeio;
Rever, com pressão política regional e estadual, a emenda constitucional número 95, que restringe os gastos públicos por 20 anos e onera, em especial, a Saúde regional;
Construir edifício anexo ao Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André, para melhorar o atendimento de alta complexidade;
Criar central de regulação para as vagas regionais;
Apesar de melhorias identificadas na última década no sistema público regional de Saúde, ainda precisamos diminuir as dificuldades para conseguir leitos hospitalares e procedimentos de maior complexidade;
Agilizar o tratamento da pessoa com câncer;

Enio Moro Junior
Graduação, mestrado e doutorado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e gestor do curso de Arquitetura e Urbanismo da USCS

HABITAÇÃO
Ampliar o parque habitacional para populações carentes por meio da aquisição de imóveis ociosos no mercado imobiliário;
Subsidiar parcialmente o aluguel para famílias de baixa renda;
Enfrentar o deficit habitacional regional incluindo outras ações além do programa Minha Casa, Minha Vida, incluindo projetos qualificados, baixo adensamento e distribuição pelo território regional;
Implantar projeto de moradia para jovens em início de carreira;
Encaminhar projetos urbanos requalificadores, via concurso público, com construção prevista em orçamento, valorizando a escala humana e o espaço de qualidade nos projetos públicos e privados;

Jefferson José da Conceição
Economista e doutor pela USP, atualmente coordena o Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Criação de bases para colocar parque industrial na era 4.0;
Relevante participação regional no PIB nacional e elevada capacidade de consumo da população (preocupação em relação à reestruturação industrial combinada com a reforma trabalhista: possíveis impactos negativos sobre a massa salarial e o consumo);
Resgatar o desenvolvimento econômico da região, retomando seu lugar estratégico na economia metropolitana, estadual e nacional;
Constituir anel de tecnologia e inovação no Grande ABC;
Investir em turismo, inclusive dentro da modalidade industrial.
Apoio às micro e pequenas empresas na região;
Programa de qualificação profissional, com forte ênfase na inserção juvenil e nos segmentos populacionais de maior vulnerabilidade social.

Paulo Garcia
Pedagogo, mestre e doutor pela USP, coordena Observatório da Educação do Grande ABC

EDUCAÇÃO

Aplicar e aperfeiçoar os planos municipais de Educação, que já estão aprovados pelas cidades do Grande ABC;
Investir na capacitação de professores, aplicando na carreira docente, em especial na formação, reconhecimento e salário;
Melhorar a infraestrutura das escolas, que terá reflexos imediatos nos processos de ensino e aprendizagem, por meio de novas edificações, instalações, tecnologias e decisões arquitetônicas que facilitem a manutenção;
Criar condições de diminuição da evasão escolar, ainda dramática;
Melhorar estratégias de alfabetização, que ainda é muito deficiente, em especial sobre os jovens;
Implantar instrumentos de colaboração entre Estados e municípios, estabelecendo ações integradas e regionalizadas para melhoria da Educação;

Marta Marcondes
Professora da USCS, com mestrado em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos, e especialização em Ecologia

MEIO AMBIENTE
Marta Marcondes
Professora da USCS, com mestrado em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos, e especialização em Ecologia

Compensação financeira por água fornecida pela Billings (remunerar as cidades do Grande ABC que são banhadas pela represa de modo que utilizem o dinheiro para investir em melhorias ambientais);
Investir intensamente na instalação e interligação das redes de esgoto, em especial sua articulação aos coletores troncos e demais sistemas de condução às Estações de Tratamento;
Rever a política dos aterros sanitários e investir em alternativas sustentáveis, coleta seletiva e reciclagem.
Melhorar as políticas de drenagem urbana, renaturalizando margens de rios e descanalizando corpos d’água;
Estabelecer uma política de valorização e ampliação da Mata Atlântica, por meio de ações aprovadas em plano específico;
Encampar ações integradas para enfrentamento ao drama da poluição da água, ar, solo nas mais variadas formas e complexidade;

EDITORIAL
Carta aos candidatos

O Grande ABC possui 2.771.554 habitantes. Destes, 2.095.217 são eleitores. Em 2017, a economia das sete cidades gerou R$ 123,7 bilhões, resultado que coloca a região entre as principais produtoras de riqueza do País. Há quase uma dezena de montadoras de veículos, um dos pilares da estrutura financeira nacional. São duas universidades públicas, outros dois hospitais estaduais. Estradas que ligam a Capital ao Porto de Santos cortam os municípios daqui, escoando a produção, importando materiais. Aqui está a Represa Billings e todo seu ecossistema, raras lembranças de uma Mata Atlântica nativa. Ou seja, o Grande ABC é peça presente nos mais variados segmentos do País diariamente, não apenas de quatro em quatro anos.

Dois dos líderes da defesa da região comemoram, neste ano, datas redondas de aniversário. O Diário do Grande ABC chegou a 60 anos, celebrados em 11 de maio de 1958. A USCS (Universidade Municipal de São Caetano) completou seu cinquentenário no dia 1º de agosto. As instituições organizaram um painel para levantar os problemas e as soluções de oito eixos centrais do Grande ABC. O resultado é o material publicado nas páginas deste Diário hoje.

São 12 candidatos ao governo de São Paulo na eleição de outubro. A missão do futuro governador será zelar pelos 645 municípios paulistas, evidentemente. Mas não dá mais para renegar o Grande ABC na lista de prioridades. O cidadão das sete cidades não aguenta mais acordar de madrugada, enfrentar trânsito ou transporte precário para chegar ao trabalho na Capital. Não suporta mais ter de lidar com escolas e unidades de Saúde sucateadas. Não tolera mais conviver com violência, que ceifa vidas de adolescentes por bens supérfluos. Não aceita mais índices indecentes de desemprego, sem que nenhuma política de reversão do quadro seja colocada.

A região não vai mais assistir, em época eleitoral, aos políticos percorrerem nosso território atrás dos votos e, passado o processo eleitoral, ignorarem as cidades. Não vai mais aceitar promessas sobre a Linha 18-Bronze, sobre revitalização da Avenida dos Estados, sobre aumento do efetivo policial, sobre auxílio na rede de Saúde e incremento na qualidade do ensino, sobre a descentralização da distribuição de remédios de alto custo, sobre programas de fomento da cadeia econômica, sobre ações de baixa efetividade para reduzir o deficit habitacional. Mais do que planos, o Grande ABC quer, e merece, ação dos governantes.

A cada ano, as nossas prefeituras assumem responsabilidades que deveriam ser compartilhadas com outros entes públicos. Há cidades que despendem quase 40% do recurso municipal com Saúde, sendo que o SUS (Sistema Único de Saúde) preconiza investimento dividido entre União, Estado e municípios – o aporte mínimo constitucional é de 15%. Todas as administrações da região criaram secretarias de Segurança Pública e GCM (Guarda Civil Municipal), a despeito de zelar por essa área ser dever do governo estadual. O cenário se agrava quando um quadro de desaquecimento econômico afeta diretamente os cofres das prefeituras, pois empresas fecham as portas e deixam de pagar impostos, demitem funcionários, que passam a economizar o que dá para honrar com as contas básicas. O círculo se encerra com esse colaborador desligado de uma companhia privada procurando o sistema público, seja de Saúde, de Educação ou de mobilidade. Sem ajuda do Estado, a conta nunca vai fechar.

Portanto, passou da hora de o Grande ABC ser respeitado pelo governo paulista durante todos os quatro anos, não apenas a cada quatro anos. O Diário, em parceria com a USCS, seguirá sua luta de defesa dos interesses legítimos da região.

SAIBA MAIS
O Grande ABC possui 2.771.554 habitantes, segundo o IBGE.
São 2.095.217 eleitores, conforme último levantamento no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
PIB (Produto Interno Bruto) regional atingiu 5,4%, ou R$ 123,73 bilhões, segundo projeção da Universidade Metodista.
Número de indústrias chega a 6.164, de acordo com a USCS (Universidade Municipal de São Caetano).
Quantidade de empresas abertas neste ano foi de 286.222, de acordo com o IPC Maps.
Índice de desempregados atinge patamar de 18,2%, ou cerca de 250 mil pessoas, aponta levantamento do Seade/Dieese.
São 1.863.869 veículos na região, conforme números do Detran.
Número de universitários matriculados é de 107.967, diz o Inep.
São 831 escolas públicas na região, ainda segundo o Inep.
Em relação a hospitais, são 44, conforme o DataSUS.
As sete cidades, juntas, têm 145 UBSs, indica o DataSUS.




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