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Qualidade de vida na terceira idade: autonomia como aliada

Especialista defende que saúde física não deve ser única preocupação nessa fase; participação social e saúde mental também devem ser consideradas para os idosos

Thainá Lana
Do Diário do Grande ABC
31/10/2021 | 01:01
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André Henriques/ DGABC


Benedito da Silva Lemes, 69, e Eloize Aparecida Andrade, 62, são exemplos hoje do que o Grande ABC precisa oferecer à população idosa em um futuro próximo. A expectativa é a de que, em quatro anos, o grupo de idosos na região deva ganhar 80 mil pessoas, fazendo com que essa faixa etária supere a das crianças de 0 a 14 anos. Conhecido como Ditinho da Congada, Lemes esbanja vitalidade. Eloize não fica atrás, segue no mercado de trabalho e surpreende sempre quem lhe aconselha a ficar em casa para curtir a ‘melhor idade’. Ambos fogem do rótulo social do senhor e da senhora que fica em casa cuidando dos netos.

“A velhice vai ser o que a pessoa idosa quiser”, afirma o médico geriatra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e docente no curso de medicina na USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Milton Crenitte, 35 anos. Ele defende que qualidade de vida na terceira idade não deve ser um padrão estabelecido por outras pessoas, e sim uma escolha de cada um. “Pensar em qualidade de vida é pensar em resgatar a independência da pessoa, sua autonomia e participação social. Temos que garantir maneiras para que a pessoa vivencie a velhice da melhor maneira possível”, defende o médico.

“Quando projetamos uma região com uma população mais velha, precisamos garantir alternativas para que a pessoa idosa possa descobrir seu projeto de velhice. É importante lembrar que ter saúde não é ter doenças. Saúde é um estado de bem-estar biopsicossocial. O paciente pode ter pressão alta ou diabetes e manter as doenças controladas. Se pudéssemos pensar em um pilar de qualidade de vida provavelmente seria: uma pessoa saudável, com participação social, autonomia e independência, incorporada na realidade de cada um”, adiciona o profissional.

Em 2025, o Grande ABC deverá ter mais idosos do que jovens – seguindo a tendência mundial. Segundo projeção da Fundação Seade, do governo do Estado, a população com mais de 60 anos chegará ao total de 491.264 pessoas, enquanto o grupo mais novo, de crianças de 0 a 14 anos, será de 486.820. Além das características demográficas, os dois moradores retratam o perfil dessa população que ainda tem muita vontade de viver novas experiências e sonhos. Nessa fase da vida, a saúde física é constantemente associada com qualidade de vida, enquanto aspectos importantes, como saúde mental, participação social, independência financeira e autonomia, são deixados de lado.

Ditinho é filho da lendária Maria do Carmo Ribeiro Lemes, conhecida como Dona Cotinha. Ela morreu em fevereiro, aos 93 anos, mas sua vida foi marcada pela incansável luta na ajuda ao próximo – em todo Natal, distribuía centenas de refeições aos mais carentes. Foi com esse espírito que ele, agente cultural aposentado em 2012, decidiu se dedicar às suas maiores paixões: o trabalho social e a congada. A manifestação cultural e religiosa de origem afrobrasileira está presente na sua família há mais de 110 anos. “Montamos o primeiro grupo de congada de São Bernardo. A arte faz parte da minha tradição. Além da congada também criamos a Escola de Samba Renascente de São Bernardo.”

Pai de dois filhos e avô de três netos, ele explica que as pessoas começaram a perceber a velhice antes dele. “Meus vizinhos falam que sou uma pessoa muito ‘serelepe’, gosto de dançar e pular por todos os cantos. Quando começaram a perguntar como eu continuava fazendo algumas atividades com a minha idade, percebi que realmente estava ficando velho”, diz sorridente o são-bernardense, que está em Minas Gerais palestrando sobre cultura negra.

Ditinho ainda pretende arriscar carreira na política. Ele, que já foi candidato a vereador e deputado, busca espaço no Legislativo para transformar realidades e criar oportunidades para pessoas mais pobres. “Quero viver mais 30 anos para ampliar a parte social e cultural na região. Quero que as pessoas lembrem de mim não apenas como sambista ou contador de histórias de congada, mas como alguém que tentou pegar o poder e fazer a diferença. Até lá, continuarei dançando.”

MULHERES SÃO MAIORIA

Assim como no Brasil, o número de mulheres no Grande ABC é superior ao de homens nas duas faixas etárias analisadas (crianças de 0 a 14 anos e idosos acima dos 60). Entre a população mais nova, mais da metade desse grupo é composto por mulheres, cerca de 52% - ao total são 241.172 mulheres e 221.969 homens.

No grupo de pessoas mais velhas, a população feminina chega à expressiva marca de 57,2% do total. Nessa faixa etária, as mulheres são maioria nas sete cidades da região, sendo 244.174 contra 182.255 homens.

Eloiza reforça o grupo predominante na região. Aposentada desde 2016 decidiu continuar trabalhando como gerente de vendas em uma loja de perfumaria no Shopping Center Duaik. “Me aposentei e pensei; ‘O que vou ficar fazendo parada?’ Não tenho filhos, então decidi continuar preenchendo minha vida com algo que amo, que é meu trabalho”, diz.

Sobre seu estilo, Eloiza não acredita que tenha uma vida muito ativa, mas gosta de fazer caminhadas e sair com os amigos no tempo livre. Casada, mora com o marido João Tolesano Júnior em Ribeirão Pires e afirma que a escolha de não ter filhos nunca foi algo que a incomodou. “Foi muito natural, não programei isso, fui apenas vivendo minha vida.”

Educação financeira é vital nessa fase da vida

Coordenadora de gestão de qualidade e logística da Universidade Metodista de São Paulo e especialista em envelhecimento em organizações, Renata Eisinger reforça a importância de buscar conhecimento financeiro para manter a autonomia na terceira idade. “Para envelhecer bem é preciso acumular quatro capitais: o de saúde, o de conhecimento, o social e o financeiro. A busca pelo conhecimento em educação financeira pode garantir uma vida mais tranquila na terceira idade e assegurar esses pilares”, esclarece a especialista.

Já o geriatra Milton Crenitte alerta sobre desigualdade social presente no País e como a expectativa de vida é determinada por fatores sociais. “A expectativa de vida tem aumentado ao longo dos anos por diversos fatores, podemos citar alguns exemplos, como maior incorporação de hábitos saudáveis, políticas públicas de saneamento básico, redução da mortalidade infantil, vacinação, controle de doenças crônicas, entre outros. Tivemos significativos avanços nessas áreas, mas, ao mesmo tempo, não podemos ignorar a realidade que vivemos. Regiões mais pobres, que não tem acesso a serviços básicos de saúde, a expectativa de vida pode ser menor”, finaliza.




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