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Superação, esta é a palavra

Três histórias servem de exemplo para mostrar que vale a pena superar medos e dúvidas e voltar à escola para acabar o que ficou pela metade

Bia Moço
03/12/2017 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Voltar a estudar, para quem abandonou a escola ainda nos anos iniciais pelos mais variados motivos, é um verdadeiro drama. Às vezes por vergonha, às vezes porque a pessoa acha que não dá mais tempo. Mas a história de quem superou os medos e as dúvidas é a prova de que vale a pena enfrentar os desafios, voltar aos bancos das escolas para aprender a ler e a escrever ou terminar o que ficou pela metade.

Embora cada um tenha seu motivo particular, na maior parte dos casos a pessoa deixou os estudos para trabalhar. O mais curioso é que justamente o mesmo motivo que os tirou da escola, os leva de volta: o trabalho. É comum ouvir dizer que a vaga requer, no mínimo, o Ensino Fundamental completo, e por esse motivo o arrependimento bate na porta e resgata a vontade de ir em frente.

Marcelo Baltazar, 42 anos, é um exemplo de superação. Aos 14 anos deixou a escola, passou a beber e a usar entorpecentes. “Meu pai brigava muito com minha mãe e batia muito em mim e nos meus irmãos. Um dia largou dela (mãe) e nos levou (Marcelo e os irmãos) para morar com outra mulher, que até então era sua amante. Depois, nos largou com nossa madrasta e foi embora com outra mulher. Ela (madrasta), por sua vez, ficou com raiva do meu pai e descontava a raiva que tinha dele em mim e em meus irmãos. Me revoltei, fugi de casa e larguei tudo para trás”, recorda.

Baltazar morou na rua por dois anos, e então passou a trabalhar como auxiliar de construção. O salário que recebia, usava para comer e pagar a pensão onde morava. Aos 18 anos conheceu sua atual mulher, e neste ano completaram 28 anos de casados. “Casei, trabalhei, tive filhos e hoje os três são estudados. Dois fazem faculdade e a mais nova está no convento. Nos últimos dois anos fiquei desempregado e não conseguia nada. Durante muito tempo trabalhei como vigilante, fiz muitos cursos, mas agora tudo precisa do colégio completo, e eu não tinha”, explica.

Ainda em tempo de mudar de vida, Baltazar decidiu que era hora de voltar a estudar e buscar um “fim mais digno”, como disse. Atualmente trabalha em uma igreja, dando aulas de recreação para as crianças. “Sou mestre número três em capoeira, professor de muay tay e karatê. Na igreja não ensino luta, mas a capoeira sim, pois junto posso ensinar um pouco da história do povo brasileiro. Estudar de novo mudou minha vida, ampliou minha mente e me fez renascer. Percebi que se tivesse estudado, tudo poderia ter acontecido diferente. Voltei a ser criança.”


Oportunidade de estudar realiza sonho de infância

Muito além de superação, voltar a estudar pode ser o primeiro passo para a realização de um sonho, e o pontapé inicial para mudança de uma vida inteira. Foi o que aconteceu com Maria Selma Albuquerque, 48 anos, que parou de estudar na antiga 4ª série do Ensino Fundamental – atual 5º ano – e, graças aos estudos, pôde fazer o curso de confeiteira e realizar seu sonho de infância.

“Casei muito cedo, meu marido não queria que voltasse a estudar, tive minhas filhas e logo me separei. Para dar um futuro diferente do meu para elas, fui trabalhar de doméstica. Minhas filhas estudaram, se formaram e hoje estão casadas. Quando notei, minha vida tinha passado, estava sozinha e com tempo sobrando. Vi que era chegada a hora de investir em mim”, diz Maria Selma.

Para ela, voltar a estudar devolveu sua vida. Com os olhos marejados de emoção, a confeiteira fala sobre o sentimento de vitória e a saudade que sentirá da sala de aula, pois se forma no fim deste mês. “Realizei meu sonho de ser confeiteira, e graças a ter estudado. Hoje estou trabalhando com o que sempre quis, e muito feliz. Se falar em mudança, absolutamente tudo. Agora sei conversar, me relacionar, pois quem não estudou nunca sabe nada e se sente fora da sociedade. Hoje sim, sou como todos. Vou sentir muita falta daqui (escola). Só tenho a agradecer pela oportunidade que tive.”

Diretora do Centro Público de Formação Profissional Valdemar Mattei, na Vila Pires, em Santo André, Katia Gonçalves diz que não existe perda de tempo quando há força de vontade. “O que vem deles é entusiasmo. São grandes guerreiros e vencedores por estarem aqui, principalmente pelo fato de que deixaram de estudar para trabalhar, e voltaram a estudar para continuar trabalhando.”


Nunca é tarde para recomeçar a vida de estudante


A terceira idade é cheia de surpresas, até por isso é conhecida como a melhor idade. Tempo de fazer aquilo que foi deixado para trás, se conhecer, descansar, botar em prática tantas coisas esquecidas no passado. Há quem se deixe abater pela idade, mas isso não aconteceu com Anaires Rosa Barbosa, 60 anos, que deixou os estudos quando perdeu o pai, aos 14. Ela e os irmãos decidiram que iriam ajudar a mãe, arregaçaram as mangas e foram trabalhar.

“Quando papai faleceu viemos eu, minha mãe e irmãos do Interior de Minas Gerais, tentar melhorar a vida. Lá não tinha emprego, a cidade era pequena e pobre. A gente era pequeno, mas decidimos que o trabalho seria a melhor solução, portanto, deixamos de estudar para sustentar nossa família. Apenas meus irmãos mais novos deram continuidade.”

Dois anos depois, a irmã mais velha de Anaires veio para a Capital com oito filhos pequenos, os gastos aumentaram, e o trabalho também. “Casei logo, tive duas filhas e meu sonho de estudar ficou guardado em uma caixinha. Quando decidi vir (estudar), eu tinha muita vergonha por causa da minha idade.”

Quando questionada sobre o que mudou em sua vida, Anaires diz, animada: “Mudou tudo! Inclusive em casa, pois hoje sei falar melhor, me expressar e conversar bem. Vejo o mundo totalmente diferente. Voltar para a sala de aula não faz bem só para a pessoa, mas para quem convive com ela. A maior lição que tirei disso? Nunca é tarde para recomeçar.”

Para a coordenadora de serviços educacionais do Centro Público de Formação Profissional Valdemar Mattei, em Santo André, Vanessa Silva de Souza, trabalhar com Educação de jovens e adultos traz humanidade. “Ver essas histórias de superação, conquista e vitória é muito gratificante para nós, profissionais. O importante não é só alfabetizar e ensinar quem perdeu a oportunidade, mas devolver os encantos que adquirimos na fase escolar.” 




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