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Febem: governo vai desembolsar R$ 40 mil por cada nova vaga
Por Illenia Negrin
Do Diário do Grande ABC
30/08/2005 | 08:10
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O governo estadual vai desembolsar cerca de R$ 40 mil para cada nova vaga de internação que pretende criar com a reformulação da Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor). Pelo menos quatro prédios com capacidade para 40 internos serão construídos no Grande ABC, em Mauá, Diadema, São Bernardo e Santo André. Os investimentos devem chegar aos R$ 6,5 milhões, só na instalação das unidades. Especialistas em infância e juventude condenam os altos gastos do Estado em medidas da privação de liberdade. E criticam os programas de prevenção à criminalidade juvenil, que, segundo eles são mal planejados, ineficientes, e contam com parcos recursos. Na região, os números comprovam a distorção: enquanto um jovem infrator consome R$ 20,5 mil por ano internado em centros da capital, com um estudante da rede pública se gasta R$ 290 para integrá-lo em projetos de inclusão social.

Hoje, cerca de 401 adolescentes cumprem medida de internação, semiliberdade ou internação provisória na Febem. Cada um deles custa R$ 1,7 mil por mês aos cofres do Estado. Outros 872 jovens estão em liberdade assistida ou em programas de prestação de serviço à comunidade. Em meio aberto, gasta-se em média R$ 120 com cada infrator, quantia bem mais modesta e, segundo especialistas, caminho mais eficiente à recuperação do infrator.

Ao todo, os cerca de 1,3 mil menores do Grande ABC assistidos pela Febem custam R$ 9,5 milhões por ano ao governo. Dois projetos apontados pelo Estado como relevantes na prevenção da criminalidade, o Ação Jovem e o Escola da Família, têm, juntos, investimentos anuais aproximados de R$ 12,5 milhões.

O Ação Jovem, programa de repasse de renda a jovens carentes com idade entre 15 e 24 anos, beneficia pouco mais de mil pessoas nas sete cidades. A bolsa-auxílio de R$ 60 por mês é concedida para conter a evasão escolar. Uma espécie de mesada de incentivo para que os adolescentes não abandonem os estudos. Este ano, o Estado vai gastar cerca de R$ 725 mil para bancar a iniciativa.

Já o Escola da Família, citado pelo próprio governo como um dos importantes pilares na diminuição da criminalidade, mantém as cerca de 350 escolas estaduais da região abertas nos finais de semana. Para tanto, serão investidos cerca de R$ 11,5 milhões em 2005. A idéia é aproximar a comunidade das unidades de ensino, promovendo atividades culturais, esportivas e palestras educativas aos sábados e domingos. O governo diz que em dois anos de atuação do projeto, houve melhora "significativa" nos índices de violência no em torno das EEs.

A Secretaria de Estado da Educação afirma que as ocorrências contra a pessoa e o patrimônio caíram 39,5% ; as agressões físicas diminuíram 46,5% e o porte de drogas teve redução de 81% nas áreas vizinhas às escolas. Enquanto comemora os resultados positivos do projeto, o governo amarga outra estatística, nada animadora. Na prática, os números mostram que as políticas públicas não têm contribuído para diminuir, ou mesmo manter estável, a quantidade de menores infratores que chegam à Febem.

Nos últimos dez anos, o números de jovens encaminhados pela Justiça para cumprir medida de internação mais do que triplicou. Em 1995, eram 2.125 internos, contra os cerca de 7 mil atuais. Um aumento de cerca de 230%. No mesmo período, a população com idade entre 12 e 18 anos cresceu 18%. Somando-se aos infratores em outras medidas socioeducativas, chega-se aos 21,5 mil menores que cometeram algum tipo de infração em todo o Estado.

A internação como tentativa de recuperação dos menores também se comprovou frágil com o passar dos anos. Um em cada cinco jovens internos já esteve na Febem antes. A reincidência entre os que estão em liberdade assistida é bem menor. Em São Bernardo, onde a medida em meio aberto é aplicada pela Fundação Criança, o índice não passa de 5%.

Desperdício –O professor-doutor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), Roberto da Silva, considera um equívoco do governo do Estado o anúncio da construção de mais unidades de internação. Ex-interno da Febem – ele passou 13 anos na Fundação e foi taxado de "irrecuperável" pelos técnicos da entidade –, Silva diz que a reprodução de um sistema "falido" só vai agravar a situação dos jovens infratores.

"É um retrocesso, sem dúvida. O Estado deveria concentrar esforços na prevenção da criminalidade e na ampliação das medidas em meio aberto. É uma sucessão de erros, um desperdício. E alimenta uma lógica perversa. Só quando a família se mostra incapaz de corrigir a conduta de seus filhos, o Estado assume a responsabilidade e ‘tranca‘ os jovens em cadeias. Perdemos a chance de começar a reverter esse processo", avalia Silva, que este ano foi cogitado para assumir a presidência da Febem.

Ele afirma que as políticas de prevenção são paliativas e têm alcance muito reduzido. "As periferias precisam de políticas permanentes de inclusão, de reforço da estrutura das famílias. O Escola Aberta leva cultura e esporte para as comunidades, mas não pode ser considerado preventivo na questão da violência. O repasse de renda também é insuficiente. Esses terrenos que serão usados para a construção de prédios deveriam ser usados para a implementação de iniciativas que atendam as crianças e os adolescentes que estão abandonados pelo Estado."

A doutora em assistência social e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e Adolescente da PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Miriam Veras Baptista, também questiona as prioridades do governo estadual. "As políticas de prevenção não avançaram em nada. E se continuarmos investindo na internação, vamos precisar de mais cadeias do que de conjuntos habitacionais. A maioria dos internos da Febem tem passagem pela escola. E a escola se mostrou ineficiente para lidar com a questão da criminalidade. Hoje, a única porta que o jovem encontra aberta é a da Febem. Um sistema voltado ao controle e à punição."




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