Política Titulo Entrevista da semana - Michel Temer
‘Houve distensão na relação entre os poderes’
Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
11/10/2021 | 00:01
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Alan Santos/ PR


Ex-presidente da República, Michel Temer (MDB) voltou ao cenário nacional ao ser chamado pelo seu sucessor, Jair Bolsonaro (sem partido), a tentar reduzir as tensões políticas depois de ele mesmo elevar o tom em discursos no Dia 7 de Setembro. Passado quase um mês dos atos bolsonaristas e sua ida à Brasília, Temer faz reflexão, em entrevista exclusiva ao Diário, que o clima político no País está mais ameno. O emedebista diz não haver momento agora para o impeachment de Bolsonaro, declara não crer que haverá tentativa de golpe na democracia e critica discurso do chefe da Nação, à ONU, com defesa ao tratamento precoce contra a Covid-19.

As eleições de 2020 mostraram um arrefecimento da polarização, com vitórias de políticos moderados às prefeituras. As pesquisas de intenções de voto, porém, mostram essa polarização. O que projetar para o ano que vem? 

Realmente há, aparentemente, um arrefecimento da polarização, mas isto se deu, como estabelece a pergunta, nas prefeituras. No presente momento, o que me parece é que há uma busca pela chamada terceira via ou coluna do meio, que, confesso, três meses atrás eu verificava que os partidos iriam lançar pré-candidatos para ao final fixar-se numa candidatura única. Mas não é o que eu percebo no presente instante. Percebo que os pré-candidatos na verdade vão se transformando em candidatos e o que poderá haver é uma atomização do voto na chamada terceira via ou coluna do meio e, portanto, manter-se intacta a chamada polarização entre os dois pelo menos supostos pré-candidatos que se oferecem para as eleições de 2022.

Desde o dia 7 de setembro e sua ida à Brasília, outros atos foram organizados. Como o sr. vê o saldo de todo imbróglio político do último mês?

Em primeiro lugar, eu devo registrar que aquela declaração que o presidente fez à Nação comprometendo-se a cumprir rigorosamente a Constituição, portanto seguir a harmonia dos poderes, assim também cumprimento das decisões judiciais, ao referir-se também ao ministro Alexandre de Moraes como professor e jurista e de igual maneira dizendo que tudo aquilo derivou do calor do momento eu penso que isto ajudou a pacificar o País. Eu percebi nitidamente como todos os brasileiros perceberam uma distensão nas relações entre os poderes, portanto, esse imbróglio político que se verificou foi no último mês porque partir dessa medida houve uma certa serenidade no País que eu espero que possa continuar intacta.

O sr. acredita que o presidente Jair Bolsonaro pode, como outras vezes, subir o tom contra a democracia?

Não vejo como ele possa atentar contra a democracia. Pode até, espero que isso não aconteça, eventualmente subir o tom, mas a democracia no Brasil está solidamente consolidada. Não creio que um discurso, uma palavra ou um gesto poderá abalar a consciência democrática que a partir da Constituição de 5 de outubro de 1988 tomou conta do País e, em consequência, do povo brasileiro. Nada poderá vulnerá-la.

Em recente entrevista, o sr. reconheceu que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao negar que cumpriria decisões de Alexandre de Moraes, ao mesmo tempo, disse que não é recomendável o impeachment do presidente neste momento. Essas declarações não se conflitam?

Não há conflito nenhum. Aliás, o que eu disse é que realmente negar cumprimento a decisão judicial é cometer crime de responsabilidade. O que o presidente Bolsonaro disse não se consolidou porque não houve momento algum em que ele se negasse a cumprir uma decisão do ministro Alexandre de Moraes. Agora quando eu digo que não se deve pensar no impeachment neste momento é porque nós estamos de alguma maneira ainda nos aproximando das eleições e imaginem os senhores, imaginem todos os leitores, o que aconteceria se o impeachment começasse agora e, seguramente, iria tardar nove ou dez meses. Portanto, seria o processamento do impedimento juntamente com a época das eleições e isto geraria um tumulto no País. O melhor é, na verdade, esperar as eleições e verificar o que é que o povo quer. Se votar num dos polos que hoje se estabelecem, se escolhe uma outra via porque, afinal, a Constituição diz que o poder emana do povo e é ele que decidirá nas eleições como essas coisas devem prosseguir. Portanto, não há conflito nenhum naquilo que eu disse e naquilo que hora eu afirmo.

Acha saudável a relação estabelecida pelo presidente com o Congresso?

Agora eu creio que sim. Porque, na verdade, logo depois daquela declaração, ele fez um discurso numa solenidade dizendo o que a Constituição estabelece, ou seja, esta é sua declaração, que Executivo, Legislativo e Judiciário constituem um corpo único e, portanto, governam em conjunto. Este tipo de frase ajuda muito a relação harmoniosa entre os poderes do Estado.

O debate sobre semipresidencialismo foi retomado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. O sr. tem conversado com ele a respeito desse tema? Acha possível avançar no assunto?

O semipresidencialismo, ao meu ver, é a solução para os sistemas de governo. A grande reforma política viria, penso eu, pela modificação do sistema de governo e quando nós pregamos o semipresidencialismo, agora, como bem dito, retomado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, decorre da ideia de que o impeachment no presidencialismo sempre cria traumas institucionais. Eu não tenho a menor dúvida disso. Ademais disso eu costumo dizer que o presidencialismo está esfarrapado há muito tempo. Basta verificar a história do Brasil. Nós tivemos de 1891 a 1930 um regime presidencialista com muitos problemas, mas, de qualquer maneira, de 1930 a 1945, houve uma concentração de poder e ninguém dirá que aquele período é do presidencialismo puro. De igual maneira, restabelecida a democracia a partir de 1945 a 1946, durou até 1964, quando, novamente, houve uma concentração de poder. Não se pode dizer que de 1964 a 1988 nós tivemos um presidencialismo puro. Portanto, seja em face dos vários pedidos de impeachment, seja pelo histórico do presidencialismo brasileiro, impõe-se mudar o sistema de governo. Ou semipresidencialismo tem a vantagem número um de evitar os traumas institucionais causados por impedimentos, ou seja, o governo no semipresidencialismo cai quando o primeiro-ministro e o gabinete perdem a maioria. Outra maioria se forma e, portanto, outro governo se forma com muita tranquilidade. Segundo ponto, a função executiva na verdade vai passar para o Parlamento, ou seja, o parlamentar, quando quiser disputar uma nova eleição, ele vai dizer, se é do bloco da situação, que governou bem, se é do bloco da oposição, dizer que se opôs bem. Portanto, cresce até o debate de natureza eleitoral para as eleições legislativas. E finalmente terceiro ponto, é claro que você terá no semipresidencialismo um grupo de situação e um grupo de oposição, portanto, conceitualmente dois partidos. O que, a meu modo de ver, melhora as relações institucionais no nosso País.

O sr. acredita que Jair Bolsonaro vá desconsiderar o resultado das urnas diante da escalada de críticas à urna eletrônica?

E não creio que ele consiga desconsiderar o resultado das urnas em face da urna eletrônica. Acho que ele, mesmo que queira, não terá condições para tanto. Portanto, deverá obedecer aquilo que as urnas eletrônicas decidirem apurando os votos dos leitores brasileiros.

Discurso do presidente na ONU (Organização das Nações Unidas), na abertura da assembleia geral, dando suporte aos tratamentos precoces contra a Covid e negando a crise climática, colocou o País cada vez mais isolado no cenário internacional. Como o sr. viu a fala de Bolsonaro?

Evidentemente, não acho útil insistir no tratamento precoce contra a Covid-19, como não acho útil negar a crise climática. Para recuperar uma boa imagem para o País, e eu acredito que o ministro Carlos França, hoje chanceler terá condições de fazê-lo, será divulgar que nós vamos cumprir rigorosamente o acordo de Paris e fazer a propaganda daquilo que o Brasil já fez em matéria de meio ambiente. Veja que durante o meu governo eu realizei a maior reserva marinha que o mundo conhece, equivalente, para terem uma ideia, à soma de uma Alemanha e da França. E a reserva marinha é fundamental para a preservação do meio ambiente, como de resto também ampliei em quatro vezes, por exemplo, a Chapada dos Veadeiros, que é uma reserva ambiental como também no meu governo, o Zequinha Sarney, que era o ministro do Meio Ambiente, criou outras tantas áreas de preservação ambiental. Esses fatos deveriam ser divulgados fortemente pelo governo atual e eu acho que se isto vier à luz poderá ajudar a recuperação do Brasil no concerto internacional.

Como o sr. vê o papel do STF? Há corrente de juristas que sustenta que há invasão de competências por parte dos ministros.

Eu não vejo esse chamado ativismo judicial ou mesmo invasão de competências porque o Judiciário é um poder inerte e inerte que é só age se provocado. Na verdade, eu devo reconhecer que quem mais provocam as manifestações do Supremo são os partidos políticos, lideranças do Congresso Nacional que, muitas vezes inconformados com o resultado legislativo, procuram e provocam um Supremo Tribunal Federal. Provocado, o Supremo tem que decidir. Literalmente, quando a letra da Constituição é clara, ou sistemicamente quando não há clareza nos dispositivos condicionais. É isso que o Supremo vem fazendo. Não creio que haja invasão de competências.

Teto de gastos dá credibilidade para economia’

É possível retomar a economia do Brasil com a manutenção da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Teto de Gastos? 

É fundamental a manutenção da PEC do Teto de Gastos Públicos. Isto é para dar credibilidade fiscal internamente e internacional. Se nós revogarmos a PEC do Teto de Gastos, nós perderemos a credibilidade interna e no Exterior. Portanto é preciso achar meios e modos de manter a integridade do texto da PEC do Teto de Gastos Públicos e encontrar meios e modos de ter gastos extraordinários que sejam indispensáveis e sejam inafastáveis. Mas a manutenção da PEC do Teto ajuda na retomada da economia porque dá credibilidade fiscal no Exterior e o que mais nós precisamos hoje é de investimentos do Exterior que venham para o Brasil em atividade produtiva. Esta atividade produtiva é que gerará os empregos tão desejados e tão necessários no nossos País.

O MDB terá candidato a presidente? A última vez que o partido não teve nome a presidente ou vice foi em 2006.

Não se sabe ainda se terá candidato a presidente. Há uma pré-candidata lançada ou pré-lançada que é senadora Simone Tebet (de Mato Grosso do Sul), que esteve comigo e, até muito dignamente, disse que ela se pré-lançava na ideia de que um dia poderia surgir uma unidade daquilo que se chama terceira via ou coluna do meio e, portanto, ela tentaria ser esse nome mas se não fosse o dela ela concordaria em ter uma unidade para esse desiderato, para esse desejo. Portanto, a tese no momento é de que o MDB terá candidato a presidente, mas ainda estamos a um ano das eleições tem muita coisa ainda por acontecer. Vamos aguardar.

Se o ex-presidente Lula ganhar, como acha que será a relação do MDB com o petista? Lula tem conversado com figuras da legenda, como Sarney.

Evidentemente se o presidente Lula ganhar as eleições, o MDB irá conversar com ele. Não pelo meu intermédio, naturalmente vocês sabem que eu estou fora da vida pública, mas, entretanto, devo registrar que muitas vezes você sai da vida pública e a vida pública não sai de você e o que tem acontecido é que eu tenho sido procurado para trocar ideias e, evidentemente, não posso me omitir quando sou assim é questionado ou procurado. Mas isso tudo depende do que vai acontecer. Primeiramente se ele ganha eleição, Em segundo ponto, se alguns emedebistas vão apoiá-lo. E, em terceiro ponto, se ele assumir o governo, se ele chama o MDB para governar com ele. Depende, portanto, do futuro.

Como o sr. vê o cenário eleitoral estadual? Há uma provável ruptura do campo tucano, com candidaturas de Geraldo Alckmin e Rodrigo Garcia em raias opostas. Isso facilita a corrida eleitoral ao PT ou à esquerda ou, no fim, o eleitorado paulista tende a escolher Alckmin ou Rodrigo?

Eu não sei como respondê-la, porque tudo está ainda no campo das probabilidades. Como está na própria questão. Não se sabe quem ganhará a eleição, o que vai acontecer durante a corrida eleitoral. Fica muito difícil responder essa pergunta no presente momento

O sr. tem preferência na corrida eleitoral em São Paulo?

Por enquanto nenhuma. O futuro é que vai decidir, especialmente quando o MDB decidir a quem acompanhará. Eu acompanharei o partido.

Recentemente fontes ligadas ao prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, disseram que houve reunião entre o sr. e o tucano. O sr. confirma essa conversa? Se sim, o que foi tratado?

Tenho o maior apreço pelo prefeito de São Bernardo, o Orlando Morando, meu velho amigo, mas, evidentemente, qualquer teor de conversa deve ser indagado a ele. Portanto, não tenho condições neste momento de dizer nem se houve nem qual foi o conteúdo da conversa.

Há possibilidade de Morando ir ao MDB?

Não há, penso eu, negociações nesse sentido, embora eu devo dizer que se ele viesse evidentemente que seria muito bem recebido.

O MDB no Grande ABC tinha como expoente a ex-deputada Vanessa Damo. Depois de sua saída da Assembleia Legislativa, o partido tenta se reconstruir na região. Acha possível essa reconstrução?

A ex-deputada Vanessa Damo representou muito bem a região. A tentativa de se reconstruir na região passa pelas lideranças estaduais e, particularmente, por aqueles que lideram a política no Grande ABC. Tenho absoluta certeza que surgiram nomes de fora parte o nome da deputada Vanessa Damo, que nunca pode ser colocada de lado outros nomes poderão surgir.

Nome: Michel Miguel Elias Temer Lulia
Estado civil: Casado
Idade: 81 anos
Local de nascimento: Tietê, no Interior, e mora em São Paulo
Formação: Advogado
Hobby: Leitura
Local predileto: Minha casa
Livro que recomenda: A China de Deng Xiaoping, de Michael E. Marti
Artista que marcou sua vida: Foram muitos, não devo nominá-los porque não foram poucos
Onde trabalha: No escritório político




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