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A fé que cura

Benzedeiras ainda existem e usam o dom para ajudar o próximo em cidades do Grande ABC

Por Bianca Barbosa
Especial para o Diário
13/08/2018 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Com arruda, alecrim, incenso, azeite ou apenas com as mãos. Os benzimentos sempre têm em comum a inegável fé das pessoas que curam o corpo e a alma. Apesar de a cultura ser antiga, mas pouco encontrada nos dias de hoje, sobretudo nas grandes cidades, na região tanto veteranas quanto jovens benzedeiras usam o dom para auxiliar muitas pessoas. Para entender melhor o costume que transcende gerações, a equipe do Diário conversou com quatro mulheres de muita fé, que têm em comum a vontade de ajudar.

O apartamento colorido e decorado por muitas flores, no Jardim Alvorada, em Santo André, é onde Bernadete Rocha de Lima, 75 anos, recebe os aflitos. Sensível e boa de conversa, é natural de Bom Conselho, cidade do agreste pernambucano, que faz jus à profissão do coração e às palavras sempre oportunas. É benzedeira desde menina. Diz que aos 7 anos foi picada por uma cascável e teve a visão de uma mulher que ensinava o remédio para curá-la do ferimento. Desde então, afirma, passou a ter certa sensibilidade para curar os males dos outros também. “Desde pequena via e sentia coisas diferentes”, explica.

Bernadete tem como religião a umbanda e diz que faz “os benzimentos com ajuda dos meus guias espirituais, incenso e muita reza”. Ela não tem uma média de quantas pessoas atende por dia. “Quem chega mando entrar. O dia todo tem gente aqui. Minha vida é uma beleza.”
Também no bairro, uma benzedeira meio século mais nova segue o ofício. Ex-estudante de Direito, Pâmela Souza, 24, largou as pilhas de processos do estágio no fórum para ser professora de benzimentos. “Hoje sou completamente feliz, estou em paz”, conta. Adepta da bruxaria e bisneta de benzedeira, o dom da jovem floresceu aos 20 anos, quando frequentava uma casa religiosa e fez curso rápido de benzimento. “Benzer é abençoar o outro e qualquer um pode fazer. Está dentro de nós.”

Ao encontrar site de troca de serviços, Pâmela ofereceu ensinamentos de benzedeiras na plataforma e o primeiro encontro uniu 17 pessoas que queriam aprender o ofício. Depois de pensar bem, ela resolveu mergulhar nessa área, e virou professora. Hoje, a jovem oferece cursos em todos os fins de semana e montou grupo chamado Florescer Bento, que une interessados no assunto. “Já formamos mais de 900 benzedores. A aluna mais nova tem 13 anos e a mais velha, 92”, diz, orgulhosa.

Pâmela benze com água e azeite em um pratinho, coloca o nome da pessoa em um papel e mergulha no líquido. “A água é o elemento condutor e o azeite traz atmosfera de cura”, afirma. A professora vai realizar encontro de benzedeiras no dia 18. Mais informações podem ser encontradas na página do Florescer Bento no Facebook.

Para jovens como Pâmela, a experiente Odete Rodrigues, 89, orienta “seguir o dom e fazer com amor”. Moradora do bairro Canhema, em Diadema, a senhora de riso fácil e companhia agradável é celebridades. “Aqui todo mundo a conhece, mas já veio gente de outros Estados, até de outros países para benzer”, garante a filha Daniele Lima da Silva, 40. Benzedeira desde que se entende por gente, dona Odete diz que aprendeu uma reza forte “com um velhinho que apareceu” para ela em sonho. Ele ensinou a reza e pediu para que ela nunca contasse as palavras a ninguém. Desde esse dia, ela cochicha as palavras bem baixinho enquanto faz o benzimento nas pessoas.

“Deus me deu esse poder e vou morrer com ele. Enquanto tiver forças, benzo”. Devota de Nossa Senhora de Aparecida, a católica conta um dos momentos mais emocionantes de sua caminhada. “Uma mulher veio aqui com o filho, ele tinha mal de Simioto, os olhos esbugalhados, bem magrinho e cheio de pelos. O médico tinha dito que ele iria morrer. A mãe trouxe correndo aqui, benzi, fiz banho de azeite. Com um mês o menino estava gordinho e forte”, se emociona.

E essa é apenas uma das lembranças de uma vida toda voltada a fazer o bem às pessoas. Em janeiro ela completa 90 anos, e os filhos farão uma festa de arromba para ela. “Graças a Deus sou muito querida”. Além dos oito filhos, 13 netos, 17 bisnetos e uma tataraneta, a benzedeira ainda tem espaço no coração para os mais novos. “Tenho vocês como se fossem meus filhos”, diz à equipe do Diário que acabara de conhecer. Mas dona Odete tem razão, pois ser benzedeira é cuidar, dar amor, fazer até o impossível para ajudar, e atender a qualquer hora, tarefa muito parecida com uma das mais difíceis da vida: ser mãe. 




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