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‘Ficar na Papuda é bem mais confortável’, diz Fausto Longo
Por Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
25/05/2015 | 07:18
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Marina Brandão/DGABC


Senador ítalo-brasileiro, Fausto Longo contestou o fato de a defesa do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato querer que ele cumpra na Itália a pena de 12 anos de prisão pela condenação no processo do Mensalão. Para o político, as cadeias italianas têm diversos problemas como as do Brasil.

“O sistema prisional italiano é tão deficiente quanto o brasileiro e confesso que a qualidade da prisão para quem cometeu crime de colarinho branco, como é o caso, estar na Papuda é bem mais confortável do que uma cadeia italiana”, afirmou Longo, em entrevista exclusiva ao Diário.

Fausto Longo vê poucas relações entre a Operação Lava Jato e o Mani Pulite, que levou à cadeia integrantes da Máfia italiana. Mas vislumbra a transparência na gestão como legado após a investigação da Polícia Federal brasileira.

Qual balanço o sr. faz de seu mandato como senador ítalo-brasileiro?
A primeira coisa que a gente luta muito é para que a rede consular seja reforçada. Tivemos momento bastante grave nos últimos anos resultado de várias crises: a norte-americana, a invasão de produtos chineses, longa série de sacrifício ao povo italiano para acompanhar a zona do euro e tivemos 22 anos de (Silvio) Berlusconi. Ajudou a destruir a autoestima do italiano, a capacidade de projetar o próprio futuro. Também batalhamos para anular a não transmissão de cidadania por parte das famílias trentinas, que é reivindicação antiga. A Itália esqueceu-se um pouco que 14 milhões de italianos deixaram o país entre 1856 e 1910 porque se encontrava em situação de extrema miséria e a população não tinha como sobrevier se ficasse ali. Essa história não é contada nas aulas da Itália. O projeto exige que na aula de história conte o período da maior imigração de um povo. Outro projeto, o primeiro aprovado por parlamentar do Exterior, garante a ratificação do tratado Brasil-Itália para transferência de presos. É importante porque existem presos brasileiros na Itália e italianos no Brasil. Já cumprem pena, sendo punidos pelo isolamento da sociedade. É justo que busquemos alternativas para que haja reinserção deste cidadão à sociedade. Nada melhor do que se reintegrar na sociedade se puderem cumprir a pena em seu país de origem.

Qual sua avaliação sobre a extradição de Henrique Pizzolato, condenado no Mensalão?
Procuro me envolver o mínimo possível na questão do (Cesare) Battisti e do Pizzolato. No caso do Battisti, considero que ninguém tem o direito de tirar de outro aquilo que não pode devolver. Se o Battisti tirou de outro a vida e não pode devolver, tem de pagar o preço que a Justiça cobra. Sou contrário à não extradição. Se cometeu crime, de que ordem seja, o cumprimento da pena precisa ser exercido, e isso tem de ser feito na Itália. A questão do Pizzolato, acho que existe crime, julgado, e pena a ser cumprida. Entendo que ele sendo cidadão italiano pode cumprir pena lá e sendo cidadão brasileiro pode cumprir a pena aqui. Importante é que os 12 anos de pena sejam cumpridos.

Pizzolato alega que o sistema prisional italiano é melhor que o brasileiro...
Essa coisa de dizer que a cadeia de lá é melhor do que daqui... cadeia é cadeia. Visitei as penitenciárias da Itália. O sistema prisional italiano é tão deficiente quanto o brasileiro e confesso que a qualidade da prisão para quem cometeu crime de colarinho branco, como é o caso, estar na Papuda é bem mais confortável do que uma cadeia italiana. Se eu fosse o Pizzolato, pensaria duas vezes antes de dizer que é pior ficar no Brasil.

Faltou diplomacia ao governo brasileiro para extraditar Battisti?
Houve respeito pleno da Justiça italiana ao modo de pensar brasileiro. Tanto que um presidente da República (Luiz Inácio Lula da Silva) concede perdão a um cidadão para que ele não seja extraditado, e essa decisão é inconteste. O que a Itália fez foi respeitar. Deixou que o processo corresse, sem pressão, até que o presidente decidisse. A Itália deu lição de maturidade e civilidade.

O que o Senado italiano tem debatido com relação à invasão imigratória?
A partir do momento que o senador (Alcide) De Gaspari propôs em 1957 a União Europeia, tem duas coisas interessantes. Graças à União Europeia, a Europa, que era palco de todos os grandes conflitos internacionais, conheceu 70 anos de paz. Não tem preço que pague saber que nenhum cidadão europeu perdeu a vida por causa da guerra. Foi graças a uma atitude da Itália de propor a União Europeia. A Itália faz parte da União Europeia e é o ponto mais frágil, a própria Europa tem de se preocupar com suas fronteiras. A Itália é fronteira da Europa, não só da Itália. A União Europeia, e é o que se discute no Senado, deve se responsabilizar, em conjunto com a Itália, para resolver o problema desta dimensão. Não é local, é humanitário. Nenhuma família abraça seus filhos, coloca em barco de borracha para atravessar o mar, em condições adversas, porque quer passear na Itália. Como conciliar o desespero dessas famílias com a condição econômica de receber esses povos? A Europa toda deve ajudar a Itália a ter mecanismos para acolher essas pessoas.

A União Europeia não trata a questão de maneira muito morna?
O que precisa é a Europa entender que as grandes correntes imigratórias do mundo saíram dali. E os europeus foram bem recebidos onde foram. O mundo gira, a história se repete e seria justo que a Europa levasse em consideração que estamos num momento delicado da humanidade e que devemos ter o mínimo de espírito de acolhimento.

Como o sr. vê toda turbulência política do Brasil, com a Operação Lava Jato e manifestações contra a presidente?
Pouco repercute na Itália. É raríssimo ver notícia do Brasil na Itália. Sou muito perguntado pelos parceiros parlamentares: ‘O pouco que vejo, os brasileiros destroem seu maior patrimônio, falam mal da Petrobras’. O brasileiro tem de entender que a Petrobras está com problema de gestão. Precisa trocar o gerente, passar para nova direção. Mas patrimônio é o petróleo e a capacidade tecnológica, que não acabaram. Os brasileiros fazem de tal maneira que o mundo perde a confiança na Petrobras. Talvez o recado fosse esse. Últimos governos democráticos do Brasil registraram erros e acertos, desde Fernando Collor de Mello. Acredito que não podemos julgar tudo negativo e entender que estamos num processo de transição e agora o Brasil sente aquilo que não era marolinha, era crise mundial.

Dá para fazer relação entre a Lava Jato e o Mani Pulite (Mãos Limpas)?
É pouco diferente. Naquele período, além da questão da corrupção, existia coisa chamada máfia, que no Brasil não existe. Existe sim o crime de colarinho branco, do crime organizado, mas o crime organizado como era na Itália naquele período era algo muito maior. Era do porteiro do prédio até o presidente da República que estavam envolvidos. Chegou a levar à prisão 420 juízes. Foram empresários, políticos. Logo depois da operação Mãos Limpas, o país foi entregue a Berlusconi. Como explicar um país que passou por um processo de limpeza, de busca da ética, fica na mão, por 22 anos, de um político que leva ao palácio da República meninas de 16 anos para praticar orgia? Melhor caminho é processo transparente e cristalino do exercício da atividade pública.




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