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Sabores&Saberes
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Sabores&Saberes
O vinho entre óleos e açúcares
Por Antonio Carlos do Nascimento
07/06/2021 | 00:01
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Em 1958, o nutricionista norte-americano Ancel Keys iniciou o famoso Estudo das Sete Nações, extensa pesquisa que avaliava o padrão nutricional das populações de sete países e suas respectivas resultantes na saúde cardiovascular. Keys, que alcançaria a idade de 100 anos, escolheu os Estados Unidos, Holanda, Itália, Finlândia, a antiga Iugoslávia, Grécia e Japão para sua investigação, e após 15 anos, seus dados indicavam que a mortalidade por doença cardíaca e “por todas as causas”, em Creta (Grécia), era muito menor que nos outros seis representantes.

Muito embora tenha cometido graves falhas metodológicas na intenção de proclamar a gordura saturada como a grande vilã das doenças cardiovasculares, Keys trouxe imensa notoriedade à ‘dieta do Mediterrâneo’ através de suas conclusões, principiando a aceitação desse conceito alimentar como “padrão ouro” nutricional. Sua base é composta por frutas, hortaliças, grãos e pães integrais, peixes, azeite de oliva e vinho, enquanto o consumo de carne vermelha é baixo e boa parte da gordura saturada é representada por pequenas quantidades de iogurte e queijo. 

Ainda que os povos do Mediterrâneo dos dias de hoje consumam artigos bem diferentes daqueles reverenciados pelo estudo de Keys, este modelo alimentar é praticado por muitos indivíduos e milhares de pesquisas confirmam seus benefícios à saúde e longevidade.

O livro A Ilha dos Anciãos, do jornalista australiano Ben Hills, aborda um grupo de aldeias nas montanhas centrais da Sardenha, ilha da Itália, local onde longevidade é a palavra de ordem. “A kent’annos’ (que você viva 100 anos) é saudação comum e, não por menos, os habitantes dessa porção da ilha têm quase três vezes mais probabilidades de alcançar os 100 anos que o restante do mundo. Dieta mediterrânica? Não, por lá derivados lácteos e carnes aparecem como os artigos mais importantes, haja vista que a Sardenha é famosa pelos queijos de leites de cabra e ovelha, este último originando o famoso pecorino.  

As carnes mais consumidas são de carneiro, javali e cabra, enquanto os venerados embutidos são facilmente encontrados nas mesas destas montanhas. O gorduroso cardápio é regado a muito vinho tinto, em sua maior parte produzido com a uva Grenache (Cannonau é o nome local), e descrito por seus consumidores como o segredo dos centenários sardenhos.

São muitas as críticas destinadas a Ancel Keys, especialmente por não contemplar observações acerca do consumo de açúcar destas populações. O pesquisador também teria evitado utilizar a França em seu estudo pelo fato de este país consumir enorme quantidade de gorduras saturadas e possuir proporcionalmente menor percentual de mortes por doenças cardiovasculares, o que discordaria de suas pretensões.

Sem dúvida A Ilha dos Anciãos também não seria escolhida pelo nutricionista para compor em sua busca e os resultados do Estudo das Sete Nações fariam dos alimentos ricos em gorduras saturadas os mais abominados na composição de uma alimentação saudável. Mais que isso, deflagrariam a produção de centenas de milhares de estudos em uma caça frenética (incipiente até então) para confirmar a relação entre estes consumos e grande número de doenças.

Mas estes estudos falharam em não separar as gorduras saturadas daquelas conhecidas como óleos vegetais hidrogenados, tais como a margarina, errando também em pouco valorizar a mensuração do consumo de açúcar e outros carboidratos refinados. Faz pouco que as gorduras hidrogenadas foram (quase) totalmente rechaçadas da indústria alimentícia e carboidratos refinados passaram a ser continuamente contestados.

Mais fácil é anotar que A Ilha dos Anciãos e a dieta do Mediterrâneo contemplam o vinho em seus contextos, aparentemente com importante relevância e talvez Paracelso, o médico suíço do século XVI, estivesse profeticamente correto quando afirmava: “O vinho é um alimento, um remédio e um veneno. Tudo é uma questão de dose”.




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